terça-feira, 17 de novembro de 2015

EXPRESSO CURTO - 17 DE NOVEMBRO DE 2015

Hoje não é dia para palavras

 
 
16-11-2015
 
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Para: antoniofonseca1940@hotmail.com


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Expresso
Bom dia, já leu o Expresso CurtoBom dia, este é o seu Expresso Curto 
Nicolau Santos
POR NICOLAU SANTOS
Diretor-Adjunto
 
16 de Novembro de 2015
 
Hoje não é dia para palavras
 
Não, não começo com o habitual bom dia. Depois do que aconteceu na sexta-feira à noite em Paris, «hoje é um dia reservado ao veneno (…) / é um dia perfeitamente para cães (…) / não é um dia no seu eixo / não é para pessoas (…)», como escreveu António José Forte em 1983. Não, depois de 129 mortos em Paris, «(…) hoje não é um dia para fazer a barba / não é um dia para homens / não é para palavras». Não, não há bons dias depois de uma noite assim.

Seis ataques lançados em 33 minutos em três locais distintos. 129 mortos, 352 feridos, cerca de 80 com muita gravidade. Sete homens divididos em três equipas. Retaguarda: Molenbeek-Saint-Jean, na região da grande Bruxelas. Os autores de outros atentados também tinham ligações a esta zona. «Há quase sempre um laço com Molenbeek, há ali um enorme problema. Nos últimos meses muitas iniciativas foram tomadas contra a radicalização, mas é necessário também mais repressão», admitiu o primeiro-ministro belga, Charles Michel.

E poderia ter sido evitado este massacre? Consegue-se reconhecer o mal quando o vemos em plena rua?Pelo menos um cidadão francês reconheceu-o quando deu de caras com ele. Ou melhor, com eles. Estacionaram (mal) mesmo em frente à mesa do café onde se encontrava, a 3 minutos do Bataclan. Ele viu os quatro terroristas que atacaram a sala de espetáculos, onde foram massacradas 89 pessoas, duas horas antes do drama. «Pareciam mortos-vivos», diz aquele a quemLe Figaro chama de Christophe, por razões de segurança.«Fui até ao carro dizer-lhes que estavam mal estacionados. Não abriram a janela e olharam-me maldosamente. Pareciam drogados». Pouco depois, começaram o massacre. E três horas depois nenhum deles estava vivo. Nem outros três que também participaram na operação. Fizeram-se explodir ou foram mortos pela polícia. Um deles, segundo o New York Times, tem ascendência portuguesa. Ismael Omar Mostefai, de 29 anos, terrorista francês identificado como um dos responsáveis do ataque à casa de espetáculos Bataclan, em Paris, é filho de mãe portuguesa e pai argelino. Só o oitavo dos implicados está em fuga. Todos (ou quase) tinham nacionalidade francesa. E a polícia belga já deteve sete pessoas. Entretanto, já se sabia que um homem e uma mulher de nacionalidade portuguesa morreram no atentado. O Governo nega para já uma terceira vítima.

Por detrás de tudo está o Daesh, o autoproclamado Estado islâmico. E não há dúvida que declarou guerra aos Estados ocidentais. O presidente francês, François Hollande, entendeu isso mesmo – foi «um ato de guerra», disse – e mandou retaliar. Ontem mesmo, ao final da tarde, Paris assumiu que a sua força aérea tinha atacado a cidade de Raqqa, um feudo do Daesh, destruindo um posto de comando e um campo de treinos.Tanto quanto se sabenão houve vítimas civis. Entretanto, Hollande fez saber que quer prolongar o estado de emergência por três meses, o que exige uma lei especial a ser aprovada pelo parlamento.

Se quer compreender mesmo tudo o que está em jogo então recomendo-lhe análise que o diretor do Expresso, Ricardo Costa, faz sobre o tema, que intitula «Rushdie, Bombaim, Paris e nós». No Público não perca os textos de Jorge Almeida Fernandes«O medo e o resto», e de Carlos Gaspar, «O regresso da barbárie». No Diário de Notícias procure o editorial de André Macedo«A Europa não pode cair», e as colunas de Viriato Soromenho Marques«Os ingredientes do mal», e de Bernardo Pires de Lima«Made in ISIS».

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OUTRAS NOTÍCIAS
Com tudo isto, quase que nos esquecemos que vivemos uma enorme indefinição política em Portugal, que está a conduzir o país para uma perigosa radicalização. Não obstante, o Presidente da República entendeu manter uma visita oficial à Madeira para, segundo o Diário Económico, «mostrar como uma região de dimensões reduzidas e com uma situação geográfica ultra periférica tem conseguido diversificar a sua economia» - o que as estatísticas desmentem, mas se o Presidente o diz…

Ficam pois as hostes da coligação PSD/CDS e da maioria parlamentar PS/BE/PCP a aguardar que Sua Excelência regresse da Madeira, o que só acontecerá na quarta-feira. Até lá, a coligação dramatiza o discurso para efeitos externos e internos, José Ribeiro e Castro, antigo presidente do CDS, diz que «O Presidente não tem alternativa que não seja aceitar António Costa» e o capitão de Abril, Vasco Lourenço, sugere mesmouma alteração constitucional para destituir o Presidente da República. Por sua vez, António Sampaio da Nóvoa, um dos candidatos à Presidência da República, sustenta que uma das hipóteses que se perfila no horizonte, um governo de gestão, é inconstitucional. «Não podemos prolongar momentos de transição, que devem ser curtos e excecionais. É preciso dar posse a um Governo de maioria parlamentar», disse. Outro candidato, Marcelo Rebelo de Sousa, diz que quer «um Governo que governe, rapidamente, porque há muita coisa parada»,mas não esclarece se esse Governo deve ser PSD/CDS ou PS.

Entretanto, do lado da equipa económica do PS vêm sucessivos sinais de moderação. Primeiro, a não deterioração do rating da República por parte da agência canadiana DRBS teve o dedo do homem que liderou a preparação do programa económico dos socialistas.Segundo o insuspeito Observador, a DRBS confirmou que nos últimos dias falou ao telefone com Mário Centeno e que este lhe «garantiu o compromisso com os acordos europeus» em matéria de consolidação orçamental. Isso foi «muito importante»para a decisão anunciada na sexta-feira, de manter o rating e o outlook estável. Alguns analistas admitiam um corte do outlook para negativo, tendo em conta a incerteza política.

Agora é a vez de Manuel Caldeira Cabral, apontado para a pasta da Economia, vir dizer que um salário mínimo de 530 euros é possível, mas não a 1 de janeiro de 2016. Recusa igualmente um aumento imediato para 600 euros, como pretendem PCP e CGTP, pelo efeito negativo que teria sobre alguns sectores.

Entretanto, num tribunal nos arredores de Luanda,arranca hoje o julgamento dos 17 ativistas angolanos, acusados de planearem um golpe de Estado para derrotar o Presidente José Eduardo dos Santos.Uma das peças da acusação, a que a defesa diz não ter tido acesso, é uma suposta lista que estaria no Facebook com os nomes de pessoas que ocupariam posições importantes no aparelho de Estado angolano após a deposição do Presidente. Luaty Beirão, que realizou uma greve de fome de 36 dias, seria procurador geral da República. O executivo teria como Presidente da República interino José Kalupeteka, líder de um grupo milenarista dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Por cá, Ricardo Aráujo Pereira, Gisela João e Júlio Pomar fazem a leitura pública no Teatro são Luiz, em Lisboa, do livro de Gene Sharp, «Da Ditadura à Democracia: uma abordagem conceptual para a libertação, sobre estratégias de luta contra ditaduras», que levou estes jovens à prisão.

Fico-me por aqui. Deve haver inúmeras coisas importantes a passar-se no planeta. Mas quando temos um ataque brutal ao coração dos valores que partilhamos, quando vivemos uma mudança histórica no nosso sistema político e quando jovens são acusados por lerem um livro tudo o resto passa a ser secundário.

FRASES
«Nunca pensas que te vai acontecer a ti. Era apenas uma sexta-feira à noite num concerto de rock». Isobel Bowdery, 22 anos, que sobreviveu ao massacre do Bataclan, fingindo-se de morta, Público.

«Os que cometeram os atentados são precisamente aqueles de quem os refugiados fogem». Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, jornal i.

«Temos vindo a dizer que existem enormes riscos de segurança relacionados com a emigração. Espero que agora alguns abram os olhos». Roberto Fico, primeiro-ministro eslovaco, jornal i.

«É essencial que a França recupere o controlo das suas fronteiras». Marine Le Pen, presidente da Frente Nacional, que quer banir as organizações islâmicas e expulsar os estrangeiros «que apelam ao ódio», jornal i.

«Só acordamos quando as mortes são no nosso mundo, mas todos os dias há mortes». Francisco Seixas da Costa, antigo embaixador de Portugal em Paris, Diário de Notícias.

«À guerra só pode responder-se com a guerra. Para destruição militar do inimigo, sua subjugação e derrota total, erradicação da ameaça e eliminação do perigo».José Ribeiro e Castro, ex-líder do CDS, Diário de Notícias

O QUE VOLTEI A LER E A OUVIR
A tragédia na capital francesa fez-me voltar a um livro que li há muitos anos, «Paris já está a arder?», de Dominique Lapierre e Larry Collins, lançado em 1964. Desesperado com o avanço das tropas aliadas e da resistência francesa que já combatia a ocupação alemã rua a rua, Hitler deu ordens expressas e pessoais ao novo comandante germânico da região metropolitana de Paris, o general Von Choltitz, para defender a cidade com todos os recursos, tendo carta branca para tal, ou destruí-la por completo antes da retirada. Apesar de terem sido colocadas cargas explosivas em diversas pontes e monumentos históricos, Choltitz rendeu-se sem cumprir as ordens do Führer. Este, que se encontrava no seu bunker em Berlim, perante a ausência de notícias de Paris, terá berrado para um dos seu colaborares mais próximos, o general Jodl, a frase que deu título ao livro (e posteriormente a um filme): «Paris já está a arder?»

Agora que Paris volta a estar ocupada pelo terror e por uma guerra
 insidiosa, traiçoeira, vil, vale a pena regressar ao «best-seller» de Lapierre e Collins e ter esperança que a França não se renderá, que o Ocidente não se renderá e que os nossos valores, os valores da democracia, do respeito pelas diferenças mas também do cumprimento de regras que são património comum da nossa civilização conduzirão à derrota da barbárie, da crueldade e do obscurantismo. E finalmente nesse tempo, se ele alguma vez chegar, mesmo que demore anos, décadas, séculos, todos os dias serão então bons dias.

Voltei também ao armário onde estão os CD’s para ouvir de novo Serge Regiani e «Os lobos entraram em Paris»: «(…) Os lobos os lobos ououh! ououououh! / os lobos invadiram Paris / Seja por Issy, seja por Ivry / Os lobos invadiram Paris / Pára de rir, encantadora Elvira / Os lobos invadiram Paris». Mas a canção termina bem: «os lobos saíram de Paris / seja por Issy, seja por Ivry / Eu amo o teu riso, encantadora Elvira / os lobos saíram de Paris».

E pronto. Tenha o dia possível. Amanhã está cá a servir-lhe o Expresso Curto a Cristina Peres, que conhece profundamente a realidade europeia e que lhe dará um retrato do que se está a passar na Europa bem mais cirúrgico que o meu.
 
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