Tinha prometido, mas não vou cumprir. A actualidade continua a ser demasiado dominada pela prisão preventiva de José Sócrates para que outros temas possam ocupar o Maroscópio. Mas vou procurar um ângulo diferente: o dos desafios que este caso coloca ao Partido Socialista. Até porque a ida de Mário Soares a Évora, para visitar o antigo primeiro-ministro, e as declarações que fez à saída –
"Todo o PS está contra esta bandalheira" – colocaram sob pressão a linha de grande serenidade que António Costa tem vindo a impor ao partido. Mesmo considerando que
os jornalistas foram cruéis na forma como pressionaram o antigo Presidente da República, aquilo que ele disse veio de dentro, sem dissimulações, para o melhor e para o pior.
Antes de ir a vários textos que discutem o caminho a seguir pelo PS, deixem-me começar por vos referir um em que se critica a posição que tanto o PS como o PSD têm vindo a assumir publicamente. É o de
João Cardoso Rosas, professor de ciência política da Universidade do Minho, apoiante de Seguro nas recentes primárias. Ele defende que as declarações no sentido de se dever separar a justiça da política “
são enganadoras porque não visam respeitar a independência da justiça, mas antes proteger os agentes políticos”. Isto porque têm “
medo das consequências para os seus.” Vai mesmo mais longe e escreve que essas declarações “
são também perversas porque visam esconder que os crimes de corrupção em causa”.
Opinião radicalmente diferente é a de
Luís Rosa, director do jornal I, para quem o “
o secretário-geral do PS mostrou que aprendeu com os erros do caso Casa Pia e revelou um sentido de Estado que teve a adesão da generalidade dos seus camaradas de partido – inclusive dos chamados socráticos.” Porém, como Costa sabe que pode ser prejudicado aos olhos dos eleitores com este caso, a sugestão que lhe deixa é “
que se afaste de Sócrates”:
Não deixa contudo de ser uma oportunidade de eliminar o socratismo como tendência e impedir qualquer condicionamento futuro do ex-líder socialista. Não ter socráticos na direcção nacional do PS, como o i noticiou ontem, é um primeiro passo nesse sentido. O que António José Seguro não conseguiu passou a ser um objectivo de António Costa. Helena Matos segue por caminhos muito semelhantes no texto que escreveu aqui no Observador, “
E daí?”. Eis uma das passagens desse artigo:
A vantagem (alguma havia de existir) que a actual situação traz a António Costa é que tem aqui o motivo mais que suficiente não para apagar pessoas das fotografias, mas para as tirar da sua equipa, que em boa verdade é quase uma equipa de Sócrates sem Sócrates. Já o escrevi e repito: partindo do princípio de que Costa quer ganhar as próximas legislativas, Ferro Rodrigues foi uma péssima escolha para líder parlamentar. O editorial do Diário de Notícias também discute o futuro do PS. Em “
O dia depois”, André Macedo nota que
“para quem observa de fora, é fácil exigir esta linha política (contenção) imposta por António Costa.
Difícil é concretizá-la num ambiente palavroso e com interesses divergentes, como acontece nos partidos.” Dificuldades que antevia de forma precisa e premonitória: “
As visitas à prisão de Évora, normais e até pessoalmente corajosas, podem transformar-se em comícios capazes de acender o rastilho.” Mas António Costa não terá apenas de lidar com as visitas à prisão de Évora – terá também de enfrentar a desconfiança de muitos sectores da opinião pública. É isso que lembra
Bruno Faria Lopesno Diário Económico: “
Não chega a António Costa dizer que o PS é uma coisa e Sócrates outra. A suspeita de corrupção (quem terá corrompido?) leva-nos a duvidar das decisões tomadas na era Sócrates. Leva-nos a questionar, no mínimo, a capacidade de julgamento de algumas pessoas que rodeavam Sócrates e que rodeiam agora Costa.”
Ou seja, regressamos ao tema das escolhas que o novo líder do PS terá de fazer para formar a sua direcção política. Por exemplo: que papel reservará a Ferro Rodrigues, um líder parlamentar que tem feito questão de defender, ou de simplesmente evocar, José Sócrates?
Camilo Lourenço já notou que “
é esta colagem, que se Costa não encorajou pelo menos não hostilizou, que pesa agora como chumbo sobre os ombros do secretário-geral.” No mesmo jornal,
Nuno Carregueiro parece ter uma visão bem diferente, ao defender que “
afirmar hoje que o "caso Sócrates" vai custar a vitória nas legislativas a António Costa é tão absurdo como nesta altura dizer que foi a falta de supervisão que levou ao colapso do BES.” Destaque final para dois textos que regressam ao tema de saber o que é importante neste caso: se o circunstancialismo da investigação judicial, se aquilo que está a ser investigado. O tema também esteve presente em três dos textos que já citámos (os de
Helena Matos,
Luís Rosa e
Bruno Faria Lopes), mas é absolutamente central na crónica de David Dinis aqui no Observador, intitulada “
Não ser mais suspeito do que o suspeito”. Nela o autor faz um exercício muito simples: pega num grupo alargado de citações de Clara Ferreira Alves e de Miguel Sousa Tavares, retiradas de um debate realizado na SIC Notícias, e acrescenta pequeníssimos comentários. Para concluir: “
Num mundo ideal, as imagens de Sócrates a sair do aeroporto não tinham acontecido. Mas num mundo ideal, quem está a investigar casos destes não deve ser mais suspeito do que o suspeito. É só isto.” Num outro texto, também editado aqui no Observador, Maria João Marques considera que há um conjunto de comentadores para quem
“pode ruir tudo menos a imagem de José Sócrates”. Na sua opinião aquilo que é realmente “
radioativo para a Justiça” não são algumas eventuais dúvidas processuais, mas pessoas como “
Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento – os dois responsáveis pela supressão das escutas a José Sócrates que um juiz considerou poderem configurar um crime de atentado ao estado de direito – indo alegremente à apresentação do livro daquele que beneficiou das suas atuações, sem qualquer pudor ou, sequer, preocupação com a necessidade de protegerem a reputação profissional.”
Espero ter-vos dado, de novo, mais uma variedade de pontos de vista. Volto amanhã, agora sem prometer nada sobre eventuais temas.
Bom descanso e boas leituras.