A biografia ‘Mário Soares – Uma Vida’, obra de Joaquim Vieira editada pela Esfera dos Livros, não é autorizada, mas uma página de entre as 762 (excluindo índices e anexos) será decerto mais desautorizada do que as outras.
“Isso lixa o livro.” Foi com indignação que Mário Soares reagiu quando Vieira, a quem deu respostas cândidas sobre outros temas potencialmente embaraçosos, o confrontou com a informação, obtida junto de “uma fonte envolvida no processo, sob condição de anonimato”, de que o então Presidente da República chantageou Jorge Sampaio, encarregando o sobrinho Alfredo Barroso de lhe comunicar que só seriam desbloqueadas verbas para os “depauperados cofres” do Largo do Rato se aceitasse ter João Soares como número dois na Câmara de Lisboa e “o substituto nas suas ausências”.
Quando Vieira procurou confirmar o relato junto dos intervenientes, Barroso recusou comentar, João Soares rejeitou intervenções paternas na carreira política, e Sampaio não se lembrou de quaisquer negociações – garantindo que a campanha “foi financiada por angariações partidárias”.
Mais sanguínea foi a reação do biografado: “Alguém pode imaginar, com uma mente sã, que eu, como Presidente da República, obrigado constitucionalmente a um dever de isenção, me empenhasse a angariar ou canalizar dinheiros para o PS?”
Sendo a relação de Soares com o dinheiro um dos temas desta biografia, não é o único foco de polémica no relato de vida daquele a quem a própria Maria Barroso descreve como “um menino a quem a vida satisfez todos os caprichos”. Além das lutas de quem combateu o Estado Novo, cortou com o PCP, foi preso e desterrado, enfrentou o antigo professor Álvaro Cunhal no PREC e descobriu novos inimigos, como Eanes ou Cavaco, ‘Mário Soares – Uma Vida’ não hesita em mostrar a faceta mimada típica de filho único (apesar de ter dois meios-irmãos), adepto do lusitano desenrascanço e obcecado pelo sexo feminino desde muito cedo, desferindo “facadas no matrimónio” que esfriaram a relação com a mãe dos seus dois filhos. Baseada em alguém que se considera “maior do que a vida”, a biografia de Joaquim Vieira expõe os defeitos de um homem comum.
VIDA FAMILIAR
Nasceu a 7 de dezembro de 1924, filho do pedagogo João Soares e de Elsa Nobre, dona de uma pensão no Chiado.
“Ter um pai ex-padre, ao princípio, fez-me uma grande impressão.” […]
“Curei-me [da asma], passaram os anos, mas a minha mãe, por uma razão ou outra, não cumpria a promessa. Até que, um belo dia, resolveu cumpri–la. E lá fomos os dois a Fátima, eu já adolescente, com uma vela da minha altura. Achei-me ridículo.”
TRATAMENTO ESPECIAL
Contou com a ajuda familiar e o seu engenho nas situações complicadas.
“Achava muito importante que um militante político fizesse o serviço militar. Mas o meu pai temia que eu fosse mandado para um batalhão disciplinar. Arranjou as coisas para que ficasse livre. Como o meu irmão, na época, era médico militar, não foi muito difícil.” […]
“Com o pretexto de que eu estava com asma e não podia tomar banho frio, o médico [da prisão de Caxias] aceitou que eu tomasse banho quente. (…) Eu punha-me completamente nu dentro do alguidar, com a malta toda a ver, e o guarda prisional regava-me com um regador.”
ATRAÍDO E EXPULSO DO PCP
Influenciado por Cunhal, tornou-se o camarada ‘Fontes’, sem passar à clandestinidade.
“Foi com efeito o PCP que acabou por tomar a iniciativa do rompimento já em outubro de 1950, anunciando que (…) fora expulso por ter ‘sabotado’ reuniões do organismo, por ‘indisciplina’, por ‘derrotismo’ e, insolitamente, por apropriação de ‘bens do partido’. […]
“Chegaram, por ordem do partido, a exercer pressões junto da minha mulher para que ela se separasse de mim.”
ELOGIO DE MARCELO CAETANO
Depois do curso de Histórico-Filosóficas, entra para a Faculdade de Direito de Lisboa.
“Põe-me a mão no ombro e diz: ‘Se estudasse um bocadinho mais, podia chegar a professor desta casa, mas claro que tem de se deixar dessas veleidades políticas.”
PRISÃO E EXÍLIO
A militância contra o Estado Novo valeu-lhe 12 detenções e vários períodos de exílio.
“Quando entrei no Aljube, não experimentava a sensação exultante do homem que cumpre o seu dever e que está sendo vítima de uma injustiça, em breve reparada. Tinha, antes, a impressão incómoda de que estava a fazer um sacrifício que pouca gente entendia.” […]
“O doutor Salazar está farto de que ande a brincar com ele. Acabou a brincadeira, injuriou-o na sua moral, isso é que ele não admite [palavras do subdiretor da PIDE José Sacchetti, na sequência do caso Ballet Rose]”.
“Eu nem sabia ao certo onde estava São Tomé no mapa.”
QUEIXAS DE ESPOSA E MÃE
As cartas de Maria Barroso mostram que toda a família sofreu com tantas ausências.
“Quando vieres, terás de falar mais vezes com o João: que tem realmente excelentes qualidades de caráter, mas que tem um feitio péssimo. (…) Tu és muito bom rapaz mas não intervéns suficientemente na vida dos teus filhos.” […]
“Nem uma linha recebo! Não tens tempo? Ou eu é que já estou trocada?” [cartas de Maria Barroso para Mário Soares].
REENCONTRO COM DELGADO
Participara sem entusiasmo na campanha presidencial de 1958. Voltou a ver Humberto Delgado em Praga.
“Quando entrei no quarto do hospital e o vi deitado na cama, pensei que estava diante de um moribundo! (…) Considerava que, dentro em breve, pelo menos foi o que ele me disse, voltaria a Portugal para matar Salazar!” […]
MULHERES NA SUA VIDA
Ao longo da vida, deu provas de não ser crente na monogamia.
“Levanta-se o 28 de setembro e eu (…) abri uma gaveta dele, peguei nuns envelopes, meti neles tudo o que estava lá dentro e mandei-os para casa dele. (…) ‘O problema é que algumas dessas cartas eram de uma fotógrafa com quem Soares andou em Paris antes do 25 de Abril’, narrará quem lhe estava próximo. Ao receber o correio, Maria Barroso resolveu abri-lo.” [depoimento de Bernardino Gomes e de um companheiro de exílio, sob condição de anonimato]. […]
“Mário Soares sempre foi uma pessoa de dar facadas no matrimónio. E o Palma Inácio sempre serviu de desculpa. Quando Soares saía com ele, já se sabia – era o álibi. O Palma, que estava habituado a fazer esperas, esperava depois por ele no carro.” [depoimento de um companheiro de exílio, sob condição de anonimato].
REGRESSO A PORTUGAL
A Revolução dos Cravos permite-lhe voltar de Paris. E exponencia o seu prestígio.
“Tinha, quando muito, a ambição de poder vir a ser um deputado do PS, mas na oposição. (…) Surpreendi-me muitíssimo quando cheguei a Lisboa e fiz o primeiro discurso às massas, na varanda de Santa Apolónia. (…) Jamais pensava ter aí o meu primeiro banho de multidão.” […]
“Percebi o cenário: Cunhal entre um soldado e um marinheiro, em cima de um tanque, era algo que lembrava Lenine.”
CHEGADA AO PODER
Antes das vitórias do PS, é ministro dos Negócios Estrangeiros em governos provisórios.
“Cavalguei a questão africana e comecei a correr à desfilada para ser eu a resolvê-la, na convicção de que poderia solucioná-la melhor do que os outros ou, pelo menos, com menos estragos para o país. Não foi o caso, infelizmente. Reconheço-o.” […]
ÓDIO POR RAMALHO EANES
Nem Cavaco Silva conseguiu causar-lhe tão má impressão.
“Quando não gosto, não gosto. E portanto eu disse de repente [virado para o espelho enquanto fazia a barba]: ‘O que é que eu estou a fazer? Como é que vou apoiar este cabrão?’ Vomitei o Eanes?” […]
LIGAÇÕES PERIGOSAS
Arranjar financiamento para o partido era prioritário, porém não gostava de falar de dinheiro.
“O Carlucci auxiliou-nos por via dos sindicatos americanos (…), que os comunistas odiavam, não sei porquê.” […]
“Se me vier um gajo qualquer, por aquela porta ou por outra porta qualquer, falar-me de coisas de dinheiro, eu mando-o logo à merda. É a minha maneira de ser.” […]
NEGÓCIOS DE MACAU
A vontade de criar um grupo de comunicação social ‘soarista’.
“Não tinha de se meter nisso, e essa é uma das críticas que lhe podem fazer. Beneficiou do seu prestígio pessoal e presidencial para pôr aquela gente [Emaudio] em contacto com os manda-chuvas do capital financeiro ligados à comunicação social” [palavras de Alfredo Barroso].
“Mário Soares teve conhecimento prévio do fax de Macau [em que a Weidleplan exigia a devolução de 50 mil contos]. Era uma situação complicada, punha problemas ao PS – ele tinha de ter conhecimento. Mas não tem culpas nisso” [palavras de Almeida Santos].
CORTE COM ZENHA E ALEGRE
Duas candidaturas presidenciais custaram-lhe o afastamento dos dois maiores amigos que fez na política.
“Pensei que tinha ganho todos os debates [das presidenciais de 1986] menos o que tive com o Zenha, porque ele deu-me um murro no estômago, que nunca esperava de um tipo que era meu irmão.” […]
“Não me sinto bem a dizer mal de um gajo de quem fui amigo durante 40 anos. Nunca mais vou ter uma relação específica com o Alegre.”
Fonte: CMJornal
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