terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

EL VENTANO - 23 DE FEVEREIRO DE 2016

Sánchez y Rivera, en el reino de fantasía

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En el reino de Pedro Sánchez se puede negociar en una estancia la subida de los impuestos y en la contigua la bajada de los impuestos. Se puede pactar a la izquierda y a la derecha. Se pueden querer a dos mujeres a la vez y no estar loco(Lucía Méndez)

Pedro Sánchez y Albert Rivera son dos líderes políticos con mutua empatía y con ganas de comerse el mundo. Pero tienen 90 y 40 escaños, respectivamente. La suma, por desgracia, no les da para comerse el mundo. Ni siquiera para gobernar España. Tampoco para echar a andar la legislatura, por muy voluntariosos que sean, que lo son.
Los líderes del PSOE y Ciudadanos han construido un mundo de fantasía a su alrededor en el que todo es posible. La aritmética parlamentaria tiene, sin embargo, unas reglas algo más rígidas contra las que se estrella cualquier fantasía por hermosa que sea. Al arrullo de sus equipos de negociación, de las cámaras de televisión, de los flashes de los fotógrafos y del encargo real, ambos alimentan el suspense de la cuenta atrás de un acuerdo que no les servirá para nada porque no tienen la mayoría suficiente para aplicarlo.
El pacto Sánchez-Rivera puede ser precioso, perfecto, regenerador, reformista, impecable y necesario. Lo podrán plasmar en letras de oro o lo podrán poner en un marco en la pared del despacho. Pero será un brindis al sol. El acuerdo con Rivera no hará a Sanchez presidente, salvo en el reino de la fantasía. O convence a Podemos o no hay nada que hacer. El líder socialista saldrá del Congreso el día 5 igual que entró.
Sánchez ha anunciado que firmará con Rivera “un pacto de legislatura”. Podemos y Ciudadanos pueden firmar un pacto político, un acuerdo programático, pueden unir su suerte ante un notario o irse juntos a la misma sede. Lo que no pueden es firmar un pacto de legislatura porque no tienen los votos para poner en marcha la legislatura. Tampoco pueden llegar a un acuerdo de Gobierno porque los 130 escaños no les llegan para gobernar.
Las cinco reformas de la Constitución que ha pedido Rivera para llegar a su pacto político con Sánchez están muy puestas en razón. Fuera aforados, limitación de mandatos, supresión de las Diputaciones, reforma del Senado. Millones de españoles las comparten. Pero, ay, para hacerlas realidad necesitan los votos del PP. Mientras no los consigan, estas reformas no pasarán de ser una bonita declaración de intenciones. Propuestas de un programa electoral que no tiene votos para ser aplicado.
En el reino de Pedro Sánchez se puede negociar en una estancia la subida de los impuestos y en la contigua la bajada de los impuestos. Se puede pactar a la izquierda y a la derecha. Se pueden querer a dos mujeres a la vez y no estar loco. Se puede gobernar con 90 escaños y hasta es posible que el presidente del Congreso se equivoque en el cálculo legal de las fechas para la investidura.
Patxi López ha tenido un tropiezo grave en una competencia constitucional decisiva: el debate de investidura del candidato a presidente del Gobierno. El error de López parece increíble teniendo en cuenta que la Cámara dispone de letrados sumamente competentes que podían haber asesorado al nuevo presidente en sus dudas legales.
En el reino de Sánchez y Rivera, el debate de investidura puede ser en diferido, como ha dicho Íñigo Errejón. López y Ciudadanos le han concedido al aspirante a La Moncloa toda la tarde parlamentaria del lunes solo para él. La Historia parlamentaria, a la basura.
Hasta ahora los candidatos a presidentes y los presidentes en los debates del estado de la Nación hablaban un día por la mañana y los portavoces le respondían por la tarde. Según las normas del reino de Sánchez y Rivera, los portavoces responderán al candidato al día siguiente por la mañana. Sin ambiente previo. Con el hemiciclo frío. Será un debate interruptus.

PEDRO CHAGAS FREITAS - "JÁ FUI QUASE MILIONÁRIO" - 23 DE FEVEREIRO DE 2016

Graça Amorim partilhou a foto de Pedro Chagas Freitas.
13 min
Pedro Chagas Freitas
Já fui quase milionário, sabes?,
tinha a tua avó,  a mulher mais bonita do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só a levou por ciúmes?,
a nossa casa, uma vida inteira pela frente, tantos sonhos,
acreditava que um dia chegaria à Lua, vê lá tu, e não estive longe, se queres que te diga, mas amanhã conto-te essa história, hoje não,
trabalhava na repartição de finanças e as pessoas precisavam de mim, batiam-me à porta, pediam-me para trazer o impresso do IRS, o documento tal de tal, eu às vezes trazia, outras não, nunca pisei o risco, a não ser ao volante, confesso, cheguei a dar 120 na recta da bomba da gasolina com o meu Mini, não digas ao teu pai, que eu dei-lhe cabo da cabeça para ele andar devagar, é o nosso segredo, está bem?, cruza aí os dedos comigo, vá,
depois nasceu o Afonso, um mocetão lindo, o meu menino, quando o pus no meio dos braços acreditei na vida eterna, vê lá tu, pensei que algo assim não podia acabar, e se calhar não acabou, o que está à volta é que mudou,
cinquenta anos a trabalhar, nunca falhei um horário, era o primeiro a chegar e o último a sair, se com estas coisas da informática conseguires investigar vais ver que faltei duas vezes em cinquenta anos, uma porque tive um acidente de carro, nada de especial, um toquezito, outra porque me esqueci de mudar para a hora de Verão e depois tive vergonha de chegar atrasado,
onde é que está a vergonha nos dias de hoje?, ganhámos tanto, telemóveis, internet, e perdemos a vergonha, quem é que ficou a ganhar?,
o meu pai morreu-me,
a morte entra-nos nos olhos como um pó invisível, podes perceber já isso, uma pessoa tem outra e depois não tem, o drama da vida é haver vidas instaladas na nossa, somos uma junção de vários pedaços e perder alguém é como uma amputação, já te imaginaste sem uma mão de repente?, dói mais do que ficares de repente sem o Chocapic, só para teres uma ideia,
e nem assim deixei de ir trabalhar, enterrei o meu pai e regressei às finanças, acreditava na riqueza de servir, na competência, fui um profissional exemplar, um chefe de família exemplar,
quando nasceu o teu pai senti-me um rei, e não é assim que todos os pais se devem sentir?,
e esta casa cheia de vida, os sons, os cheiros,
a tua avó era a melhor cozinheira do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só a levou para comer bem?,
vês esta cómoda aí ao teu lado?, comprei-a de surpresa, tinha acabado de receber o subsídio de férias e quis ser feliz,
ainda quero, sabes?, o pior de tudo é que nunca deixamos de querer ser felizes e falta-nos cada vez mais, mas não vou dizer coisas tristes, para triste já basta a cara da tua professora, raios partam a mulher, que nunca se ri, não é?, vê lá se não contas isto ao teu pai, sim?, agora há aquela coisa da pedagogia e diz que não se pode dizer coisas destas, sabem lá eles o que é educar uma criança?,
o teu pai foi ensinado por mim e olha o homem que se fez, balelas mais a pedagogia, o importante é amar, e eu amo-te muito, Dioguinho, mete lá mais uma colherzinha à boca, que já conto mais coisas, sim?,
e então trouxe a cómoda e toda a casa estava cheia e ficou feliz comigo, o Afonso e o teu pai ajudaram-me a montar, foram três horas tão boas,
a vida no fundo pode não ser mais do que três horas tão boas, aproveita-as sempre que puderes, prometes?,
tudo isto para te dizer que já fui quase milionário, basta uma casa cheia para nada nos faltar, e um milionário é isso mesmo,
um milionário é alguém que tem tudo o que quer, não é?,
eu tinha, quando fecho os olhos ainda tenho, mas às vezes temos mesmo de os abrir, como agora,  o meu emprego, a minha mulher, a melhor esposa do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só a levou para ter com quem casar?,
chegou o teu pai, logo agora que te ia falar do que veio depois de ser quase milionário, já vais, há uma reunião qualquer e ele tem de ir, eu compreendo, mas custa muito, não lhe digas, tem uma reunião às sete e ainda te vai deixar na casa de um amigo qualquer pelo caminho,
nunca o deixei com ninguém, levei-o tantas vezes comigo para a repartição e ele adorava, mexia nos computadores, perguntava-me o que era o dinheiro e para que servia, isto só entre nós, mas gostava que ele agora tivesse essa mesma dúvida, talvez ficasse aqui mais tempo connosco, eu, tu e ele nesta mesa, a lareira acesa, era bom perguntar-lhe da vida, o que faz, o que sente, o que sonha,
não sei nada do que quer o teu pai, suspeito mesmo que não sei mesmo nada do que é o teu pai, passaram tantos anos desde que lhe disse pela última vez que o amo,
amo-te, meu filho, amas-me de volta?,
e já foi e tu já foste, a casa inteira, quieta, a cómoda com pó, até ela tem saudades de ti, minha princesa, minha rainha, onde foi que falhámos para terminarmos assim?, tu morta e eu sozinho, quem morreu primeiro afinal?,
cá vou andando, de vez em quando, tenho aqui o Dioguinho, viste-o sair agora?, está um homem, não está?, a Carlinha não vem há semanas, já está no terceiro ano, imagina só, mas não há tempo, dizem-me, e eu acredito, tenho de acreditar para continuar, tu sabes,
eras a melhor pessoa do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só te levou para ser uma criatura melhor?,
já fui quase milionário e o tempo foi-me tirando tudo, primeiro tu,
amo-te, minha senhora, amas-me de volta?,
depois os filhos, o tempo deles, pelo menos, depois reformaram-me e mataram-me um pouco, e vê lá tu que agora me tiraram uns quantos euros no final do mês, não sei se vou conseguir pagar os medicamentos,
nunca chegaste a velha, que sorte, a vida não se mede em dias, sei agora, a vida mede-se em farmácias,
há um governo que quer baixar o défice,
nem queiras saber o que é isso, que eu também não, consiste basicamente em tirar dos pobres para dar aos ricos, isto digo eu, que não percebo nada e sou só um reaccionário, gente ruim não muda, não é?,
e então para baixar o tal do défice vão tirando o que me restava, não quero pedir dinheiro ao Afonso nem ao Carlos, Deus me livre, que eu tenho dignidade, cá me vou arranjando como puder, se não der para comer bife, como sopa, como ouvi uma senhora dizer no outro dia na televisão, eu até nem gosto muito de bife, só se fosse o teu, claro,
já fui quase milionário e agora sou quase morto, dói muito mas aguenta-se,
assustam-me sobretudo os segredos da escuridão, e por isso saio para o fim do silêncio,
na rua há barulho suficiente para chorar sem que ninguém note, vens comigo?,
és a melhor companheira do mundo, ninguém tenha dúvidas disso, já te disse que tenho a certeza de que Deus só te levou para ter com quem passear?
_________________
in "Prometo falhar"
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António Fonseca

EXPRESSO DIÁRIO - 23 DE FEVEREIRO DE 2016


Vice-PR de Angola a braços com a Justiça portuguesa. Orçamento de janeiro deu (bem) pró tabaco

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com
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23 FEV 2016
José Cardoso
POR JOSÉ CARDOSO
Editor Adjunto
 
Vice-PR de Angola a braços com a Justiça portuguesa. Orçamento de janeiro deu (bem) pró tabaco
Boa tarde,

Orlando Figueira, um ex-Procurador do DCIAP, terá recebido 200 mil euros de uma empresa ligada à Sonangol no mesmo dia em que arquivou uma investigação sobre Manuel Vicente, atual vice-presidente de Angola, e as origens do dinheiro por este usado para comprar um apartamento no Estoril-Sol Residence. Vicente é suspeito de ser o corruptor ativo do magistrado. O Micael Pereira e o Rui Gustavo contam tudo sobre este caso, com que abrimos o Diário esta terça-feira.

Sobre o Orçamento do Estado para 2016, temos dois trabalhos.

No primeiro, a Ana Sofia Santos e a Joana Nunes Mateus antecipam as grandes linhas da apresentação – a fazer amanhã – da execução orçamental de janeiro. Que, pode dizer-se, deu (muito bem) pró tabaco: os números só serão conhecidos amanhã, mas o Expresso Diário pode dizer desde já que o imposto sobre o tabaco e a tributação de dividendos vão abrilhantar as contas do Governo Costa-Centeno.

No segundo, o Filipe Santos Costa relata como decorreu odebate de hoje no Parlamento sobre o Orçamento do Estado para 2016. E, não há dúvidas, é mesmo um orçamento à esquerda, a mais de um nível: foi aprovado pelo PS e partidos à sua esquerda, como se esperava; e no toma-lá-dá-cá da retórica política não faltaram as evocações de canções de Zeca Afonso, Sérgio Godinho e Jorge Palma. Fica a promessa de Mário Centeno de que não subirá IRS nem cortará salários nem pensões, se a geringonça das contas falhar e o Governo tiver de arranjar um plano B.

Num terceiro tema em destaque nesta edição, a Carolina Reis diz que a esquerda já tem acordo para lei da Procriação Medicamente Assistida. Mas as barrigas de aluguer ficam de fora. A última reunião está já agendada para 29 de março e depois disso vai ao Parlamento para aprovação.

“Fantasia num filme de terror” é o título que a Margarida Mota dá ao seu texto sobre o acordo de cessar-fogo para o conflito na Síria, que deixa de fora o Daesh. É suposto entrar em vigor no próximo sábado, mas… Como deixa de fora o Daesh e outros grupos jiadistas, a Rússia o aceitou- mas torce o nariz e no terreno é o que se (não) sabe, a cessação das hostilidades ameaça ser uma “Fantasia num filme de terror”

Na opinião, hoje, o Ricardo Costa disserta sobre a “Banca, o grande falhanço da troika”, o Henrique Monteiro pergunta: “Alargar a ADSE?” e diz que é “ Boa ideia… se a ideia for um seguro”, o Henrique Raposo escreve sobre “Scalia: literatura e liberdade” e o Daniel Oliveira propõe “O desmantelamento da União, em pequenos passos e a várias velocidades”.

Boas leituras e um bom resto de dia, seja ou não ao som de Zeca, Godinho ou Palma
LER O EXPRESSO DIÁRIO
PARLAMENTO
Vice-presidente de Angola é suspeito de corromper procurador português
€200.000 Magistrado do DCIAP terá recebido €200 mil de uma sociedade ligada à Sonangol no mesmo dia em que arquivou uma investigação sobre Manuel Vicente, atual vice-presidente de Angola, e as origens do dinheiro por este usado para comprar um apartamento no Estoril-Sol Residence
Tabaco e dividendos dão empurrão à receita fiscal em janeiro
CONTAS PÚBLICAS Números da execução orçamental de janeiro são conhecidos amanhã e o Expresso Diário antecipa que o Imposto sobre o Tabaco e tributação de dividendos vão abrilhantar as contas
DEBATE
OE: Godinho, Palma e Zeca foram o plano B quando faltou a retórica
PARLAMENTO Direita pressionou Governo para revelar o plano B exigido por Bruxelas. Centeno diz que não existe, mas que se existir não subirá IRS nem cortará salários nem pensões. O filme de um debate com fim anunciado – o OE passou à esquerda – e com banda sonora de intervenção
Esquerda já tem acordo para lei da PMA. E deixa barrigas de aluguer de fora
Esquerda já tem acordo para lei da PMA. E deixa barrigas de aluguer de fora
Ricardo Costa
Banca, o grande falhanço da troika
 
Daniel Oliveira
O desmantelamento da União, em pequenos passos e a várias velocidades
 
Henrique Monteiro
Alargar a ADSE? Boa ideia… se a ideia for um seguro
 
SÍRIA
Acordo de cessar-fogo deixa de fora o Daesh. Oposição teme que beneficie Bashar al-Assad
EUA
O derradeiro esforço de Obama para encerrar a prisão de Guantánamo
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OBSERVADOR - 23 DE FEVEREIRO DE 2016


Macroscópio – Do nosso Orçamento à eternidade de Shakespeare

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Imagino que a maioria dos leitores do Macroscópio não tenha tido oportunidade, nem paciência, para seguir os debates na Assembleia da República sobre o Orçamento de Estado. Por terem outras ocupações e, porventura, igualmente por fastio. Conhecidas as posições e os argumentos dos partidos, o registo foi mais vezes o de comícios cruzados do que de esclarecimento (pode confirmá-lo nos relatos que fizemos ao minuto, ontem e hoje). Não vou por isso focar-me hoje na análise do que se passou, nem sequer ficar apenas por referências ao debate orçamental, o qual ainda tem algum tempo pela frente, com o trabalho que terá de ser feito na especialidade. Fico-me apenas por três referências, e breves.
 
A primeira vai para a análise mais completa do OE 2016 que, num registo jornalístico, vi produzida pela imprensa portuguesa: o trabalho de Pedro Romano Que Orçamento é este? E no fim quem fica a ganhar? É um especial do Observador dividido em oito pontos – Ainda há vida para além do défice?; Virar a página da austeridade; Baralhar e dar de novo: para onde vão 2.000 milhões de euros?; Quanto mudou o Orçamento após Bruxelas?; O cenário macroeconómico é credível?; Afinal os impostos sobem ou não?; Quem ganha e quem perde? e O que resta do programa do PS. A análise é muito rigorosa e se nalguns pontos se procura colocar uma pedra sobre alguns debates excessivamente politizados – não, não se “vira a página da austeridade”, mas também não, não haverá mais carga fiscal –, noutros procura-se ir mais longe. Procurando saber, por exemplo, quem mais ganha e quem mais perde com a redistribuição do esforço orçamental. Eis uma síntese da conclusão desse ponto:
O Orçamento dedica claramente mais esforço financeiro à metade ‘de cima’ das famílias portuguesas. Isto acontece porque as medidas com maior peso se destinam a repor salários na função pública, onde a remuneração média é mais elevada do que no sector privado, e a aliviar a sobretaxa – que, por definição, só abrange quem paga IRS. As famílias com menos recursos recebem “apenas” 200 milhões de euros, à conta da actualização das pensões baixas e das mudanças no Rendimento Social de Inserção, Complemento Solidário para Idosos e Abono de Família. Mas a este valor há ainda que deduzir um corte em despesas de Acção Social, que não está ainda concretizado no Orçamento mas já foi prometido a Bruxelas.
 
Henrique Monteiro fez no Expresso algumas contas mais simples, até porque partiu do seu exemplo pessoal para ver o que tinha a ganhar ou a perder – e concluiu que, mesmo sendo casado com uma funcionária pública, colocando os números de ambos no calculador online desse jornal o ganho, ao fim de ano, será de cerca de 20 euros. Mas vejamos mais em detalhe as contas que faz em O ridículo fim da ‘austeridade’ (paywall): “O curioso neste Orçamento, segundo se percebe daquilo que é possível simular, é que os maiores beneficiários não são os mais pobres (esses, ainda que não paguem IRS, passam a pagar impostos nos combustíveis maiores e iguais aos ricos e não podem frequentar restaurantes por norma), mas sim os remunerados na camada média-alta. Um casal com 8000 euros mês não ganha nem perde nada. Se ganhar 4000 euros, terá, realmente, um aumento, mas apenas de 10 euros por mês. E se tiver 2000 euros de rendimentos ganha mais 15 euros por mês. Se for 1000 euros serão mais seis euros por mês. Os exemplos são para casados com dois titulares e um dependente. Agora, repare- se: se o vencimento do casal for 600 euros, o aumento ao fim do ano é de 14 euros – um euro por mês.”
 
A terceira referência vai para um documento da Comissão Europeia, mais precisamente a acta da reunião do Colégio de Comissários que deu luz verde ao orçamento português e que foi agora colocada online. A Lusa fez uma síntese que o Observadordesenvolveu, sendo que considero útil destacar a seguinte passagem, onde se reflecte a posição de alguns comissários (tradução livre para português): “Algumas dúvidas foram, contudo, expressadas acerca da exequibilidade dos esforços anunciados por Portugal e dos compromissos que foram feitos nos últimos dias. Em especial houve alguma deceção em torno do facto de que muitas reformas estruturais do governo anterior, que estavam a começar a produzir resultados, estavam a ser colocadas em causa. Alguns membros avisaram que o novo governo português estaria a colocar em perigo, de forma grave, a estabilidade económica a médio-longo prazo do país.”
 
O documento recorda que haverá nova avaliação em Abril, nessa altura já com alguns números da evolução da economia portuguesa, assim como da execução orçamental. Até lá muita água passará debaixo das pontes – tal como a que continua a passar quando pensamos no referendo sobre o Brexit, o tema do Macroscópio de ontem. Regresso a ele para acrescentar mais duas referências:
  • A primeira é um trabalho do Financial Times, com um título a evocar um famoso livro de Keynes: What are the economic consequences of Brexit? Trata-se de um trabalho típico daquele diário económico, algo que é assumido logo de entrada com vantagem de nos permitir perceber que se trata de uma aproximação ao debate realizada pelas lentes de economistas, sendo que estes “are generally wary of transitions, fearing that heightened uncertainty over Britain’s relationships with other countries will damage confidence and investment, at least for a few years if Britain were to leave the EU. They are also more likely than many politicians to play down the importance of sovereignty, maintaining there will be a trade-off between sovereignty and the best decision-making authority.”
  • A segunda referência é para o texto de Rui Ramos aqui no Observador, O referendo britânico tem a ver connosco. Nele o autor notou que “Desde o século XIX que a prosperidade na Europa foi tanto maior, quanto maior foi a livre circulação de pessoas, capitais e mercadorias. O problema que a UE recentemente inventou foi o de fazer depender a livre circulação de uma espécie de Estado europeu. A batalha de Cameron é para separar uma coisa e outra. Costuma dizer-se: a Europa tem de ser mais do que um grande mercado. A questão britânica é: a Europa tem de ser mais do que um grande Estado. Uma vitória de Cameron demonstrará essa possibilidade.”
 
Vou terminar por hoje com três textos que representam leituras um pouco mais desligadas da actualidade, mas ambos bem interessantes. O primeiro saiu na The Atlantic e chama-se What Made Ancient Athens a City of Genius?, onde se procura saber as razões por que “The tiny, dirty Greek city-state produced more brilliant minds—from Socrates to Aristotle—than any other place the world before or since.” É, reconhecerão, uma pergunta desafiante, e ainda mais se pensarmos na Atenas de hoje. Uma das respostas possíveis já tem alguns anos: “In 1944, an anthropologist named Alfred Kroeber theorized that culture, not genetics, explained genius clusters like Athens. He also theorized why these golden ages invariably fizzle. Every culture, he said, is like a chef in the kitchen. The more ingredients at her disposal (“cultural configurations” he called them), the greater the number of possible dishes she can whip up. Eventually, though, even the best-stocked kitchen runs dry. That is what happened to Athens. By the time of Socrates’s execution, in 399 B.C., the city’s cupboard was bare. Its “cultural configurations” had been exhausted; all it could do now was plagiarize itself.” (Este texto é um extracto do livro de Eric Weiner The Geography of Genius: A Search for the World's Most Creative Places, from Ancient Athens to Silicon Valley.)
 
Como devem saber, Umberto Eco morreu na passada sexta-feira e, dos muitos textos publicados, um pareceu-me mais original e desafiante: O umbigo do mundo de Umberto Eco era em Portugal, de Clara Silva, que saiu aqui no Observador onde se conta a relação do escritor com o Convento de Cristo, em Tomar: “Se eu conseguia imaginar um castelo templário, assim era Tomar”, acabaria por escrever Eco. Igualmente merecedor de referência é a peça de Bruno Vieira do Amaral, crítico literário e tradutor, O homem que inventou Dan Brown, também editada no Observador, de que destaco a seguinte passagem: “Ao dizer em diversas ocasiões (divertido, mas também chamando a atenção para os pontos de contacto entre O Pêndulo de Foucault e O Código Da Vinci) que tinha inventado Dan Brown estava a certificar a eficácia “factual” do seu livro, da ficção enquanto geradora de factos que, por sua vez, alteram a realidade. É essa a filosofia subjacente aos romances de Eco: se acreditamos numa mentira essa mentira não passa a ser verdade, mas passa a ser real, transforma-se em facto. E os factos podem ser estudados.”
 
Para fechar hoje com chave de ouro, um texto do grande Mario Vargas Llosa sobre esse gigante que foi Shakespeare. Saiu no El Pais, chama-se El gran teatro del mundo e procura mostrar, a propósito da passagem por Madrid de uma encenação de “Conto de Inverno” que “Todo está en Shakespeare, su época y la nuestra, lo que hay en ellas de idéntico y de diferente, la grandeza de la literatura y los milagros que el arte realiza en la vida de las gentes, así como la manera en que la vida de los humanos destila al mismo tiempo felicidad y desgracia, dolor y alegría, pasión, traición, heroísmo y vileza.”.
 
E por hoje é tudo. Tenham um bom descanso, resguardem-se do frio que aí vem, e reencontramo-nos amanhã.
 
 
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