MARCELO REBELO DE SOUSA
31 dias de agenda louca do “Presidente hiperativo”
Marcelo está há um mês em Belém. Parece mais? Não admira, o novo Presidente não sai de antena. Houve só cinco dias em que não se viu ou ouviu Marcelo. Depois das aparições dominicais, as diárias.
Não é que Marcelo Rebelo de Sousa não tenha avisado. “Vou ser um Presidente hiperativo”. A frase é do próprio, logo na pré-campanha eleitoral, numa entrevista à SIC Noticias. E assim foi. Trinta e um dias em Belém e apenas cinco em que não se viu o Presidente a falar, a cumprimentar, a receber, a abraçar (ou a distribuir afetos, como o próprio repete), a discursar, a ouvir, a revistar, a visitar, a comentar, a inaugurar, a analisar, a participar, a entregar prémios, a receber um cão, a condecorar, a dar posse e até a fazer versos em rap — veja um resumo de tudo isto no vídeo em cima.
Isto tudo todos os dias e, muitas vezes, muito disto num mesmo dia. Entre audiências em Belém e outros atos públicos, a agenda oficial do Presidente da República neste primeiro mês em funções contou com mais de 90 eventos registados. Nos últimos 15 anos, a presença mediática de Marcelo ocupava 52 domingos por ano, com os comentários televisivos (na TVI e na RTP), mas nestes últimos 31 dias essa aparição passou a ser diária. Escaparam cinco dias apenas, em que o novo chefe de Estado não teve absolutamente nada marcado — e, se teve agenda privada, ela não foi tornada pública.
É que nem sempre o que era privado assim se manteve, basta lembrar aquele domingo (logo depois dos dois dias de celebrações com a tomada de posse, em Lisboa e no Porto) em que não se ouviu falar do Presidente Marcelo, mas que no dia seguinte se soube da visita que tinha feito ao ex-Presidente Soares, que faltara à tomada de posse por motivos de saúde. Uma visita à margem de tudo, tanto que Marcelo foi a conduzir o seu próprio carro. E houve também o dia 18 de março, em que o chefe de Estado não apareceu mas no dia anterior, no Vaticano — e antes de partir para Madrid –, já tinha anunciado que nesse dia promulgaria o diploma que repôs os quatros feriados suspensos em 2012.
É certo que se trata do arranque de mandato de um Presidente da República, sempre mais exigente com solicitações. E este chefe de Estado já esteve com o Papa, reis, embaixadores, chefes de Estado, governantes nacionais e estrangeiros, presidentes de instituições internacionais e nacionais, deputados, desportistas, sindicalistas, militares, populares. Tudo isto era mais ou menos previsível, mas Marcelo ainda soma mais uma componente: são raras as deslocações e eventos em que participa onde não fala. Sobre tudo.
Vamos a números: nos 26 dias em que apareceu por alguma razão, Marcelo só resistiu à tentação dos microfones por oito vezes. Alguns dias até falou mais do que uma vez. Foi assim, por exemplo, nos últimos dias. Ainda na terça e quarta-feira esteve em quatro momentos diferentes — entre apresentações de prémios de inovação, uma visita a um comando militar, uma cerimónia sobre a Constituinte e uma iniciativa relativa aos refugiados — e falou em todos eles.
E mesmo em alguns desse dias esteve na mira do público, como no domingo de Páscoa, quando o país aguardava pela promulgação do primeiro Orçamento do Estado aprovado pela esquerda parlamentar. O Presidente esteve reservado (e até esteve previsto ir passar a Páscoa a Celorico de Basto), mas no centro da agenda política, já que se aguardava a comunicação ao país sobre o Orçamento que prometera e que no dia anterior, numa visita ao estabelecimento prisional de Tires, tinha dito estar “muito próxima”. Surgiu no dia seguinte, à tarde, e constituiu um dos três principais momentos com que Marcelo quis marcar a diferença em relação ao seu antecessor.
Momentos que distinguiram Marcelo:
- O discurso da tomada de posse, onde Marcelo deixou o cunho do seu mandato. “Temos de cicatrizar feridas destes tão longos sacrifícios, no fragilizar do tecido social, na perda de consensos de regime, na divisão de hemisférios políticos”.
- A comunicação ao país — a primeira do mandato — para assinalar a promulgação do Orçamento do Estado para 2016, com o novo Presidente a tentar ser menos formal e a aparecer sentado, num tom quase pedagógico, para deixar os primeiros recados de relevo ao Governo de António Costa. “Insto o Governo e a administração pública a serem muito rigorosos na execução do Orçamento”.
- Na última quinta-feira reuniu pela primeira vez o Conselho de Estado (que já fez saber que vai querer reunir mais vezes) e com um convidado especial estrangeiro pré-anunciado, o presidente do BCE. Mario Draghi não faltou à chamada nem aos alertas a uma mesa de conselheiros (muitos deles estreantes): “Os sinais positivos não devem dar azo a comprazimento”.
Nos tempos mais próximos, este registo acelerado, de agenda intensa, sempre com mais do que um ponto por dia (o recorde são as sete audiências, quase hora a hora, de sexta-feira), vai manter-se. E vai estender-se mesmo no estrangeiro. No espaço de um mês, Marcelo tem prevista uma viagem a Estrasburgo e outra a Itália, ainda antes de partir para Moçambique (de 2 a 7 de maio), naquela que é a sua primeira visita de Estado. No regresso vai à Alemanha e pelo meio disto tudo ainda inaugura a sua presidência aberta, que batizou de “Portugal Próximo”. Depois do comentador dominical, o Presidente diário.
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rtavares@observador.pt
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