Um amor azul e branco capaz de pagar pelos dois (esta é a história do sócio mais antigo do FC Porto)
Luís Bordalo Maia tem 97 anos e é o sócio mais antigo do FC Porto. Assistiu aos 28 campeonatos somados pelo clube e à maior goleada sobre o Benfica no Campo da Constituição. Esteve longe, em Angola, mas nunca deixou de estar perto do Porto, a nação que lhe chegava pela rádio. Atualmente, já não vai à bola nem com o tio nem com o neto, mas continua a manter um amor capaz de pagar pelos dois
12.05.2018 ÀS 12H00
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O Futebol Clube do Porto sagrou-se, no passado sábado, campeão nacional da época 2017/2018, passando a contar no palmarés com 28 ligas conquistadas. A primeira vez que os portistas conquistaram o título aconteceu na temporada de 1934/1935, logo na edição inaugural da prova.
Muitos sócios do FCP acostumaram-se a ver a equipa vencer a principal competição desportiva portuguesa, mas apenas um testemunhou todos esses momentos.
Chama-se Luís Bordalo Maia, tem 97 anos e é o associado mais antigo. Sempre foi um homem de contas à moda do Porto e nunca deixou de ter as quotas em dia. Nem mesmo durante os 30 anos vividos em Angola, período em que o Porto continuou a ser a sua nação, como indica a cachecol que a filha, Alice, lhe coloca ao pescoço, deixando-o envaidecido para as fotografias.
A Tribuna Expresso partiu ao encontro deste dragão quase centenário e encontrou-o em casa, onde todos são portistas e onde tudo - ou quase tudo - é azul. O cartão não engana: é o sócio número 2, mas tal deve-se ao processo de refiliação que ainda não foi efetuado.
Recuemos no tempo até 6 de julho de 1920, quando Portugal vivia mergulhado na volatilidade política da Primeira República, à deriva numa situação política e social instável, acentuada pela participação na grande guerra que abraçou mortalmente o mundo entre 1914 e 1918.
Nesse dia, no Largo da Lapa, no Porto, nasceu um menino: Luís Gonzaga Bordalo Maia. Os dias eram ásperos. “Éramos mais pobrezinhos”, recorda Luís, que com apenas 8 anos perdeu o pai. Cresceu na zona das Antas e a ligação ao FCP era praticamente inevitável. “Nasci no Porto e, portanto, já nasci portista”, afirma o sócio ancestral dos azuis e brancos, colega de escola do avançado Correia Dias, ponta-de-lança que jogou exclusivamente de dragão ao peito, tendo-se distinguido como melhor artilheiro do campeonato na temporada de 1941/1942, ao apontar 37 golos.
A ligação de tantos anos ao clube fez com que Bordalo Maia tenha visto de perto centenas de atletas que o deliciaram dentro das quatro linhas. Desde as velhas glórias até aos ídolos mais recentes, Luís viu-os a todos. António Araújo, Hernâni, Pedroto, Américo, Frasco, Fernando Gomes, Madjer, Futre, Juary, Kostadinov, Fernando Couto, Vítor Baía, Sérgio Conceição, Jardel, Deco, Ricardo Carvalho ou Lisandro Lopez são alguns dos nomes enumerados.
Mas quando lhe perguntam o jogador que mais gostou de ver atuar de dragão ao peito, a resposta é imediata. “Pinga! Era um jogador formidável”, frisa o sócio, relativamente ao avançado que brilhou na década de 1930, internacional por Portugal em 21 ocasiões, e descrito por muitos como o melhor futebolista madeirense… até surgir Cristiano Ronaldo.
Muito antes disso já Luís ia à bola com o tio Armando César Bordalo, todos os domingos depois do almoço, assistir aos jogos disputados no antigo Campo da Constituição. De todas as partidas a que assistiu no velho estádio, há uma que recorda com mais fervor. Foi contra o Benfica, a 28 de maio de 1933, na primeira mão dos quartos-de-final do Campeonato de Portugal - competição por eliminatórias, antecessora da Taça e a mais relevante a nível nacional, numa altura em que não existia ainda a Primeira Liga Portuguesa. O Porto venceu por 8-0, a maior goleada imposta ao eterno rival, com direito a um hat-trick de Valdemar Mota. Na segunda volta, o Benfica acabaria por vencer nas Amoreiras por 4-2, resultado insuficiente para travar o FC Porto na caminhada para a obtenção do título.
Foi também pela mão do tio que se tornou sócio, aos 14 anos (a mesma idade com que começou a trabalhar), quando a 1 de novembro de 1934 recebeu o cartão de admissão. Brotava, assim, na flor da adolescência uma paixão prolongada pelo extenso jardim dos seus dias. “É um amor enorme este que tenho pelo clube”, descreve Luís Maia.
Maria de La Salette, a esposa de 95 anos, está ao lado dele, a acompanhar este passeio pelas memórias. Começaram a “namoriscar à janela, como se fazia naquele tempo”, explica ela, e casaram dois anos depois, em 1946. Tiveram dois filhos. Já os tinham quando foram para Angola, em 1952, onde Luís começou por trabalhar num café para depois se estabelecer, por conta própria, na exportação e importação de produtos. “Mantive sempre a ligação ao clube. Sempre, sempre! Ouvia os relatos todos. Os domingos eram sagrados e depois dos jogos ficava a escutar o hino do Porto”, conta Luís Bordalo Maia.
Regressaram para Portugal em 1982. Depois chegaram três netos. Depois ainda outros tantos bisnetos. “O grande amor da minha vida é a minha mulher, mas o Porto é o segundo”, afirma o sócio mais antigo do FCP.
Atualmente já não vai ao estádio, como nos tempos em que levava o neto André Matos às Antas, até porque a visão já não ajuda. “Ai, mas se eu pudesse, ainda lá estava!”, assevera Luís Bordalo, à conversa com a Tribuna Expresso. André está ao seu lado, assim como esteve em 2009, quando Bordalo Maia foi agraciado com a roseta de diamante - evocativa dos 75 anos como sócio -, num jogo frente ao Belenenses, disputado no Estádio do Dragão, em que ficou sentado no camarote com Pinto da Costa. Sessenta anos de diferença separam o avô e o neto, mas a paixão clubística torna-os próximos e cúmplices.
“Devo ao meu avô o facto de ser sócio do Porto. Deu-me um equipamento e fui muitas vezes com ele ao antigo Estádio das Antas”, recorda André Matos. “Ainda hoje é ele que me paga as quotas, tal como prometeu quando me inscreveu. Não quer correr o risco de que eu perca o vínculo com o clube”, conta, entre risos, o neto de 37 anos. “Sou eu que pago e com muito orgulho”, frisa o associado número 2 do Futebol Clube do Porto.
Contas feitas, lá em casa todos são portistas e o azul impera, até nas almofadas “para o maior portista” pousada sobre o sofá. Só o telefone é de outra cor. “Então, senhor Luís, o telefone é vermelho?”, questiona a Tribuna Expresso. “Nem sequer está ligado”, assegura, prontamente, o ancião que aos 97 anos só usa telemóvel.
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