domingo, 20 de fevereiro de 2022

DIA MUNDIAL DA JUSTIÇA SOCIAL - 20 DE FEVEREIRO DE 2022

 

Justiça social

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Disambig grey.svg Nota: Se procura por pelo álbum de Bezerra da Silva, veja Justiça Social (álbum).

Justiça social é uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social.

O conceito surge em meados do século XIX, referido às situações de desigualdade social, e define a busca de equilíbrio entre partes desiguais, por meio da criação de proteções (ou desigualdades de sinais contrários), a favor dos mais fracos.[1][2]

Para ilustrar o conceito, diz-se que, enquanto a justiça tradicional é cega, a justiça social deve tirar a venda para ver a realidade e compensar as desigualdades que nela se produzem.[3] No mesmo sentido, diz-se que, enquanto a chamada justiça comutativa é a que se aplica aos iguais, a justiça social corresponderia à justiça distributiva, aplicando-se aos desiguais. O mais importante teórico contemporâneo da justiça distributiva é o filósofo liberal John Rawls.[4][5]

Em Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice), de 1971, Rawls defende que uma sociedade será justa se respeitar três princípios:

  1. garantia das liberdades fundamentais para todos;
  2. igualdade equitativa de oportunidades; e
  3. manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos.

Cronologia

Segundo Ubiratan Borges de Macedo, a aplicação do termo "justiça social" seguiu a seguinte cronologia: inicialmente foi usada por Edward Gibbon, em Declínio e Queda do Império Romano, no século XVIII, no sentido de aplicação das normas de conduta justa numa sociedade. Em 1793, William Godwin, em Enquiry Concerning Political Justice, usou a descrição com o emprego atual, mas sob a denominação de justiça política. Em 1840, Luigi Taparelli D’Azeglio, em Saggio Teoretico de Diritto Naturale, filósofo jesuíta, foi o primeiro a usar o termo em sua atual concepção. Para ele, a justiça social se traduz na igualdade de direitos de todas as pessoas da forma em que todos os seres foram feitos pela natureza divina. Oito anos depois, Antonio Rosmini, em A constituição segundo a justiça social - o sacerdote, político e educador, difunde este conceito e a ideia passa a ser associada à doutrina social católica. A seguir, é o liberal John Stuart Mill, em Utilitarismo (1861) a aderir à ideia de justiça social e distributiva, como ele mesmo o diz, que atribui à sociedade o dever de tratar a todos igualitariamente considerando para isso aqueles que têm méritos iguais.[6]

Conceito

John Rawls

O professor e filósofo John Rawls apresenta contribuições importantíssimas na área da filosofia política, tendo em sua autoria diversos artigos e livros que trabalham a ideia de justiça na sociedade, sendo os principais: A Theory of Justice (1971), Political Liberalism (1993), The Law Off Peoples (1999), e Justice as Fairness: A Restatement (2001).

Em seu primeiro livro há um conjunto de oito capítulos que sistematizam os seus conceitos. A teoria da justiça de Rawls apresenta os princípios do que é justiça delimitando-a a partir da ideia de uma estrutura de democracia constitucional.

Para ilustrar e dar base a sua ideia de justiça equitativa, Rawls apresenta a ideia de posição inicial, indo ao encontro do conceito de estado de natureza usado pelos contratualistas.

Afirmei que a posição original é o status quo inicial apropriado para assegurar que os consensos básicos nele estabelecidos sejam equitativos. (...) Entendida dessa forma a questão da justificativa se resolve com a solução de um problema de deliberação: precisamos definir quais princípios seriam racionalmente adotados dada a situação contratual.[7]

A justiça equitativa de Rawls surge da busca por um ideal de justiça que de certa forma neutralize o modo de ser, social e biológico (no que diz respeito as habilidades naturais que dão vantagens aos indivíduos) que de algum modo pode ser arbitrário. Rawls utiliza do contrato social como método para estabelecer os dois princípios da justiça, sendo eles a liberdade e igualdade.

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras. Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável (princípio da diferença), e b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos (princípio da igualdade de oportunidades).[8]

A teoria da justiça como equidade centra-se no individuo (muito por conta do víeis liberal do autor), porem esse não e o fundamento principal de sua ideia.

O ponto essencial é que, apesar das características individualistas da teoria da justiça como equidade, os dois princípios da justiça não dependem de forma contingente dos desejos existentes ou das condições sociais presentes. Todos possuem um sentido da justiça semelhante e, sob este aspecto, uma sociedade bem ordenada é homogênea.[9]

O centro da justiça como equidade esta em aceitar a justiça política, independente das variedades da moralidade existente entre elas.

Na justiça como equidade, a unidade social e a lealdade dos cidadãos com respeito a suas instituições comuns não estão calcadas na ideia de que todas as pessoas sustentam a mesma concepção do bem, mas em que aceitam publicamente uma concepção política de justiça para regular a estrutura básica da sociedade.[10]

Por fim, pode-se concluir que a obra de John Rawls fundamenta o conceito de justiça, atentando para as liberdades e direitos fundamentais, mas também buscando um bem comum, seja ele político, social ou econômico, assim como aponta o juiz federal e professor Ricardo Perligeno Mendes da Silva:

O sistema social deve ser concebido por forma a que o resultado seja justo, aconteça o que acontecer. Para atingir este objetivo, é necessário que o processo econômico e social seja enquadrado por instituições políticas e jurídicas adequadas.[9]

Crítica

Friderich August von Hayek

Friedrich August von Hayek concebe justiça social como uma expressão desprovida de sentido, apesar de possuir uma aura sacra. Além de ser um pleonasmo (pois justiça é um fenômeno social). Hayek também diz que o uso de justiça no termo é apenas porque trata-se de uma palavra eficiente e atraente. Para ele, os defensores da expressão promovem uma ideia de distribuição de riquezas ou bens que não apresentam um consenso: quando se considera como critério para tal as virtudes ou o mérito, nasce a necessidade de se determinar o que constitui o merecimento. Se distribuir pela necessidade, seria um ato de caridade, e isto seria inviável se não fosse orientado por regras formais. Se for pela igualdade, sem considerar as diferenças, todos os indivíduos seriam tratados como iguais.

Friedrich Hayek analisa justiça social no mesmo sentido da expressão justiça distributiva, porque, segundo ele, atualmente as duas são empregadas como equivalentes.[11] Para Hayek, a justiça social (ou, por vezes, a justiça econômica, por se tratar sempre de redistribuição de renda) passou a ser considerada algo que as ações da sociedade, ou o tratamento dado pela sociedade a indivíduos e grupos, deveriam ter.[12] Conforme o autor, a vinculação do termo ao tratamento dado pela sociedade aos indivíduos com base em merecimento cria um distanciamento com a justiça pura e simples, além de mostrar um vácuo no conceito.

A reivindicação de justiça social é dirigida não ao indivíduo, mas à sociedade. No entanto, a sociedade, no sentido estrito em que deve ser distinguida do aparelho governamental, não age com vistas a um propósito específico, e, assim, a reivindicação de justiça social converte-se numa reivindicação de que os membros da sociedade se organizem de modo a possibilitar a distribuição de cotas do produto da sociedade aos diferentes indivíduos ou grupos. A questão básica passa a ser então saber se há o dever moral de se submeter a um poder capaz de coordenar os esforços dos membros da sociedade com o objetivo de atingir determinado padrão de distribuição considerado justo.[13]

Para Hayek, justiça social é uma miragem, algo inatingível, e a busca por esse ideal destruirá o único clima em que os valores morais tradicionais podem florescer, ou seja, a liberdade individual.[14]

Friedrich Hayek alega que a expressão justiça social não é ingênua, de boa vontade para com os menos afortunados, mas sim uma insinuação desonesta de que se tem o dever de concordar com uma exigência feita por algum grupo de pressão incapaz de justificá-la concretamente:

Para que o debate político seja honesto, é necessário que as pessoas reconheçam que a expressão é desonrosa, do ponto de vista intelectual, símbolo da demagogia ou do jornalismo barato, que pensadores responsáveis deviam envergonhar-se de usar, pois, uma vez reconhecida sua vacuidade, empregá-la seria desonesto.[15]

Referências

  1.  Palacios, Alfredo L. (1954). La justicia social. Col: Biblioteca de ciencias económicas, políticas y sociales. 6Buenos Aires: Editorial Claridad. OCLC 3127837
  2.  Rudi 2008, pp. 7-9.
  3.  La justicia social no puede ser ciega. USO SNIACE, Espanha, 17 de dezembro de 2006.
  4.  «Kant, Rawls e a Fundamentação de uma Teoria da Justiça - Nythamar de Oliveira»www.geocities.ws. Consultado em 20 de novembro de 2021
  5.  Maréchal 2003.
  6.  D'ambrosio 2018.
  7.  Rawls 1999, p. 17.
  8.  Rawls 1999, p. 64.
  9. ↑ Ir para:a b Mendes 1998, p. 8.
  10.  Mendes 1998, p. 19.
  11.  Hayek 2013, p. 87.
  12.  Hayek 2013, p. 97.
  13.  Hayek 2013, p. 99.
  14.  Hayek 2013, p. 103.
  15.  Hayek 2013, p. 134, cap. 9.

Bibliografia

Ver também

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Ligações externas

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VITORINO NEMÉSIO - ESCTRITOR - 20 DE FEVEREIRO DE 2022

 

Vitorino Nemésio

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Vitorino Nemésio
Obra artística realizada na Escola Secundária Vitorino Nemésio
Nome completoVitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva
Nascimento19 de dezembro de 1901
Praia da VitóriaAçoresPortugal
Morte20 de fevereiro de 1978 (76 anos)
LisboaPortugal
NacionalidadePortugal Português
CônjugeGabriela Monjardino de Azevedo Gomes (1926, 4 filhos)
Alma materUniversidade de Coimbra
OcupaçãoPoeta e escritor
PrémiosPrémio Ricardo Malheiros (1944)
Prémio Internacional Montaigne (1973)
Magnum opusMau Tempo no Canal

Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva GOSE • GCSE • GOIH (Praia da Vitória19 de dezembro de 1901 — Lisboa20 de fevereiro de 1978) foi um poeta, romancista, cronista, académico e intelectual português que se destacou como autor de Mau Tempo no Canal, e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Biografia

Filho de Vitorino Gomes da Silva e de Maria da Glória Mendes Pinheiro, na infância a vida não lhe correu bem em termos de sucesso escolar, uma vez que foi expulso do Liceu de Angra, e reprovou o 5.º ano, facto que o levou a sentir-se incompreendido pelos professores.[1] Do período do Liceu de Angra, apenas guardou boas recordações de Manuel António Ferreira Deusdado, professor de História, que o introduziu na vida das Letras.

Com 16 anos de idade, Nemésio desembarcou pela primeira vez na cidade da Horta para se apresentar a exames, como aluno externo do Liceu Nacional da Horta. Acabou por concluir o Curso Geral dos Liceus, em 16 de julho de 1918, com a qualificação de dez valores.

A sua estadia na Horta foi curta, de maio a agosto de 1918. A 13 de agosto o jornal O Telégrafo dava notícia de que Nemésio, apesar de ser um fedelho, um ano antes de chegar à Horta, havia enviado um exemplar de Canto Matinal, o seu primeiro livro de poesia (publicado em 1916), ao director de O Telégrafo, Manuel Emídio.

Apesar da tenra idade, Nemésio chegou à Horta já imbuído de alguns ideais republicanos, pois em Angra do Heroísmo já havia participado em reuniões literárias, republicanas e anarco-sindicalistas, tendo sido influenciado pelo seu amigo Jaime Brasil, cinco anos mais velho (primeiro mentor intelectual que o marcou para sempre) e por outras pessoas tal como Luís da Silva Ribeiro, advogado, e Gervásio Lima, escritor e bibliotecário.

Em 1918, no final da Primeira Guerra Mundial, a Horta possuía um intenso comércio marítimo e uma impressionante animação nocturna, uma vez que se constituía em porto de escala obrigatória, local de reabastecimento de frotas e de repouso da marinhagem. Na Horta estavam instaladas as companhias dos Cabos Telegráficos Submarinos, que convertiam a cidade num "nó de comunicações" mundiais. Esse ambiente cosmopolita contribuiu, decisivamente, para que ele viesse, mais tarde a escrever a obra mítica que dá pelo nome de Mau Tempo no Canal, trabalhada desde 1939 e publicada em 1944, cuja acção decorre nas quatro principais ilhas do grupo central açoriano: FaialPicoSão Jorge e Terceira, sendo que o núcleo da intriga se desenvolve na Horta.

Este romance evoca um período (1917-1919) que coincide em parte com a sua permanência na ilha do Faial e nele aparecem pessoas tais como o Dr. José Machado de Serpa, senador da República e estudioso, o padre Nunes da Rosa, contista e professor do Liceu da Horta, e Osório Goulart, poeta.

Em 1919 iniciou o serviço militar, como voluntário na arma de Infantaria, o que lhe proporcionou a primeira viagem para fora do arquipélago. Concluiu o liceu em Coimbra, em 1921, e inscreve-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Três anos mais tarde, Nemésio trocou esse curso pelo de Ciências Histórico Filosóficas, da Faculdade de Letras de Coimbra, e, em 1925, matriculou-se no curso de Filologia Românica da mesma Faculdade.

Na primeira viagem que faz a Espanha, com o Orfeão Académico, em 1923, conhece Miguel Unamuno, escritor e filósofo espanhol (1864-1936), intelectual republicano, e teórico do humanismo revolucionário antifranquista, com quem trocará correspondência anos mais tarde.

Nesse mesmo ano foi iniciado na Maçonaria.[2]

12 de fevereiro de 1926 desposou, em Coimbra, Gabriela Monjardino de Azevedo Gomes, de quem teve quatro filhos: Georgina (novembro de 1926), Jorge (abril de 1929), Manuel (julho de 1930) e Ana Paula (dezembro de 1931).

Em 1930 transferiu-se para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa[3] onde, no ano seguinte, concluiu o curso de Filologia Românica,[4] com elevadas classificações, começando desde logo a lecionar literatura italiana. A partir de 1931 deu inicio à carreira académica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou Literatura Italiana e, mais tarde, Literatura Espanhola.

Em 1934 doutorou-se em Letras pela Universidade de Lisboa com a tese A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio. Entre 1937 e 1939 leccionou na Vrije Universiteit Brussel,[5] tendo regressado, neste último ano, ao ensino na Faculdade de Letras de Lisboa.

Em 1958 leccionou no Brasil. A 19 de julho de 1961 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e, a 17 de abril de 1967, Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.[6] A 12 de setembro de 1971, atingido pelo limite legal de idade para exercício de funções públicas, profere a sua última lição na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde ensinara durante quase quatro décadas, passando a ser Catedrático Jubilado.

Foi autor e apresentador do programa televisivo Se bem me lembro, que muito contribuiu para popularizar a sua figura e dirigiu ainda o jornal O Dia entre 11 de dezembro de 1975 a 25 de outubro de 1976.

Foi um dos grandes escritores portugueses do século XX, tendo recebido em 1965, o Prêmio Nacional de Literatura e, em 1974, o Prémio Montaigne.

Faleceu a 20 de fevereiro de 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF, e foi sepultado em Coimbra. Pouco antes de morrer, pediu ao filho para ser sepultado no cemitério de Santo António dos Olivais, em Coimbra. Mas pediu mais: que os sinos tocassem o Aleluia em vez do dobre a finados. O seu pedido foi respeitado.

A 30 de agosto de 1978 recebeu a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, a título póstumo.[6] Em 1978, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma rua na zona da Quinta de Santa Clara, na Ameixoeira.[7]

Obra

Vitorino Nemésio foi ficcionista, poeta, cronista, ensaísta, biógrafo, historiador da literatura e da cultura, jornalista, investigador, epistológrafo, filólogo e comunicador televisivo, para além de toda a actividade de docência. O seu nome consta da lista de colaboradores da Revista dos Centenários[8] publicada por ocasião da Exposição do Mundo Português e nas revistas, Panorama[9] (1941-1949) Conímbriga[10] de 1923, Renovação (1925-1926),[11] Atlântico [12] e Litoral[13] (1944-1945).

Levou a cabo, na sua obra, uma transformação das tendências da Presença (que de certa forma precedeu), que garantiu a eternidade dos seus textos. Fortemente marcado pelas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da sua infância percorrem a obra do escritor, numa espécie de apelo, revelado pela ternura da sua inspiração popular, pela presença das coisas simples e das gentes, e pela profunda humanidade face à existência e ao sofrimento da vida humana.

Entre as suas principais obras contam-se:

Poesia

  • O Bicho Harmonioso (1938)
  • Eu, Comovido a Oeste (1940)
  • Nem Toda a Noite a Vida (1953)
  • O Verbo e a Morte (1959)
  • Canto de Véspera (1966)
  • Limite de idade (1972)
  • Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Outros Poemas (1976)
  • Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga (2003) - póstumo
  • Poemas Brasileiros (1972)
  • Meu Coração É Como Peixe Cego (1942)

Ficção

Ensaio e Crítica

  • Sob os Signos de Agora (1932)
  • A Mocidade de Herculano (1934)
  • Relações Francesas do Romantismo Português (1936)
  • Ondas Médias (1945)
  • Conhecimento de Poesia (1958)

Crónica

  • O Segredo de Ouro Preto (1954)
  • Corsário das Ilhas (1956)
  • Jornal do Observador (1974).

A Ficção em Vitorino Nemésio

Os trechos de inspiração açoriana são bastante significativos na sua obra notando-se a presença de infantis lembranças, e amores, dores e agoiros de figuras de humildes que nestas páginas ficam vivendo, sob a obsessão circundante do mar, na opinião de Afonso Lopes Vieira. A sua experiência de ilhéu encontra-se presente na sua obra em geral, cuja vida no domínio da ficção se inicia em 1924 com a publicação do volume de contos Paço do Milhafre prefaciada por Afonso Lopes Vieira, e mais tarde rebaptizada com o título O Mistério do Paço do Milhafre, tendo sido publicada em 1949.

Vitorino Nemésio ao longo de toda a sua carreira literária nunca deixou de surpreender os demais. O escritor nos seus romances conseguiu transmitir uma certa originalidade de escrita, sobretudo na descrição dos lugares e no desenho das personagens, e até dar uma certa generosidade humana que se pode presenciar em Varanda de Pilatos, (obra publicada em 1927) e no volume de novelas A Casa Fechada, constituída por três histórias: O TubarãoNegócio de Pomba e A Casa Fechada Em relação a esta última história, a crítica foi bastante positiva e unânime, tendo sido considerada uma obra excepcional.

Contudo houve uma obra romanesca, mais complexa, variada, densa e subtil que é Mau Tempo no Canal, obra incomparável na literatura portuguesa do século XX. Este romance havia já sido "ensaiado" pela novela Negócio de Pomba, isto é, esta possui muitos aspectos que irão ser tratados a posteriori naquele romance.

Depois de ter escrito Mau Tempo no Canal, pode-se afirmar que Vitorino Nemésio nunca mais voltou aos trilhos do romance. Ele próprio afirma num inédito do seu espólio Morro autor de um romance únicoMau Tempo no Canal corresponde ao momento mais alto da sua vasta produção literária e é uma das obras-primas da literatura portuguesa.

Ao visitar a Horta pela segunda vez, em 1946, escreveu em Corsário das IlhasGosto da Horta como de nêsperas. Tinha saudades do que fui, já nem sei bem como, aqui. Todo o imaginado é mais ou menos frustrado quando o realizamos; mas na Horta não é bem excedido […]. Matriz no alto onde foram as casas do donatário flamengo e que os jesuítas adaptaram, como sempre, cubicular e faustosamente, mais duas ou três igrejas conventuais nos altos; a cada ponta, ou sainte, as paróquias da Conceição e das Angústias, e o mais que é preciso para completar uma cidadezinha airosa alva como uma noiva – Horta, ou seja, trinta anos depois, Nemésio continuava a recordar os primores do acolhimento, a hospitalidade patriarcal, a gentileza em tudo e por tudo.

Outros géneros narrativos

Dentro do género narrativa, para além da obra de ficção, Vitorino Nemésio escreveu e publicou obras de natureza biográfica: desde logo o seu doutoramento tratou a vida de Alexandre Herculano. Escreveu igualmente uma biografia de Isabel de Aragão, a Rainha Santa.

Também escreveu crónicas das viagens que fez ao Brasil, aos Açores e à Madeira e publicou ensaios sobre temas diversos, como temas portugueses e brasileiros, um ensaio sobre Gil Vicente e também crítica de poesia.

A Poesia em Vitorino Nemésio

Nemésio é sobretudo um poeta, tal como ele próprio o afirma, uma vez que escrever poesia foi uma actividade ininterrupta mantida desde 1916 (com o Canto Matinal) até 1976 (Era do Átomo Crise do Homem).

Entre as suas principais obras poéticas contam-se:

  • O Bicho Harmonioso (publicada em 1938)
  • Eu, Comovido a Oeste (publicada em 1940)
  • Festa Redonda (publicada em 1950)
  • Nem toda a Noite a Vida (publicada em 1952)
  • O Pão e a Culpa (publicada em 1955)
  • O Verbo e a Morte (publicada em 1959)
  • Sapateia Açoriana (publicada em 1976)
  • Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga (póstumo, publicada em 2003)

Na opinião de Óscar Lopes, falando a respeito da poesia nemesiana, ele diz-nos que os volumes de versos se podem agrupar em dois ciclos distintos e que se intersectam na obra Nem toda a Noite a Vida que é o mais heterogéneo de todos.

No primeiro ciclo a temática está relacionada com a insularidade, com a saudade à ilha, à infância, à adolescência, ao pai e ao seu primeiro amor proibido. Toda esta temática está bem visível em O Bicho Harmonioso e em Eu, Comovido a Oeste.

No segundo ciclo já se nota uma transmutação de temas, enveredando para uma temática religiosa e metafísica. Coloca questões acerca da vida e da morte, do ser (devir e permanência do ser), e da busca de sentido para a existência. Por isso o poeta é identificado com a corrente filosófica existencialista. A par desta poesia erudita o poeta cultiva também uma poesia popular profundamente marcada por símbolos de açorianidade, pelo que muitas vezes é acusado de regionalismo literário na sua obra.

Outras actividades

A par da sua actividade literária e de docência, Vitorino Nemésio dava conferências (foi numa das viagens à Espanha para dar uma conferência que acabou por conhecer pessoalmente Miguel Unamuno), colaborava com a RTP (Se Bem Me Lembro), bem como em várias revistas e jornais (Seara NovaPresençaO Diabo e Diário Popular), fundou e dirigiu em conjunto com outros jornais e revistas Gente Nova), foi redactor de jornais e assumiu a direcção do jornal O Dia, no fim da sua carreira profissional.

Trabalhou também como tradutor. Traduziu, a partir do francês, La Seconde Chance, de Constantin Virgil Gheorghiu, publicado pela Livraria Bertrand com o título A Única Saída.

O conceito de Açorianidade

O conceito de "açorianidade" foi definido por Nemésio em 1932 e, desde então, foi amplamente divulgado em contextos bem diferenciados, desde estudos de âmbito literário a intervenções de ordem política. Naquele ano, por ocasião do V Centenário do Descobrimento dos Açores, afirmou:

"(...) Quisera poder enfeixar nesta página emotiva o essencial da minha consciência de ilhéu. Em primeiro lugar o apego à terra, este amor elementar que não conhece razões, mas impulsos; e logo o sentimento de uma herança étnica que se relaciona intimamente com a grandeza do mar.
Um espírito nada tradicionalista, mas humaníssimo nas suas contradições, com um temperamento e uma forma literária cépticos, - o basco Baroja, - escreveu um livro chamado Juventud, Egolatria 'O ter nascido junto do mar agrada-me, parece-me como um augúrio de liberdade e de câmbio'. Escreveu a verdade. E muito mais quando se nasce mais do que junto do mar, no próprio seio e infinitude do mar, como as medusas e os peixes (...)
Uma espécie de embriaguez do isolamento impregna a alma e os actos de todo o ilhéu, estrutura-lhe o espírito e procura uma fórmula quási religiosa de convívio com quem não teve a fortuna de nascer, como o logos, na água (...)
(...) Meio milénio de existência sobre tufos vulcânicos, por baixo de nuvens que são asas e bicharocos que são nuvens, é já uma carga respeitável de tempo - e o tempo é espírito em fieri (...)
Como homens, estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substância que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como as sereias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar.
Um dia, se me puder fechar nas minhas quatro paredes da Terceira, sem obrigações para com o mundo e com a vida civil já cumprida, tentarei um ensaio sobre a minha açorianidade subjacente que o desterro afina e exacerba."[14]

Posteriormente, em 1975, em quatro novos textos[15] publicados no Diário Insular, o mesmo foi retomado e aprofundado. É o próprio Nemésio que recorda:

"Outro sintoma linguístico da impulsividade afirmativa dos Açores como etnia ou espaço geográfico originais está no emprego da palavra 'açorianidade'. Quem escreve estas linhas passa por inventor desse vocábulo, há bons quarenta anos. Luís Ribeiro, o insigne etnógrafo e jurisconsulto açoriano de 'Os Açores de Portugal' - opúsculo de grande valia, pela posição de contraste, para o emancipalismo de hoje - foi um dos que generosamente me 'patentearam' por tão pobre criação vocabular. Porque lia então muitos ensaístas espanhóis, incluindo o clássico Pi y Margall de 'Las nacionalidades', decalquei sobre 'hispanidade e argentinidade' (Unamuno) o meu 'açorianidade' ".[16]

Notas

  1.  Clemente, Elvo. Folhas do caminho. EDIPUCRS, 2003. pp. 105. ISBN 857430381X
  2.  Arnaut, António (2017). Introdução à Maçonaria. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. p. 132. ISBN 978-989-26-1327-7
  3.  «Silva, Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da - Memória da Universidade»memoria.ul.pt. Consultado em 18 de fevereiro de 2021
  4.  «Vitorino Nemésio»Porto Editora. Infopédia. Consultado em 20 de fevereiro de 2014
  5.  Roza Huylebrouck (Maio de 1990). «O Português no ensino universitário e para-universitário em terras de expressão neerlandesa: Bélgica/Flandres e Países Baixos» (pdf). pág. 254. Biblioteca digital da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Consultado em 3 de Julho de 2014
  6. ↑ Ir para:a b «- Página Oficial das Ordens Honoríficas Portuguesas»www.ordens.presidencia.pt. Consultado em 18 de fevereiro de 2021
  7.  «Facebook»www.facebook.com. Consultado em 18 de fevereiro de 2021
  8.  Helena Bruto da Costa. «Ficha histórica:Revista dos Centenários (1939-1940)» (PDF)Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 29 de Maio de 2015
  9.  José Guilherme Victorino (julho de 2018). «Ficha histórica:Panorama: revista portuguesa de arte e turismo» (pdf)Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 14 de setembro de 2018
  10.  Jorge Mangorrinha (1 de março de 2016). «Ficha histórica: Conímbriga : revista mensal de arte, letras, sciências e crítica (1923)» (pdf)Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 9 de fevereiro de 2018
  11.  Jorge Mangorrinha (1 de Março de 2016). «Ficha histórica:Renovação : revista quinzenal de artes, litertura e atualidades (1925-1926)» (pdf)Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 18 de maio de 2018
  12.  Helena Roldão (12 de Outubro de 2012). «Ficha histórica:Atlântico: revista luso-brasileira (1942-1950)» (pdf)Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 25 de Novembro de 2019
  13.  Helena Roldão (19 de Junho de 2018). «Ficha histórica:Litoral : revista mensal de cultura (1944-1945)» (pdf)Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 25 de Janeiro de 2019
  14.  NEMÉSIO, Vitorino. "Açorianidade". in: Insula, Número Especial Comemorativo do V Centenário do Descobrimento dos Açores, nº 7-8 (Julho-Agosto), Ponta Delgada, 1932. p. 59.
  15.  Dois deles publicados inicialmente pelo Jornal Novo. Recorde-se que o momento à época, em Portugal e nas ilhas era conturbado, nomeadamente no que concerne às ideias de processo revolucionário e de autonomia regional.
  16.  NEMÉSIO, Vitorino. Açores: De onde sopram os ventos. in: Diário Insular, nº 8815, 5 Out. 1975. p. 1 e 3. apud: Revista DI, nº 257, 9 Mar. 2008. p. 4-11.

Bibliografia

  • Diário Insular de 22 de Abril de 2009.
  • A. Moniz - Para uma leitura de "Mau tempo no canal". Lisboa, 1996.
  • R. Patricio - Conhecimento de Poesia. A critica literaria segundo Vitorino Nemesio. Braga, 2000.
  • M. Maia Gouveia - Vitorino Nemésio e Cecilia Meireles : a ilha ancestral. Porto, 2001.

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