|
GERMANO OLIVEIRA
EDITOR EXECUTIVO
|
|
|
O seu nome tem amor? (e ainda orações e factos rápidos e ultra-rápidos)
|
|
|
|
|
|
A política envelheceu e há uma foto no "New York Times" a evidenciá-lo:
|
|
|
Há precisamente 18 anos, o futuro político da Europa anunciava-se com Wolfgang Schäuble espantado com aquela que acabaria por se tornar a chanceler da Europa mas que em 2021 cessa funções. Angela Merkel, outrora foco de aversão mas que se tornou farol de solidez perante a vaga populista em curso, clarificou que sai daqui a três anos (“It was a classic Merkel move”, lê-se no New York Times), ela que tem a chegada à liderança do seu partido celebrada naquela imagem. O tempo entre a foto de 2000 e esta decisão de 2018 contém um legado de austeridade profundamente contestado mas também uma estabilidade democrática e uma resposta solidária à crise dos refugiados que caracterizam a intervenção de Merkel dentro das suas fronteiras e além delas. E a chanceler prepara agora a sua saída numa fase de grande incerteza com a missa de iniciação de Bolsonaro, ele que se diz a cumprir instruções de Deus. Recomenda-se por isso a leitura desta oração da Christiana Martins e desta contraoração com Paulo Portas.
FACTO RÁPIDO 1: CORTAR AS MÃOS Vinham de Espanha, França, Itália, Alemanha e Holanda, transportavam-se em rulotes e autocaravanas escoltadas por Mercedes, BMW e Audis e praticavam três géneros de intimidação: "cortar mãos", "partir pernas", "matar". O "Jornal de Notícias" explica tudo e a manchete elucida o enredo: "Empresas e hospitais alvo de extorsão por gangue internacional". Os crimes ocorreram em Portugal entre 2002 e 2013, José Roquette (ex-presidente do Sporting) é dono de uma das entidades ameaçadas, foram emitidos 50 mandados de detenção e pergunta o leitor: mas qual era o negócio dos meliantes? Visitavam empresas públicas e privadas ligadas à agroindústria, metalurgias, pichelarias, talhos, pastelarias, tipografias, consultórios de dentistas e hospitais com a promessa de grandes negócios na arte de afiar facas e ferramentas.
FACTO RÁPIDO 2: CORTAR A IRONIA Eu fiz ironia Eu tive de explicar que fiz ironia Se tive de explicar a ironia é porque não foi boa ironia
O silogismo não é brilhante mas a ironia de Marcelo também não. O Presidente reuniu-se segunda-feira com representantes de startups portuguesas que vão estar na Web Summit e pronunciou-se assim depois de ter dito que descansou pouco na noite das eleições no Brasil: "Não dormi muito, como é habitual. E pensei: há alguma vantagem adicional para a minha vida de ter dez anos da Web Summit em Portugal? E eu disse: bom, há algo que pode tornar-se um efeito colateral, não necessariamente muito positivo, que é ter a responsabilidade de me candidatar novamente à presidência". Após o encontro, os repórteres queriam saber mais e a Lusa narra: "Em resposta aos jornalistas no final desta cerimónia, que durou mais de duas horas, Marcelo Rebelo de Sousa enquadrou estas declarações como uma ironia 'com humor anglo-saxónico' e declarou que a sua recandidatura continua uma questão 'em aberto' e atualmente fora no seu pensamento: 'Falei ironicamente, por não estar no pensamento'". Problema 1: os alertas dos smartphones começaram a gritar que o tabu da recandidatura presidencial estava prestes a ficar encerrado ("Marcelo admite recandidatura como 'efeito colateral' de dez anos de Web Summit"). Problema 2: quem gere sites sabe que há takes da Lusa que não entram com os parágrafos todos e, neste caso, há artigos que foram publicados sem o esclarecimento anglo-saxónico presidencial. Problema 3: a ironia tende a funcionar melhor na oralidade e é figura de estilo para se espedaçar quando passa a texto. Conclusão: se é para manter tabus, não se aconselha a ironia.
FACTO RÁPIDO 3: CORTAR O TÉDIO O homem mais entediante que passou pelo futebol português deixou oficialmente de entediar o Real Madrid e o texto definitivo sobre o fim do Lopeteguismo é assinado por um dos jornalistas mais hábeis de Portugal: o Pedro Candeias (que na verdade é Pedrismo Candeias e ele explica AQUI porquê) faz considerações sobre o tédio, a traição, o existencialismo e sobre a mania de chamar as pessoas pelos substantivos abstratos. E esta é a diferença fundamental entre o Real Madrid e a Tribuna Expresso: eles tinham um chato a treiná-los, nós temos um génio a escrever-nos.
FACTO RÁPIDO 4: CORTAR O REGRESSO Estas 32 palavras do "Diário de Notícias" podem penalizar muitos emigrantes: "Inês Quina mudou-se para o Canadá em 2014, mas apenas no ano passado associou ao Cartão do Cidadão a morada que tem desde que passou a viver do outro lado do Atlântico". Onde paira a má notícia? Primeiro o contexto: quem se tornar fiscalmente residente em Portugal durante 2019 e 2020 - nomeadamente quem saiu do país durante a crise e agora considere voltar - vai ter metade do salário excluído de tributação, só pagando IRS sobre a outra metade. Agora a nuance: para que um emigrante possa beneficiar desta medida não pode ter tido esse estatuto de residente fiscal em Portugal durante 2016, 2017 ou 2018. E eis a má notícia: quem se esqueceu de mudar a morada fiscal quando se mudou para o estrangeiro arrisca perder este benefício. Perante os olhos intimidantes do Fisco, Inês Quina fica excluída de uma das principais medidas do Orçamento do Estado para 2019 - ela os demais na mesma situação. A manchete do "Diário de Notícias" resume: "Morada do Cartão do Cidadão pode travar acesso de emigrantes ao Programa Regressar".
FACTOS ULTRA-RÁPIDOS “Isto tem de ser secreto.” O áudio da conversa em que Vieira combina a saída de Rui Vitória
Pittsburgh Killing Aftermath Bares Jewish Rifts in Israel and America
Cientista do Centro Champalimaud ganha prémio de €1,3 milhões criado por um dos fundadores da Microsoft
Caso Khashoggi. Os escândalos do príncipe saudita que “atira primeiro e pergunta depois
|
|
MANCHETES DE HOJE PÚBLICO "ADSE. Isenções atingem recorde com subidas do salário mínimo"
i "Juiz de caso Marquês decide se colégios vão a julgamento"
DIÁRIO DE NOTÍCIAS "Morada do Cartão do Cidadão pode travar acesso de emigrantes ao Programa Regressar"
JORNAL DE NOTÍCIAS "Empresas e hospitais alvo de extorsão por gangue internacional"
CORREIO DA MANHÃ "O Luís não sabia da nossa relação"
JORNAL DE NEGÓCIOS "Governo rejeita indemnizar Galp por causa de furo em Aljezur"
O JOGO "Super Óliver"
A BOLA "Vieira negociou saída de Vitória"
RECORD "Vitória apela às tropas"
|
|
O QUE EU ANDO A OUVIR Nela há logo o fogo-de-artifício do apelido, Katie Von Schleicher, americana com nome de espia alemã: imaginamo-la felina e armada, nascida para nos roubar segredos de Estado e a alma. Procuramos-lhe um vídeo e descobrimos que tem "Sad Songs" estampado na t-shirt - quase como naquele disco vagabundo dos The National, "Sad Songs for Dirty Lovers". É prenúncio do que lhe havemos de escutar, porque ela produz munições para espiões da tristeza: "Baby Don't Go", canção que escreveu há três anos e que é tão atual em 1518 como em 2018, tem um problema grave que é a sua grande virtude - incomoda.
A voz dela é uma faca: há uma maneira de cantar que é aço na pele, sangue no timbre, desalento no corpo - há reações físicas à forma resignada como ela diz as palavras e não é isso do sentir arrepios, é mais profundo e complexo, é o corpo a dizer-nos que falhámos. E cada um saberá de que são feitos os seus falhanços.
O QUE EU ANDO A LER Quem se chama Germano inveja nos nomes alheios as virtudes de que o seu não dispõe - aprecia a simplicidade fonética de um Lia, a subtileza grega de um Helena, as virtudes bucólicas de um Prado ou o surrealismo de um Garrido - mas em contrapartida pode entreter-se com as mutações regionais: um Germano no Porto fermenta e evolui para Geremano, em Lisboa torna-se burguês e faz-se Germáno (que é também uma variante esteticamente adequada para a América Latina ou para uma personagem de Bolaño).
Isto dos nomes não é uma reflexão aleatória, tem um propósito e deve-se a um norueguês chamado Karl Ove - facto que é motivo de espanto: lido devidamente e com a entrega emocional adequada, algo comum aos obcecados pela onomástica, transforma-se em Kar Love e é comovente saber que o autor que estamos a ler transporta no nome essa fantasia que todos perseguimos. E o Kar Love, porque não conseguimos mais escrever-lhe devidamente o nome uma vez encontrado o mistério do amor, ensina-nos em seis volumes autobiográficos essa quimera e outras descobertas fundamentais que fazem de nós homens e mulheres à procura da essência da vida, que é vivê-la furiosamente. Ele relata o primeiro beijo, a primeira mulher, o primeiro marisco, a primeira almôndega, o primeiro livro, a primeira música, o primeiro amigo, a primeira morte, o primeiro filho, a primeira dúvida, o primeiro desgosto, a primeira viagem, o primeiro texto, a primeira doença, o primeiro elogio, a primeira infelicidade, o primeiro dinheiro, a primeira dívida, o primeiro sucesso, a primeira bebida, o primeiro charro, a primeira euforia, o primeiro abraço, a primeira traição. Nem que não o tenhamos vivido como ele, e certamente não o vivemos, ele escreve-nos a normalidade – a dele, a nossa, a dos outros. E a normalidade é um problema, uma revelação, uma inevitabilidade: crescemos, aprendemos, sobrevivemos, ansiamos mais. A autobiografia dele é a nossa - eis-nos diante da grande habilidade do Karl Ove, que não é um prosador brilhante mas sim um observador meticuloso: ele lembra-nos que vivemos. Parece coisa pouca, mas é bom que não o esqueçamos - e é um incentivo para que façamos do que nos falta viver uma história melhor que a já vivida. E de preferência com amor, como no nome dele.
EXPRESSO ONLINE EXPRESSO DIÁRIO TRIBUNA EXPRESSO BLITZ VIDA EXTRA BOA CAMA BOA MESA
|
|
|