Macroscópio – Primeiro, uma viagem de Porsche. Depois as coisas sérias
Macroscópio – Primeiro, uma viagem de Porsche. Depois as coisas sérias
Caro leitor, ixe esta indicação: EN222. Mais exactamente, estrad a nacional 222, a que liga a Régua ao Pinhão. Conheci-a sempre como uma das mais bonitas do país, correndo ao longo do Douro, por entre alguns dos seus vinhedos melhor tratados e boa parte das suas quintas mais célebres. Esta semana fiquei também a saber que era a melhor estrada do mundo para conduzir. Não para ver a paisagem, mas para acelerar e travar, curvar e tornar a acelerar. Deriva tudo isto de uma fórmula desenvolvida para descobrir a “World Best Driving Road”, fórmula que até meteu um físico quântico ao barulho. O Hugo Tavares da Silva foi até lá e, apesar de ter sido obrigado a usar auscultadores para comunicar com o piloto do Porsche (por causa do ruído do motos de 408 cavalos), lá percorreu aquelas curvas e contracurvas e sobreviveu para contar tudo em EN222. A melhor estrada do mundo é portuguesa. O Hugo Amaral filmou e fotografou e o resultado é um Especial do Observador que é uma delícia de ler - e ver
Se não der para ir até ao Douro por estes dias, pode sempre experimentar outras duas estradas portuguesas bem classificadas, a EN267, entre São Marcos da Serra e Monchique, ou então a minha preferida, a EN247, entre a Malveira da Serra e Colares (mas nunca o faça a um domingo, porque esse é o dia dos motociclistas e nem todos são muito sensatos na sua condução). Mais: garanto-lhe que não precisará de um Porsche para se divertir, quer com a condução, quer com as vistas maravilhosas para o Guincho e o Cabo da Roca.
Dadas estas sugestões, vamos a temas mais sérios e, como é há ;bito às sextas-feiras, mais adaptadas aos tempos de leitura mais longos do fim-de-semana. Começo por trabalhos que evocam duas efemérides: os 100 anos do genocídio arménio e os 40 anos das primeiras eleições democráticas, as de 25 de Abril de 1974. Isto é, das eleições de que saiu a Assembleia Constituinte, essas eleições que foram as com a maior participação de sempre, onde o povo formou longas filas para votar.
É precisamente por aí que começo e com uma recomendação muito forte: a de que leiam o ensaio de António Barreto Em defesa de uma Constituição positiva e simples. Deputado constituinte eleito pelo PS, o sociólogo divide o seu texto em quatro partes, começando por nos explicar por que considera que a Constituição de 1976 é “uma obra-prima” e acabando a defender a necessidade da sua revisão, uma revisão em que, contudo, não acredita. Eis um dos seus argumentos centrais:
A nossa vida de todos os dias, as soluções para os problemas dos portugueses e a actividade livre dos cidadãos deveriam depender da governação e da legislação corrente, não da Constituição. Esta não se pode substituir à acção, à administração, à criatividade e à liberdade.
As minhas duas sugestões seguintes vão para dois vídeos, ambos também do Observador. O primeiro é o da entrevista que Rui Ramos fez a outro deputado constituinte, Marcelo Rebelo de Sousa, eleito pelo então PPD: “Havia a ilusão de que se podia fazer um país novo”. É uma conversa interessante, onde a recordação de episódios picarescos vai a par com a análise das condições que tonaram possível redigir uma constituição democrática no meio de uma revolução “em curso”. O outro vídeo é o do último Conversas à Quinta, com novo deputado constituinte do PS, Jaime Gama, e o seu parceiro habitual, Jaime Nogueira Pinto, à época a viver (e conspirar) exilado em Madrid. Em O dia em que a democracia começou a ganhar ao MFA debate-se a forma como, nesses tempos incertos, a vitória dos moderados nas eleições de há 40 anos se articulou, e confrontou, com a “legitimidade revolucionária” do MFA e a pressão da rua e das constantes e contrastantes mobilizações populares.
(Recordo que uma forma confortável se seguir estas entrevistas e conversas semanais é subscrever os seus podcast: aqui para o Conversas à Quinta e aqui para as entrevistas do Observador.)
Ainda sobre os 40 anos da eleição da Assembleia Constituinte, deixem-me chamar-vos também a atenção para o blogue do Expresso A Caminho da Constituinte (de onde retirei a imagem acima) e para trabalho de José Pedro Castanheira na Revista E de sábado passado – A sondagem secreta (link para assinantes), sobre uma sondagem que os Mello encomendaram e que já dava a vitória ao PS.
Passo agora ao centenário do genocídio arménio – um tema que o Papa Francisco ajudou a colocar na agenda internacional – para sugerir dois trabalhos em especial:
- O primeiro é uma reportagem da Spiegel, One Hundred Years of Silence: Turks Slowly Take Stock of Armenian Genocide, um texto que nos conta diversas histórias dos dias de hoje mas que remetem para os terríveis tempos de 1915. Há nele uma breve descrição do que está em causa: “This week marks the 100th anniversary of the decision by the Ottoman Empire to deport the Armenians. Between 800,000 and 1.5 million people died violent deaths between 1915 and 1918. The European Parliament just passed a motion calling on Turkey to recognize the atrocities as genocide. A total of 22 countries officially define the massacre that took place as such, although Germany, which is home to a large Turkish population, is not one of them. Historians consider the events to be the first genocide to have been committed during the 20th century. It's a view shared by Pope Francis. "Concealing or denying evil is like allowing a wound to keep bleeding without bandaging it," the pope said last week.
- O segundo é do Wall Street Journal: Consequences of Mass Killings of Ethnic Armenians Still Reverberate (link para assinantes). É um trabalho que se centra sobretudo nos problemas que subsistem no presente, no que está por resolver 100 anos passados sobre os massacres: “Armenian communities today are all but nonexistent in eastern and southern Turkey. The fate of property seized by Turks and ethnic Kurds from deported Armenians is still disputed. And Ankara has no diplomatic relations with present-day Armenia. The question of identity still weighs heavily, too. The Armenian church is one of Christianity’s oldest and historically, Armenians are almost exclusively Christian. But to escape persecution in 1915 and afterward, many ethnic Armenians converted to Islam and began living as Turks.”
E já que a última sugestão era do Wall Street Journal, a próxima também é. E aborda um tema que, pelo menos em Portugal, nem sequer tema é: o das vantagens ou desvantagens de os adol escentes terem pequenos trabalhos remunerados durante as suas férias escolares. Em In Praise of the Teen Summer Job defende-se a ideia de que “From hauling bricks to delivering newspapers, traditional summer work taught generations of teens about life, labor and their place in the universe”. Talvez valha a pena ler e meditar, sobretudo se o leitor tem filhos (ou netos) dessa idade.
Vou terminar regressando a outra das obsessões – saudáveis obsessões – do Macroscópio: a discussão em torno da ideia de que estamos num período de “secular stagnation”, isto é, face a um longo período de baixo crescimento económico ou mesmo ausência de crescimento. Desta vez a perspectiva é muito diferente, porque nos é dada por alguém com responsabilidades no governo da Índia, Arvind Subramanian. Em The Problem With Secular Stagnation o autor contesta o próprio conceito, olhando para o mundo de uma perspectiva muito mais optimista e que desafia ideias que têm sido discutidas sobretudo num mundo ocidental com pouco ou nenhum crescimento. Porém, “the hypothesis of secular stagnation in the period leading up to the 2008 global financial crisis is at odds with a central fact: global growth averaged more than 4% – the highest rate on record”. Alerto-vos do que mais do que esse número, o interessante no artigo é ele traduzir o olhar de quem está a viver uma realidade económica muito diferente da nossa.
E por esta semana é tudo. Apesar de hoje poder ter regressado à Grécia – e que mal que parece ter corrido a reunião do Eurogrupoem Riga, na Letónia… – prefiro ficar por aqui, desejar-vos um bom fim-de-semana, mesmo sem Porsches e estradas maravilhosas – mas com muitas leituras, com sempre. Até segunda-feira.
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ANTÓNIO FONSECA