Um destes dias, ao pequeno-almoço, uma diplomata estrangeira pediu-me a opinião sobre o futuro de Portugal. Até tive vergonha, por um lado porque sou modesto, por outro porque a situação assim o exige.
Excluindo os próprios envolvidos, os compadres, os amigos de ocasião e os fanáticos, ninguém confia no governo. De trapalhada em trapalhada, a pedir desculpas ou paciência, o bando liderado pelo Dr. Passos Coelho arrasta-se como o Benfica na "Europa", rumo ao desastre final. Dizer que em três anos o bando refreou o défice à custa da receita é a única coisa parecida com um elogio que estes senhores suscitam. O resto, a austeridade sem retorno ou uma desmesurada carga fiscal acompanhada por zero reformas dignas do nome, provou que nem o machado da troika corta a raiz do pensamento pátrio.
Excluindo os próprios envolvidos, os compadres, os amigos de ocasião e os fanáticos, ninguém confia na oposição. Especialista em intercalar o silêncio com as mais descaradas asneiras produzidas para cá de Caracas, o Dr. Costa, rodeado por puros malucos e oportunistas de carreira, já fareja o poder e ameaça usá-lo com a voracidade dos famintos. Em 2014, continua a haver malária, esclavagismo e, no que nos toca de perto, quem defenda o "investimento" público e o crescimento por decreto sem corar de embaraço.
Mesmo estafados, certos clichés do Parque Mayer, incluindo o do "tacho", merecem recuperação: partidos à parte, toda esta gente luta por um objectivo comum, o de alimentar o Estado de modo a dispor dele. A novela da PT em curso é exemplar, principalmente se atendermos à procissão de vultos que agora reclama a respectiva nacionalização e à procissão de familiares dos vultos que antes conseguiu lá emprego.
Existem diferenças? Algumas, que só importarão aos picuinhas: o PSD disfarça, o PS assume. O PSD explora a absurda aura "liberal" que lhe colaram, o PS jura-se de esquerda. O PSD nega o evidente assalto ao contribuinte, o PS promete-o com orgulho. O PSD mata com álibi, o PS esfola por missão. O PSD finge salvar o país da ruína, o PS não distingue a ruína da salvação. E o povo, pá?, perguntava uma cantilena. O povo, quando não conta os cêntimos, saltita entre a crendice e o desnorte, a resignação e o berreiro, a esperança e a realidade. Mas, quando conta os cêntimos, o povo pressente que o pior ainda não chegou.
Domingo, 19 de Outubro
A péssima educação
O primeiro-ministro foi a Coimbra homenagear os soldados mortos na I Guerra. O apreço que o governante inspira é discutível, mas nenhum homem decente discute a consideração devida aos desgraçados que, enviados por tiranetes para defender valores que lhes eram obscuros em lugares que ignoravam, aí terminaram os seus dias. Claro que o conceito de decência não inclui as "dezenas de professores e encarregados de educação" (cito as notícias) que aproveitaram a oportunidade para vaiar o Dr. Passos Coelho.
O tema não favorece ironias: os manifestantes, que provavelmente não representam nada além da boçalidade terminal, também não suscitam outra coisa que não o nojo. Dado que terão abundante tempo livre, são igualmente livres de insultar os senhores no poder quando e onde lhes apetecer - excepto em momentos assim. As suas causas, importantíssimas ou ridículas, não valem um fio de cabelo de cada militar caído na Flandres. E nem sequer tem graça constatar a grotesca contradição dos slogans que empunhavam: "Não há progresso sem conhecimento", ou "respeitar os portugueses exige outra política". Conhecimento é justamente o que essa repugnante gente não possui, e respeito é o que não merece.
Segunda-feira, 20 de Outubro
Os ingratos
Numa nação habituada a desprezar os seus melhores em vida para consagrá-los na morte, consola assistir ao exemplo dado pela Câmara Municipal da Covilhã, responsável por atribuir ao Eng. Sócrates a chave da cidade e uma medalha.
Aos distraídos ou incrédulos, convém informar que, ao contrário do que poderia parecer, o Eng. Sócrates está vivo, tão vivo que aproveitou a deixa para brindar a humanidade em geral e os covilhanenses em particular com diversas pérolas de sabedoria: "O interesse individual existe, é certo, mas existe também o interesse colectivo."
É triste que semelhante portento intelectual receba apenas uma chave e uma medalha municipais, em vez de ter as serralharias e os gravadores de Portugal inteiro a fabricar-lhe resmas de penduricalhos. Se pensarmos bem, o que é que o Eng. Sócrates legou à Covilhã? Que eu saiba, nada, além da honra para a autarquia em contar com ele como técnico enquanto assinava projectos belíssimos na vizinha Guarda. Em troca, a Guarda ofertou-lhe o quê?
O mesmo desprezo que o país, que nem faz o favor de seguir a eucaristia dominical do homem na RTP (aliás abaixo das audiências da própria Eucaristia Dominical, na TVI). E a injustiça dói mais se recordarmos que o homem fez à arquitectura da Guarda o mesmo que fez à economia do país. Desgraçadamente, muitos portugueses teimam em colocar o seu interesse individual à frente do interesse colectivo do Eng. Sócrates: a presidência de todos nós. Ou isso ou uma estátua.
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Os meus agradecimentos e pedidos de desculpa renovados.
ANTÓNIO FONSECA