Macroscópio – Sombras sobre a economia europeia
Macroscópio – Sombras sobre a economia europeia
Em Portugal foi dia de Ricardo Salgado. Mais exactamente dia de ouvir o antigo responsável do BES depor na comissão de inquérito da Assembleia da República. Tudo começou com a leitura de umlongo depoimento e continuou com uma barragem de perguntas que obrigou a sessão a prolongar-se para a parte da tarde. Ainda haverá muito para digerir, mas destaco-vos já duas das primeiras análises: a de David Dinis aqui no Observador – “Talvez todos devessem ter dado uns milhões para manter aquele mundo de pé, confiando que o contabilista, saindo, deixasse as contas direitas, confiando que a crise desaparecesse para que aquele mundo ficasse igual. Talvez acreditando nisso tudo não tivéssemos de ouvir outra vez que “o BES não faliu, foi forçado a desaparecer.” Mas hoje, desta audição, há uma coisa que já conseguimos: que o mundo de Salgado não é deste reino – e nunca poderia existir sem ele” – e a de Ricardo Costa no Expresso – “O texto de Ricardo Salgado não me surpreendeu em nada. É um texto bem feito, apoiado por economistas, advogados e professores de Direito. Um monumento de factos parciais que têm como único objetivo a não condenação judicial ou regulatória do ex-presidente executivo do BES. Nada mais do que isso. Tudo o resto, ou seja, o arrependimento, o perdão, a desculpa ou mesmo a vergonha, não existem.” Amanhã, com mais tempo, deverá haver mais.
Na Europa foi dia de Grécia. Outra vez. Na segunda-feira o Eurogrupo havia decidido prolongar por mais dois meses o segundo resgate, por falta de acordo. Hoje a decisão do governo de Atenas de antecipar dois meses as eleições para Presidente da República provocou um afundamento dos índices bolsistas. A ansiedade (agravada pela evolução da China) estendeu-se depois aos restantes mercados europeus. Mas este nervosismo é apenas um sinal de que há outras preocupações no horizonte. Vou recordar algumas delas, num breve apanhado de uma mão cheia de artigos interessantes sobre o que se passa com as nossas economias.
Começo, contudo, por ir até ao outro lado do planeta, pois o Japão, e o conhecimento das dificuldades da economia japonesa que quase não cresce há duas décadas, pode ajudar-nos a perceber o nosso próprio destino e, também, possíveis soluções. Em Japan’s Economic Dilemma: Comfortable Decline or Painful Revival? o Wall Street Journal faz um ponto da situação dos dilemas que o país enfrenta. Pequeno extracto:
Japan’s risk aversion heightened as the population started falling about five years ago, entrenching the nation’s self-image as an “aging society.” The deflationists’ last great act was the 2012 law doubling the national sales tax. While acknowledging the move could slow growth and deepen deflation, they said the extra money would shore up old-age benefits for baby boomers’ retirement and reduce the risk of investors getting worried about Japan’s huge national debt.
Kenneth Rogoff, o economista cujos trabalhos sobre dívida têm sido amplamente discutidos, também escreveu esta semana sobre o Japão – Can Japan Reboot? – e defendeu a ideia de que “Japan’s experience holds important lessons for Europe, the main one being that stimulus policies, though necessary in the short run to support demand, cannot address long-term structural deficiencies. If Abenomics 2.0 fails to embrace deep structural reform, it will fare no better than the original.”
O Japão, já se sabe, é uma sociedade envelhecida. Mas os Estados Unidos não são. O que não quer dizer que a vida dos mais novos esteja fácil do outro lado do Atlântico. Os chamados “millennials”, isto é, os que têm entre 25 e 34 anos, ganham hoje bem menos do que se esperava que ganhassem. Encontrei dois textos interessantes sobre esse tema, que é também um tema europeu. O primeiro é da The Atlantic, The Incredible Shrinking Incomes of Young Americans, onde se nota que “since the Great Recession struck in 2007, the median wage for people between the ages of 25 and 34, adjusted for inflation, has fallen in every major industry except for health care”. Depois de constatar que os mais novos não estão a beneficiar da recuperação económica e que os seus salários estão a crescer 60% mais devagar do que no resto dos escalões etários, deixa a questão: “How is a generation supposed to build a future on that?”
A Slate também abordou este tema em How Broke Are Millennials? This Broke. E o “this broke” é isto: “For Americans between the ages of 25 and 34, annual income earned from wages has fallen in four of the top five biggest employment sectors—retail (down 9.9 percent), the leisure and hospitality business (down 14.65 percent), manufacturing (down 2.87 percent), and professional and business services (down 4.28 percent).”
Claro que quando aterramos na velha Europa a situação o panorama não é melhor, pelo contrário. O Financial Times publicou um interessante artigo sobre Itália - How Italy lost la dolce vita – cuja entrada não podia ser mais clara e directa: “The old have nice pensions, the middle-aged are unsackable and the young fight for temporary contracts”. E se o artigo começa assim, termina de forma bem sombria:
Here’s a plausible future: Italy as Eataly, a food hall with some museums attached, a staging-post for Asian tour groups. Italy can undoubtedly do better than that but nobody I spoke to could quite see how.
Dir-se-á: é Itália, é Europa do Sul, já esperávamos problemas. Engano. Também há problemas graves no outro extremo do Velho Continente, na bem comportada Europa do Norte, na ainda melhor comportada Suécia. Carl Bildt, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros durante anterior governo de centro-direita, analisa em Sweden in Crisis as razões da queda do governo em funções – há mais de 50 anos que uma legislatura não era interrompida a meio de um mandato – e debate o tema da imigração. O retrato que traça é surpreendente. Exemplo:
In the new century, refugees have come increasingly from the Middle East and the Horn of Africa. One percent of Sweden’s population today is from Iran, and almost 2% are from Iraq. Indeed, after the Iraq war, the small town of Södertälje took in more Iraqi refugees than the United States did.
Termino com um texto sobre o Reino Unido que ajuda a colocar em perspectiva algumas das reformas dos últimos anos. Afinal parece que não é impossível cortar na despesa pública e diminuir o peso do Estado sem regressar a uma espécie de nova idade das trevas. Esse é precisamente o ponto de Give up the dogma of the unshrinkable state, publicado no Financial Times. Nele defende-se a seguinte ideia: “This government has cut £35bn from departments since 2010 without Britain regressing into a desolate pre-modernity. And this has been achieved despite the quixotic screening of foreign aid from any austerity.”
Economia, economia, economia: nos últimos anos todos discutem economia e, o que provavelmente ainda é mais deprimente, discutem-na com ecocomistas cheios de confiança neles próprios,como se demonstra num estudo recente. Talvez não se possa esperar nada de muito diferente nos tempos que vivemos, mas é sempre bom algum cepticismo. E ouvir diferentes perspectivas. É também para isso que deverá servir o Macroscópio. Espero que sirva.
Boas leituras.
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Subscreva
as nossas Newsletters
ANTÓNIO FONSECA