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Por Ricardo Marques
Jornalista
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8 de Julho de 2016 |
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Da ausência
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França e Portugal. Duas equipas que ainda não ganharam nada. Uma ganhará tudo, a outra perderá como ninguém perdeu até aqui. Escorregar ao primeiro passo custa, mas falhar o derradeiro salto, aquele que conduz ao cume, custa muito mais. Estes serão os dias do tudo ou nada e a bola, é sabido, não tem um canto onde seja possível arrumar qualquer coisa. É aborrecidamente redonda, fascinantemente redonda.
Hoje, amanhã e depois, até às oito da noite de domingo, ouvirá falar de
futebol, de mais futebol, de mais futebol. Tudo o resto estará ausente. Esta manhã é dedicada à ausência, mas começa na redondinha.
O treino em Marcoussis, nos arredores de Pá-rrí, deve começar dentro de
'moments' - mais uma oportunidade para espreitar os estado de espírito
dos jogadores portugueses. Os que vão estar na final, os que já
estiveram em campo, mas também os que ainda não pisaram a relva – e
provavelmente não o vão fazer. Os dois ausentes absolutos são guarda-redes. Um é Anthony Lopes, joga em França, no Lyon. Tal como Rui Patrício, é conhecido por dois nomes. Eduardo nem por isso, sempre foi Eduardo. Mas também tem apelido,
Carvalho, e acho que é isso que ele está a gritar no célebre vídeo em
que Ronaldo chama Moutinho para marcar os penaltis contra a Polónia:
"Vamos lá! Carvalho!", diz ele, após o capitão declamar um dos poemas
mais marcantes da modernidade lusitana: "Ó.Ó. Anda bater, anda bater.
Anda. Tu bates bem..." Ontem, Fernando Santos juntou mais três frases de belo recorte ao volumoso livro de citações que Portugal trará de França. "Quem joga mal, perde. Quem joga bem, ganha. Quem joga bonito ou feio, umas vezes ganha, umas vezes perde". Como a seleção ainda não perdeu, é lógico concluir que tem jogado bem. Enquanto escrevo, umas pessoas na televisão garantem que a França é a melhor coisa que nos podia ter acontecido antes da final. "Mais fácil do que a Alemanha". Isto apesar de, explicam noutro canal, perdermos sempre com os franceses nos "jogos a doer". E alguns doeram muito. O melhor marcador dos franceses, e do Euro, assinou os dois golos que mandaram os alemães para casa. Chama-se Griezmann e é neto de um português. É estar de olho nele. No fim do jogo de domingo, aquilo que ele estiver a sentir será inversamente proporcional ao estado de espírito dos onze milhões que estão na equipa, mas que jogam tanto como o Lopes e o Carvalho. Venha outro francês, Philippe Destouches (1680-1754), que os contemporâneos diziam não ter tanta piada como Molière. É dele a frase que se segue, e que Fernando Santos subscreveria: "Os ausentes nunca têm razão."
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OUTRAS NOTÍCIAS Agora a verdadeira ausência. De assuntos, de filtros, de sanções, de liberdade. De vida. É uma informação de última hora: Cinco agentes da polícia de Dallas foram mortos,
outros seis feridos esta madrugada, durante uma manifestação que juntou
milhares de pessoas contra a morte de dois cidadãos negros por agentes
da autoridade no Louisiana e no Minnesota. Há fotografias e a explicação possível sobre o que está a acontecer no New York Times e no Dallas Morning News No momento em que escrevo, a polícia já fez três detenções e tenta negociar a rendição de um quarto atirador, que está cercado. Não há para já muita informação sobre os detidos, que parecem revelar alguma organização no ataque. A explosiva relação entre a polícia e a comunidade negra está outra vez a agitar o país. São de
horror as imagens que nos últimos dois dias chegaram dos EUA, sempre
com os mesmos protagonistas, sempre filmadas com telemóveis e nunca com
um final diferente. Há um vídeo chocante com um momento demasiado violento – em que é possível ver os últimos segundos de vida de um homem baleado pela polícia em Baton Rouge, no Louisianna. Há uma outra morte, em St. Paul, no Minnesota, também gravada com um telemóvel. O NYT faz um apanhado de todas as situações ocorridas nos últimos tempos. Está complicado o mundo que fica quando nos ausentamos dele para ver rolar a bola. E como ela rola. Ontem à tarde desceu a S. Bento, subiu aquela escadaria imensa e foi alojar-se à esquerda, coladinha ao pé de Catarina Martins,
a líder do Bloco de Esquerda, que, a piscar o olho ao futebol, acusou a
direita de "estar a torcer pela Alemanha desde o início". Era
dia de debate do Estado da Nação (EN), após sete meses de Governo do PS,
mas o EN ficou no banco, a ver o jogo das sanções. O Expresso preparou um trabalho detalhado sobre ele, o EN, e reagiu bem à finta dos grupos parlamentares. Começou com a Susana Frexes, a partir de Bruxelas, a explicar como se chegou às sançoes e rematou para um artigo completo sobre a tarde no hemiciclo. Tudo o que precisa de saber, mais um título que tão cedo não vai esquecer. Resta esperar pela reunião do Ecofin, no dia 12 – ou dois dias após a final de Paris. Ontem foi mesmo sanção para cá, sanção para lá, sanção e mais sanção e dali não saíram. Carlos Cruz saiu em Liberdade ao final da tarde – e as televisões interromperam por momentos o debate do EN para o ouvir dizer que não é o fim. Oportunidade para lembrar uma reportagem publicada na E, assinada por João Garcia, sobre a vida na cadeia . Algo que para Carlos Cruz faz agora parte do passado. A Comissão Parlamentar de Inquérito à CGD parece um carro antigo, daqueles em que era preciso dar à manivela.
Neste momento, os deputados discutem qual a melhor manivela e para que
lado a rodar, conscientes de que o depósito está quase vazio. Matos Correia, o presidente da comissão, acabou a pedir aos deputados que se entendam para que o carro comece a andar.
“A imagem que esta comissão deve dar não é a que se está a registar.
Sejamos responsáveis porque senão isto vai correr muito mal." O Adriano
Nobre descreve uma manhã de marcha lenta no Parlamento. Em Espanha, a conversa é outra. O líder do PP, e vencedor da versão mais recente das legislativas, falou ontem para dizer algo como “Falo com todos, quando quiserem, onde quiserem”. Eles que decidam, porque Rajoy vai estar à espera. A Espanha está à espera e, verdade seja dita, todos nós também. No El Pais ficamos a saber que Rajoy aponta para o final do mês para ter o processo de formação de Governo completo. Enquanto espera, e ele está à espera, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade de várias estruturas administrativas da Catalunha- uma espécie de alicerce sobre o qual poderia crescer um edifício independente. Crescer é um verbo raro na Grécia
- que após meses a fio no topo de todas as nossas conversas atravessa
agora o deserto da ausência. Só os problemas crescem e Alexis Tsipras
fez novo apelo de renegociação aos credores internacionais, como explica o Wall Street Journal. Na Alemanha foram ontem aprovadas leis para os crimes sexuais, na sequência dos acontecimentos da noite de fim de ano em Colónia - onde terão ocorrido inúmeros casos de abuso sexual que, inicialmente, foram atribuídos a refugiados.A discussão é tudo menos simples. No Parlamento da Madeira discute-se a situação na Venezuela, onde a inflação deverá atingir, segundo as previsões, 2000% no próximo ano. O que está em causa na Venezuela? A Atlantic tem aqui um breve resumo. Os em-breve-ou-talvez-nem-tanto-ausentes-britânicos assistem à corrida para a liderança do Governo. Dada a anunciada ausência de David Cameron, os conservadores decidem quem será o novo líder, ou a nova líder neste caso. Theresa May e Andrea Leadsom, uma delas será a próxima primeira-ministra (devem começar a chegar nos próximos dias as comparações com Margaret Thatcher). Michael
Gove ficou pelo caminho, ele que se chegou à frente para colmatar a
ausência de Boris Johnson, que se ausentou antes de se ausentar Nigel
Farage, abrindo uma enorme ausência do lado dos que defenderam a
ausência... Mais sobre este fascinante processo de ausência e afastamento em algo a que podemos chamar o lado "Downtown Abbey" do Brexit O outro grande assunto nos EUA é a audição do director do FBI no Congresso.
Foi transmitida ao vivo por televisões e jornais, ou não fosse o
assunto o uso indevido feito por Hillary Clinton, a candidata democrata à
Casa Branca, da sua conta de email pessoal para tratar de assuntos de
Estado. E tudo começou com uma estranha dança de palavras entre o diretor do FBI, James Comey, e o congressista republicano Jason Chaffetz. O segundo a querer dançar uma música que rimava com “Hillary cometeu um crime?” e o primeiro a fingir que não apanhava o ritmo. Uma amostra de que os meses que faltam até à eleição não vão ser nada fáceis. No Reino Unido, como se o Brexit não fosse suficiente, veio agora o relatório sobre a Guerra no Iraque abanar ainda mais o pais.
Há duas noites, na revista de imprensa da Sky News, estava Anastasia de
Waal, uma das responsáveis do think thank Civitas, e George
Pascoe-Watson, antigo editor de politica do The Sun (jornal que passou
de ser um dos maiores apoiantes da guerra para se tornar anti-Blair,
notou Pascoe-Watson). O relatório de John Chilcot demorou cinco anos até estar concluído (pode descarregar aqui o enorme documento) e, claro, ocupou a maior parte da conversa, Pascoe-Watson e de Waal estavam de acordo num ponto: até
que ponto este caso, o de um governo que decidiu agir quando teria sido
mais prudente esperar, pode condicionar a ação de um governo que hesita
em atuar quando realmente deve fazê-lo? A leitura de Jorge Almeida Fernandes no Público sobre o passado recente de Blair é imprescindível. Na Nova Zelândia estão a desaparecer gatos de forma inexplicável.
E em Espanha falta espaço, mas se calhar também cabeça a quem decide
passar uns minutos a correr à frente de touros pelas ruas apertadas de
Pamplona. A largada de ontem, a primeira do San Fermín, foi "limpa e
rápida", diz o jornal ABC. Quatro feridos no hospital. Depois de ver as imagens, é difícil explicar a ausência de mais pacientes internados. MANCHETES Correio da Manhã: "Turistas sofrem 23 crimes por dia" Diário de Notícias: "Crato é testemunha dos colégios privados contra o ministério" Jornal de Notícias: "Descontos nas portagens do Interior congelados" Público: "Brexit está a despertar interesse no mercado imobiliário português" i: "A PT não queria faturas detalhadasporque dizia que causavam muitos divóricos" (entrevista a Jorge Morgado, da DECO) O QUE ANDO A LER Que atire o primeiro livro quem jurar que tem arranjado tempo para ler. Como? Se há jogos todos os dias, cada vez mais intensos, mais decisivos? Como? Na ausência nasce um rio de palavras. Não há ensaios, nem romances, mas haverá sempre poesia. Neste caso, uma espécie de ensaio, para ler como um romance e que acaba com um poema. A escritora Roa Lynn lembra o dia em que bateu à porta de Pablo Neruda. Já está a contar o tempo que nos separa desses noventa minutos. Aproveite-o bem.
Há Expresso Diário às seis da tarde, Expresso nas bancas amanhã e
Expresso online, com toda a informação sobre o Euro 2016, a qualquer
hora do dia e a partir de qualquer parte do mundo. Lembre-se: “O verdadeiro fim não está no atingir o limite, mas sim em chegar ao ilimitável” (Rabindranath Tagore) Tenha um excelente fim-de-semana. E uma noite de domingo ainda melhor.
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