Pois é. À hora a que escrevo este Macroscópio as sondagens do dia, as últimas de grande dimensão antes das eleições de domingo, ainda não são conhecidas. Os últimos cartuchos ainda não foram disparados nem os últimos argumentos utilizados. Por isso eles ficam para amanhã, num Macroscópio que será feito a pensar no “dia de reflexão”, apesar de pessoalmente considerar essa regra uma bizarria do nosso sistema eleitoral. Vamos assim passar por alguns outros temas da atualidade, seguindo mais o critério da qualidade e originalidade dos textos.
Primeiro tema: a crise dos refugiados. E é o primeiro porque não posso deixar de referir o texto que Martin Wolf escreveu no Financial Times de ontem: The benefits of migration are questionable. O título torna a leitura obrigatória, pois não é o tipo de opinião que esperaríamos daquele colunista, que até é, como começa por dizer logo a abrir o seu texto, um filho de refugiados: “My parents came to the UK to escape Hitler. Their arrival saved their lives. More passionate patriots cannot be imagined. It is not surprising that I believe Europe has a moral obligation to protect refugees.” Só que há sempre um mas, e esse mas é assim formulado:
Immigration has economic effects. But it also affects the current and future values of a country, including its concern for foreigners. People may legitimately differ on the correct policies. Our countries will end up neither closed nor totally open. Striking the balance is hard. In doing so, it is perfectly reasonable for countries to argue that their own citizens always come first.
Não é, seguramente, a opinião mais politicamente correcta do mundo, mas é cada vez mais necessário desafiar o politicamente correcto. Por isso saúdo a Helena Garrido, que o faz no Jornal de Negócios de hoje, em Vamos lá ser politicamente incorrectos. Escolheu três temas para questionar o discurso dominante: a crise dos refugiados, o escândalo da Volkswagen e o tema da emigração. Eis o seu ponto de partida: “E se a opinião publicada e os retratos que supomos serem da sociedade estiverem muito longe da realidade? Vamos lá ser politicamente incorrectos. Há pessoas que são contra a entrada de tantos refugiados na Europa, há famílias que estão orgulhosas com os seus filhos que trabalham no estrangeiro e o caso da VW é muito menos valorizado pela nossa sociedade do que parece.”
Ainda sobre migrações, mais uma referência, esta num sentido diferente e numa formulação mais académica: Is the refugee crisis an opportunity for an aging Europe? Trata-se de texto publicado por um think tank, o Brookings Institute, onde se faz uma abordagem sobretudo demográfica, pois o seu ponto de partida é o seguinte: “the Baltic countries and Bulgaria have already seen their populations shrink by more than 15 percent since 1990, Croatia by 10 percent, and Romania and Hungary by more than 5 percent. The share of the population aged 65 and above in the countries of Central Europe and the Baltics increased by more than a third between 1990 and 2010.”
A demografia é, de facto, um enorme desafio, e por isso recomendo-lhe ainda o texto de David Lopes, administrador da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que em O Código PIN parte de uma conferência realizada a propósito do 5º aniversário da Pordata para recordar algumas das reflexões aí feitas por Hans Rosling, um dos grandes especialistas mundiais em fivulgação de estatísticas. Escreve ele – e reparem neste números impressionantes: “Hoje a Europa (e temos que incluir a Turquia e a Rússia para chegar a um número redondo) tem um milhar de milhão de habitantes, a África outro milhar de milhão, a América do Norte e do Sul igualmente outro milhar de milhão e a Ásia 4 milhares de milhão. É o código PIN 1114. Mas é também um código com validade prestes a expirar. Até 2100 a África e a Ásia representarão 80 % da população do mundo e a Europa e a América do Norte representarão não mais do que 10% de toda a população mundial.” Já agora, vejam, se puderem, o vídeo da conferência de Rosling.
Continuando a saltitar de tema em tema, não resisto a regressar ao assunto do Macroscópio de ontem, o escândalo Volkswagen. Faço-o por causa de um artigo de opinião da Spiegel que ontem ainda não estava disponível: Time for German Industry to Abandon Its Arrogance. Pequena passagem: “How will German manufacturers survive the competition when there is now serious doubts about their basic competence, and the reliability of the German engineering they like to trumpet overseas. That its trustworthiness is gone, its reputation ruined, will damage not only Volkswagen but will take its toll on the entire sector and indeed Germany's entire industry. It will also take its toll on the general public, whose identity is so closely bound up with the strength of the economy and the solidity of German products.” É um sinal de que há, na Alemanha, quem tenha consciência da dimensão dos problemas que este escândalo pode causar a toda a economia e à própria imagem que os alemães têm de si próprios.
Entretanto uma outra crise acaba de conhecer inesperados desenvolvimentos. Falo da crise Síria, país onde, desde ontem, a Força Aérea russa está a intervir bombardeando áreas que, supostamente, estarão sob controle do Estado Islâmico. Mas será mesmo assim? Ou Putin enviou antes os seus aviões para apoiar a causa de de Bashar el-Assad, o ditador de Damasco? Sobre este tema começo por vos recomendar dois textos do Observador: Síria e falta de liderança mundial, onde José Milhazes coloca uma interrogação muito pertinente: “Se Churchill e Roosevelt tiveram coragem para se aliarem a Estaline na luta contra Hitler, porque será que Obama e os líderes da UE não se juntam a Putin e Assad para combaterem o Estado Islâmico?”; e Alô Bashar?, do jornalista freelancer José Miguel Sardo, que escreve como que uma carta aberta ao dirigente sírio: “Ligo para te lembrar que, no mês passado, morreram mais 2040 pessoas na Síria, e 40% delas eram mulheres e crianças, vitimadas pelos bombardeamentos aleatórios da força aérea síria. A tua força aérea.”
Há ainda um outro texto sobre este tema que não me podia escapar, até pelo seu autor: Garry Kasparov, o antigo campeão de xadrez que é uma das referências principais da oposição ao Presidente Putin. Ele não está muito satisfeito com a forma como Obama está a lidar com o seu homólogo russo: Putin Takes a Victory Lap While Obama Watches, titulou o Wall Street Journal. O seu ponto central é que “More chaos in Syria suits the Russian president just fine. Higher oil prices will please Moscow and Tehran.” Mais adiante argumenta: “Mr. Obama’s refusal to deter Mr. Assad ended any possibility of security. The people had to fight, flee or die, and they are doing all three in horrific numbers. It’s important to remember that the waves of refugees reaching Europe are not running from ISIS. They are fleeing Mr. Assad—who counts on active support from Iran and now Russia. No deal is going to change that. Iran and Russia have their own agendas in the region, and peace is not on either of them. Iran is the world’s leading state supporter of terrorism. Mr. Putin’s method of fighting the war on terror in Chechnya was carpet bombing.”
Termino com uma boa, talvez mesmo uma fantástica notícia de ciência: talvez venha a ser possível colocar implantes no cérebro que limitem ou mesmo controlem os efeitos de uma doença tão temida e tão frequente como a doença de Alzheimer, assim como de lesões cerebrais como as sofridas por soldados em combate. Como escreve o Financial Times em Computer algorithm created to encode human memories, a chave desta investigação é “a computer algorithm that mimics the electrical signalling used by the brain to translate short-term into permanent memories. This makes it possible to bypass a damaged or diseased region, even though there is no way of “reading” a memory — decoding its content or meaning from its electrical signal.”
Pronto, por hoje é tudo. Lá para a noite teremos muitas sondagens, amanhã cá estaremos para referir o essencial que sobre elas se tiver escrito e comentado. Até lá, tenham bom descanso, boas leituras e respirem fundo, pois é possível que o suspense não só dure até ao fim, como se prolongue pelos dias seguintes.
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ANTÓNIO FONSECA