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POR LUÍSA MEIRELES
Redatora Principal
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18 de Novembro de 2015 |
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Caça ao homem
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O alarme soou às 4h.30 da madrugada. A polícia e os militares cercaram o bairro de St Dennis, nos arredores a norte de Paris, onde creem está escondido o "cérebro" dos ataques de sexta-feira, Abdelhamid Abaaoud, e que se pensava estar na Síria. Três mortos até ao momento em que escrevo, uma mulher ter-se-á feito explodir. Até à hora em que ler este Expresso, seguramente já terá havido mais explicações, por enquanto as informações surgerm a conta-gotas. Há uma barricada de ambulâncias, polícias feridos, a elite das unidades de intervenção está ali reunida. Haverá ainda um nono homem, a somar aos oito já conhecidos que participaram nos atentados. Siga a operação em directo aqui. E agora deixe-me falar da Síria. Se quer mesmo perceber como chegámos até aqui, ao ponto em que os europeus começam a falar de "eles e nós", ou "nós e os outros" e se temem as consequências que podem advir no futuro para as nossas vidas dos brutais e sangrentos atentados de sexta-feira, veja este video. Dois especialistas conseguiram de modo simples, em apenas 10m (sim, dez minutos, mas não vai dar por eles) e 15 mapas, contar a crise neste país (que só é Síria há menos de 100 anos e só se governa a si mesma a pouco mais de 50), de onde fogem mais de quatro milhões de refugiados e que alimentou o terror do dia 13. Percebeu? Não tenho dúvidas. E se não teve tempo agora, faça como nas receitas: reserve. E, depois, quando tiver um tempo, veja. O saber não ocupa lugar- só tempo, em boa verdade. Em janeiro deste ano, numa viagem a Bruxelas, falei com um especialista na luta anti-terrorismo. Estava ainda fresco o impacto do massacre no Charlie Hebdo. Dizia ele: "Não se iluda, isto vai ser uma luta para décadas. É que eles (os combatentes) ainda agora têm 20 anos, vão para lá (para a Síria), criam redes e, se voltam e estão convertidos e não se arrependeram da experiência, podem sempre ser reativados. Já imaginou como é combater isto? Não é possível de um ponto de vista policial controlá-los a todos! São cidadãos daqui! E muitos são louros de olhos azuis, belgas de muitas gerações, não há apenas emigrantes ou filhos de emigrantes árabes". E que eventualmente vivam em Molenbeek, o bairro da capital belga que se tornou um estigma e onde vivem mais de 100 nacionalidades e não é apenas um ninho de terroristas, como conta a Susana Frexes. Fiquei esclarecida mas não descansada. Leio no último Global Terrorism Index (divulgado ontem) que em 2014 o terrorismo continua a aumentar, com cerca de 32 mil pessoas mortas em ataques, o maior número de sempre. Interrogo-me: porque é que os jovens se radicalizam? E como se vai combater isto? A chave também é a prevenção, mas só um dos terroristas que perpetrou um dos três atentados em Paris estava referenciado. Há uma mudança de estratégia e o auto-proclamado Estado Islâmico está a adotar a estratégia da Al-Qaida. Fernando Medina alertava na TVI que podemos esperar uma escalada das medidas de segurança e diminuição das garantias da liberdade, para o que é essencial manter uma noção de equilíbrio e capacidade de tolerância. Politicamente, está já a ver-se o filme, com a extrema-direita a cavalgar a xenofobia - e há eleições autárquicas em França daqui a um mês (e presidenciais dentro de ano e meio). Sim, isto vai ter consequências globais, na política de refugiados, e na política em geral: aqui em francês, aqui e aqui em inglês. Escolha. Em português está aqui, numa conversa entre Vera Jardim e Diogo Feio. A Teresa de Sousa reflete também sobre o assunto: "Como resistir ao unilateralismo", bem como o Paulo Sande, num artigo sobre as fraquezas da democracia. Dois especialistas, o general Loureiro dos Santos e o académico Miguel Monjardino dão a sua opinião em como combater este flagelo, que não se sabe se é uma hidra de sete cabeças ou um polvo de sete tentáculos. Vale tudo? Vale pelo menos esta saborosa guerra dos Anonymous, que já deitaram abaixo mais de 5500 contas associadas ao Estado Islâmico nas redes sociais. Mas não chega a guerra, como declarou (e compreensivelmente) François Hollande. É preciso mais: uma concertação entre as potências, os Estados Unidos, a Rússia e a União Europeia, e um programa acertado entre todos, defende o general Eanes. Os altos oficiais generais também acham que a solução não pode ser uma Europa-fortaleza. Mas as peças começam a mover-se. A França já suspendeu Schengen e pela primeira vez na história da União, acionou o art. 42.7 dos tratados (a cláusula de defesa mútua) e pediu ajuda militar à União, ao que esta respondeu que "fornecerá toda a ajuda necessária". A Rússia, em concordância com os EUA, também está disposta a uma coligação internacional e já começou a intensificar os raids na Síria, ao lado dos franceses, para além de que promete vingança - o avião russo foi mesmo abatido por uma bomba. Hollande irá a Moscovo a 22 de Novembro e a Washington a 24. À nossa medida, Portugaldisponibilizou-se para o que der e vier. As ondas de choque estendem-se pela Europa. Fecham-se as fronteiras, anula-se, mesmo que temporariamente, Schengen - pedra a pedra é possível ir derrubando os pilares da União? Mas o ataque não foi perpetrado por europeus em solo europeu, como disse Hollande? Na Bélgica, sucederam-se as rusgas e prisões (tornou-se este país o centro europeu do terrorismo, como diz a Der Spiegel?) e até o irmão do terrorista mais procurado, Salah Abdeslam, apelou a que este se entregasse à polícia. Ontem a noite foi de sobressalto na Alemanha, onde foi cancelado o jogo Alemanha-Holandaem Hanover, "por indícios concretos", disse a polícia e o estádio foi evacuado. Depois, foi a vez de uma sala de espectáculos, tal como em Paris. O jogo Bélgica-Espanha também já o tinha sido e Wembley, em Londres, viveu-se um momento emocionante com todo o estádio a cantar a Marselhesa. A ver o que nos traz o dia de hoje.
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OUTRAS NOTÍCIASAs de Portugal, por exemplo. Quando haverá novo Governo é a primeira delas. De Cavaco Silva vêm sinais contraditórios: ontem, a alusão aos cinco meses de gestão( aqui também) que o próprio passou enquanto primeiro-ministro em 1987 atirou os comentários para um lado, hoje, desdramatizou e já havia notícias do contrário, de que o Presidente da República se preparava para dar posse a António Costa na próxima semana (apesar das fortes críticas de Durão Barroso que, como se sabe, é uma das pessoas que Cavaco Silva ouve e que se diz preocupado do coraçãocom a situação). Belém não confirma nem desmente, e mantém para hoje um dia inteiro de audiências a banqueiros. Começam já às 9h da manhã, terminam às 17h. Serão seis banqueiros mais o presidente da Associação Portuguesa de Bancos. Os empresários, curiosamente, querem uma solução rápida de Governo. Na segunda-feira, que nem por acaso, foi a vez de António Costa se reunir com eles. O objetivo era tranquilizá-los, como contam a Isabel Vicente, o João Vieira Pereira e a Cristina Figueiredo. "Um almoço simpático e tranquilo", disse um dos presentes. Depois de ouvir os banqueiros, o Presidente ainda há de ouvir outras entidades, antes de falar com os partidos políticos, como manda a Constituição. E depois disso, aí sim, o Presidente poderá dizer de sua justiça. Até agora, tem sido criticado por adiar o problema, como é o caso do candidato Sampaio da Nóvoa, mas também do socialista Vera Jardim, que diz que lhe chegou "a mostarda ao nariz" por não ver Costa à vista. O próprio avisa que na situação em que o país está "não se pode andar a brincar com o fogo", e "não vê razões para adiar mais", ao falar num comício na noite passada em Setúbal. Mas Santana Lopes e Vitorino, por exemplo, puseram água na fervura e sublinharam que este "é o tempo do Presidente". Fernando Medina, por sinal, também disse o mesmo, mas acrescentou que não via outra alternativa senão a de indigitar o líder do PS. Já Jerónimo de Sousa também o afirmou, mas foi duro nas críticas. Catarina Martins diz o mesmo. A propósito, Vítor Bento faz mais um ensaio, mas desta vez dedicado aos objetivos do PCP no acordo com mo PS. Opiniões. Entretanto, a coligação mantém a sua estratégia e ouviu constitucionalistas e especialistas diversos sobre a ideia de alterar o texto fundamental, mas do encontro, que durou mais de três horas, não teve conclusões. Matos Correia diz que foi só reflexão. Mas parece que a tese de um governo de iniciativa presidencial ganha força. Por sua vez, Miguel Morgado, principal assessor político de Passos Coelho na anterior legislatura e agora deputado e vice-presidente da bancada social-democrata, reclama eleições. Por causa destas e outras, a direita está insatisfeita e procura candidato alternativo a Marcelo Rebelo de Sousa, que convoque as ditas eleições. Seja como for, se quer opiniões sobre esta crise que nos vai consumindo, leia o que diz a sempre polémica Maria João Avillez ou, no sentido oposto, o André Freire. Na vertente jurídica e do lado da direita, também tem o Luis Pereira Coutinho. Também na política, no seu vetor da Justiça, mais um político acusado. Já se esperava há uns dias, agora é a confirmação: o ex-ministro Miguel Macedo do Governo de Passos Coelho foi acusado de quatro crimes, três de prevaricação e um de tráfico de influências, incluindo sobre colegas de Executivo, no processo relativo aos vistos dourados. Desta vez a operação chama-se Labirinto. Um longo trabalho do Diário Económico também explica mais pormenores. Outro assunto: ainda alguém se lembra das promessas de devolução da sobretaxa de 2015, que a coligação prometia durante a campanha eleitoral? Já se suspeitava que o argumento era fraco, agora o Negócios foi fazer as contas e dava zero. No Brasil, destaque para mais um desastre ambiental, tornado possível pela mão do homem. Chamam-lhe o “ Fukushima brasileiro”: No dia 5 de novembro, o colapso de uma barragem de contenção de resíduos de minério de ferro em Bento Rodrigues, Mariana, Minas Gerais, rebentou com a barragem seguinte, Santarém, libertando uma onda de 62 milhões de metros cúbicos de lamas tóxicas plenas de metais pesados. Uma catástrofe com danos incalculáveis. Sebastião Salgado fala do desastre no rio da sua infância. FRASES"O pior é o efeito corrosivo do medo nas democracias europeias. E o medo é o pior inimigo da razão", Teresa de Sousa, no Público
"O que é isto? É um pedaço de pano. Aquele senhor leva um chapéu na cabeça e ninguém lhe grita", Rachida Kabbouri, uma muçulmana em Paris
"Parece a operação de março de 2011, com os banqueiros chamados à televisão", Augusto Santos Silva, ao I, sobre as audiências de Cavaco Silva
"Portugal não é um sultanato", Miguel Morgado, deputado do PSD, ao Diário Económico
"Isto não é um Presidente, é um gangster", Tiago barbosa Ribeiro, deputado do PS, ao I O QUE ANDO A LERConheço o Francisco Bethencourt há 40 anos, quando ele já andava em Direito (haveria de mudar-se para História) e eu era uma caloira. Magríssimo, vi-o defender-se como um leão nas escadarias da Faculdade dos colossais "gorilas", os seguranças que o regime de Caetano colocara na escola para a defender dos "subversivos". O Chico acabou por tornar-se um historiador famoso, depois de ter sido diretor da Biblioteca Nacional, do Centro Cultural Gulbenkian em Paris, ter estudado em Florença, dar aulas nos Estados Unidos. Hoje, é titular da exclusiva cátedra Charles Boxer no King’s College, em Londres. Há dois anos, quando foi convidado por Cavaco Silva para abrir uma das suas conferências internacionais, tive ocasião de entrevistar este velho amigo e ele falou-me da obra monumental que enfim terminara, "Racismos, Das cruzadas ao século XX"(Temas e Debates), uma história do racismo, baseada no mundo ocidental e com perspetivas comparadas. Fiquei curiosa, tal era o entusiasmo dele por um trabalho que lhe demorou anos. O livro foi agora editada em português e o Luís Faria fez a recensão. "Uma obra magnífica sobre o fenómeno do racismo que faz a síntese de oito séculos de discriminação", escreve, no menor dos elogios que outros lhe fizeram. "Uma obra ponderosa, corajosa e provocadora, exaustiva e poderosa", diz Felipe Férnandez-Armesto. "Para compreender o que alimenta as ideologias e práticas racistas não existe um livro melhor do que este", afirma Joanna Bourke, New Stastesman. Com estas recomendações, atirei-me à sua leitura com afinco. Vou demorar, que o livro é grande e não se perde uma página. Mas nestes tempos em que o "outro" é o inimigo, é essencial recordar como se construiu ao longo dos séculos o preconceito. E por hoje é tudo. Bem sei que é curto, mas a informação global foi dominada pelo terrorismo e o mundo parece ter desaparecido. Há momentos assim. Tenha um bom dia, neste Outono ainda ameno. Confira as notícais, como é costume, no online, e encontre imais explicações no Expresso Diário, às 18h. Amanhã, como de costume, haverá outro Curto. A responsabilidade é do Pedro Santos Guerreiro, diretor executivo do Expresso e poeta nas horas vagas.
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