Uma redação de uma revista satírica. Um clube nocturno. Um aeroporto.
Uma avenida cheia de gente. Uma festa de Verão. E agora uma igreja.
Nestas terríveis semanas que estamos a viver acordamos a perguntar “Onde
vai ser hoje?”, adormecemos sem saber em que lugar aquela noite se pode
transformar num pesadelo. E o pior é que, para além dos que propõem
leituras simples que quase sempre são erradas, não sabemos o que pensar.
E o pior é que temos a percepção de que as autoridades, os nossos
eleitos, os nossos políticos, não sabem o que fazer e ainda menos o que
dizer, pois quase só proferem inanidades que nada adiantam.
No dia em que foi
a vez de um padre ser degolado no interior de uma igreja
do norte de França não podia o Macroscópio deixar de propor algumas
leituras que, mesmo colocando o dedo em algumas feridas, estão longe de
propor a solução do mal destes dias. Nenhum dos textos que vos proporei
foi escrito a propósito do que se passou em Saint-Etienne de Rouvray,
alguns têm já alguns dias ou semanas, mas todos eles, espero, ajudam a
pensar.
Começo por uma reportagem que é também uma viagem à França de 2016, à
França de Saint-Dennis, o subúrbio de onde saíram os terroristas do
Bataclan, como à França do nordeste desindustrializado, a uma pequena
cidade, Hayange, onde a Frente Nacional já ocupou o lugar que antes
pertencia à esquerda socialista e comunista.
Islam and the French Republic
é um longo texto de Ben Judah saído na edição de Julho/Agosto da
Standpoint que merece ser lido com o tempo que esta época do ano
propicia. Pequeno extracto (muito difícil de escolher, pois o texto está
cheio de referências interessantes): “
The left’s ideology is
muddled, the right’s is vague, but Marine’s is crystal clear. They call
it Le Grand Remplacement: the idea that France is ceasing to be France
demographically, that slowly this century the old majority is being
replaced by a new one, of immigrant ethnicity. The Great Replacing boils
down to a simple claim. Immigrants are arriving in large numbers and
having more children than natives. Unless this is stopped, the idea that
true French will become a minority will constantly be on France’s mind.”
Continuo com um ensaio de um estudioso da História, Tom Holland (autor de livros como
Rubicão,
Fogo Persa,
Milénio ou
Sob o Signo da Espada), publicado pela First Things:
All The East Is Moving.
Este ensaio começa por nos contar como, em 955, Otto I, o Grande,
derrotou na batalha de Lech os húngaros cujas migrações (na altura
chamavam-lhes invasões) estavam a submergir as regiões que hoje formam o
sul da Alemanha. A partir daí estabelece-se um paralelo entre as formas
como a Europa de então – que se identificava com a Cristandade – lidou
com essas migrações. E depois conclui-se:
“
Otto the Great, despite the brutality with which he trampled down
the Hungarians on the plain of the Lech, never doubted that migrants
from beyond the limits of Christendom could be integrated into his
realm. Baptism offered any pagans who wished to take their place among
the ranks of the Christian people a ready entry visa. The defeated
Hungarians were not alone in accepting it. In France and England, so did
Viking chieftains cornered by their adversaries, and offered lands if
they would only bow their necks to Christ. The forefathers of those same
Normans who conquered Sicily back from Islam had been worshippers of
Odin. Today, though, in a Europe that has ceased to be Christendom, no
ritual comparable to baptism exists—nor could possibly exist. The
nearest equivalents may be the classes given in Norway to refugees about
the principle of sexual consent, or the cards issued by the Austrian
government to migrants advising them that it is perfectly permissible
for two men to kiss.”
Este ensaio proporciona uma boa passagem para o texto de Bret Stephens no Wall Street
Journ[JMF1] al,
Is Europe Helpless? A civilization that believes in nothing will ultimately submit to anything. Escrito a propósito dos atentados de Nice, é um texto que discute o que o autor considera ser uma Europa que mistura “
French political weakness with German moral solipsism”, “
a formula for rapid civilizational decline, however many economic or military resources the EU may have at its disposal.” Daí que defenda a ideia, muito pessimista, de que “
Europeans
will have to learn that powerlessness can be as corrupting as power—and
much more dangerous. The storm of terror that is descending on Europe
will not end in some new politics of inclusion, community outreach, more
foreign aid or one of Mrs. Merkel’s diplomatic Rube Goldbergs. It will
end in rivers of blood. Theirs or yours?”
Falar deles e de nós é extremamente difícil na Europa, pelo que ao menos
que se fale dos que protagonizam estes ataques, sem procurar desculpas
ou explicações. Bernard Henri-Levy fá-lo num texto publicado na Time,
Logic Does Not Explain Nice Attack—Or Jihad. É um texto organizado em torno de algumas questões –
Terrorist or psychopath?;
Was he a “lone wolf”?;
Who
is responsible?; What? An Islamist who did not attend a mosque or
observe Ramadan? Who salsa danced and drank beer?; Why Nice? Why France?
What did we do to find ourselves once again in the line of fire? – e que termina com a seguinte conclusão: “
The
truth is that jihadism strikes everywhere. It has no shortage of
targets, and these are chosen purely opportunistically. Orlando one day.
Tunisia or Bangladesh the next. Or Brussels, Istanbul, or Nice, if that
is where jihadism detects vulnerability. It is a mistake to attribute
to this array of randomly chosen targets more sense than it has. And it
is an even worse mistake to give jihad credit for having a mind that is
programming its offensives as one might play a game of chess. These
people derive their strength from our weaknesses. And the temptation to
overinterpret, to see subtle signs everywhere, to lend to these mean
souls the dignity of a logic they do not have—that is another of our
weaknesses.”
Termino a selecção de hoje com uma análise da correspondente em Berlim
do Le Monde sobre um tema que suscita naturais inquietações: depois da
sequência de ataques e atentados na Baviera, o que vai suceder à
política de braços abertos de Markel? E é verdade, escreve Cécile
Boutelet:
Les attentats fragilisent la politique d’accueil de Merkel.
Até porque os problemas não vêm apenas dos partidos à sua direita ou do
partido-irmão da Baviera, a CSU, também vêm das forças à sua esquerda: “
Politiquement,
la situation est extrêmement tendue. Le spectre agité depuis longtemps
par l’AfD (extrême droite) est devenu réalité. La CSU, parti bavarois
allié de l’Union chrétienne-démocrate d’Angela Merkel, se voit confortée
dans sa position très critique sur le dossier des réfugiés. (…) A
l’autre extrémité politique, Sahra Wagenknecht, présidente du groupe
parlementaire Die Linke (gauche radicale) au Parlement, a elle aussi
renouvelé ses critiques vis-à-vis de la politique d’accueil de la
chancelière et également appelé à davantage de contrôles.
Une position rejetée au sein de son parti, mais partagée par beaucoup dans les milieux populaires.”
Tempos inquietantes, no mínimo. Tempos onde é muito difícil encontrar
uma bússola que nos oriente. Tempos em que necessitamos de reflectir sem
ideias feitas e fugindo das soluções fáceis pois, como um dia notou o
jornalista e crítico Henry Louis Mencken “para todos os problemas
complexos existe sempre uma solução simples, elegante e completamente
errada”
Bom descanso, sobretudo para quem estiver de férias, e melhores leituras. Coragem.