Escrevo este último Macroscópio antes das eleições perto de uma janela
que se abre para uma rua do lisboeta Bairro Alto. Do outro lado da rua
há um edifício onde decorrem obras de recuperação, apenas um entre os
muitos que fui vendo transformarem-se neste ano e meio em que esta é a
minha morada – a morada do Observador. Abro a janela e não me chegam
ecos das campanhas. Sei que não andam longe, houve três que decidiram
descer hoje o Chiado (o PS, a Coligação e a CDU), sei que há também
protestos agendados, mas por aqui está tudo tranquilo. Dos escritórios
já se sai a caminho de um fim-de-semana de responsabilidades acrescidas:
votar para decidir o futuro do nosso país.
Não vou maçá-los com pormenores desta reta final, até porque estão todo no nosso liveblog “
em directo”,
que estará em actualização constante até às 24h00 de hoje, momento em
que a campanha encerra oficialmente. Vamos antes a alguns trabalhos a
ajudam a perceber o que está em causa e às opiniões mais relevantes
disponível online.
As propostas
Primeiro que tudo, o básico: que propõem os partidos? Já aqui vos tinha encaminhado para o
Guia Eleitoral preparado pelo Observador, o mais completo online, sendo que o do Público
também é bem feito.
É uma síntese do essencial dos programas de todos os partidos, uma
síntese que a aproximação dos últimos dias entre o PS e o Bloco de
Esquerda deve ser complementada com a leitura de um breve inventário do
que separa o programa do BE (e também o do PCP) daquilo que defende o
PS. Essa síntese está aqui:
PS+BE? PS+PCP? Estes programas são conciliáveis?
Mas há mais, e bem interessante, sobre os programas das quatro
principais candidaturas: entender o que propõem para a economia. O
melhor é serem os próprios a fazê-lo, e foi isso que o Observador
possibilitou em
Como é que a economia pode crescer mais?. Diogo Feio escreveu pela coligação –
“O Tio Patinhas é bem melhor do que a Maga Patalógica”; João Galamba pelo PS –
“Esta é a alternativa (necessária) para Portugal”; Agostinho Lopes pela CDU –
“Como fazer o país crescer”; e José Gusmão pelo Bloco de Esquerda –
“Três escolhas e um dilema”.
Outra leitura complementar:
Não vota nos grandes? Guia para escolher entre os pequenos partidos.
Os cenários do dia seguinte
Os últimos dias da campanha e, sobretudo, aquilo que as sondagens foram
dizendo sobre as intenções de voto apontam para um dia seguinte difícil
de prever (pode ler aqui a síntese de todos os resultados conhecidos –
Coligação com vantagem de 4, 5 e 6 pontos.
Independentemente de saber quem pode ter mais votos, haverá que saber
como isso se traduz em mandatos e que geometrias são possíveis num
parlamento sem maioria absoluta (se houve um maioria absoluta tudo será
mais simples). Por isso a conversa tem sido sobre cenários e o debate
sobre o que vale mais: os votos ou os mandatos?
Primeiro, os cenários. O David Dinis preparou um especial que é, de longe, aquele que explora mais hipóteses diferentes:
8 cenários para o dia seguinte (alguns são o caos).
Recomendo vivamente a sua leitura, pois o leque de alternativas é tão
grande que pequenas variações no sentido de voto podem revelar-se muito
importantes. Para além disso é um guia para se preparar para a noite
eleitoral com algumas saídas surpreendentes pelo meio. Para cada um dos
cenários foi avaliado o seu grau de risco e de probabilidade. (O Diário
Económico também tratou do tema em
Duas minorias, quantas coligações possíveis?, mas de uma forma muito menos exaustiva. E não esquecer, claro, um trabalho mais antigo, ainda de Agosto, do Observador,
Os cenários mais loucos (e possíveis) das legislativas, tal como um outro sobre os hábitos europeus no que toca a entendimentos partidários,
Coligações? Na Europa, há 14 governos com três ou mais partidos.)
Num registo um pouco mais divertido, e bem mais especulativo, a Helena
Pereira, a Liliana Valente e o Miguel Santos, ainda no Observador,
puseram-se a imaginar como poderia arrumar-se a mesa do Conselho de
Ministros de acordo com os principais cenários em cima da mesa.
Fizeram-no em
Já imaginou quem seriam os ministros de governos de coligação?
E descobriram soluções para todos os gostos e sensibilidades. E, se
quiser ir tentando prever as alianças necessárias para formar maioria no
próximo Parlamento, nada melhor do que usar o nosso “
Calculador de Coligações”. É capaz de lhe fazer muito jeito na noite eleitoral.
Bem mais séria do que estas divagações é o debate sobre como deve o
Presidente da República interpretar os resultados eleitorais, um debate
com várias componentes. Uma é mais jurídico-consitucional: valem mais os
votos ou vale mais a dimensão dos grupos parlamentares que deles
resultarem? A outra é mais política: que legitimidade terá a coligação
para governar se não tiver maioria? e que legitimidade terá o PS para o
fazer se para isso necessitar de fazer acordos de que nunca falou aos
eleitores?
O debate jurídico-constitucional já tem uns dias e já me referi a ele
aqui no Macroscópio, quando citei um texto de Vital Moreira no Diário
Económico:
Sinédoque. Nele se escrevia que “
Sob
o ponto de vista constitucional e político quem forma os governos são
os partidos políticos representados na Assembleia da República e não as
eventuais coligações pré-eleitorais, entretanto desaparecidas. Quando o
Presidente da República tiver de decidir sobre a nomeação do
primeiro-ministro, a sua única referência é a geografia parlamentar
resultante das eleições, independentemente das coligações eleitorais que
tenham existido.” Este argumento foi submetido a um
fact-check aqui no Observador,
A coligação não vale para formar Governo?, e a conclusão a que chegámos é que ele é “enganador”: “
Vital
Moreira pode argumentar que a vitória da coligação, por si só, não
chega para garantir uma nomeação para formar Governo – dependendo da
interpretação do Presidente dos “resultados” e das maiorias que se
possam formar na nova Assembleia. Mas não valoriza que a intenção
manifestada e pública pela atual coligação PàF é essa, que o seu
programa é comum (ao contrário de PCP e Verdes – com estes a
apresentarem um manifesto próprio)
e que a coligação pode ser “renovada” logo após os resultados e que há
mecanismos previstos no regimento da AR para que isso se materialize.”
Recomendo no entanto a leitura de todo o artigo, onde se cita a
Constituição e várias leis, se regressa à argumentação de Vital Moreira e
se fala também com outros constitucionalistas. Se não tivemos receio
de, neste momento, formular um veredito – é para isso que servem os
fact check – a verdade é que, se os resultados de domingo o proporcionarem, a polémica estará aí para lavar e durar.
Para terem mais argumentos na mesma linha de raciocínio de Vital Moreira o artigo a ler é
Passos e Portas não repetirão Governo, de Ivo Miguel Barroso, hoje editado pelo Público.
Duas reportagens especiais
Estarão porventura os leitores do Macroscópio a notar que, hoje, tenho
saído relativamente do Observador e de referências a alguns dos muitos
trabalhos que fizemos nesta campanha eleitoral. Modéstia à parte, é
porque sinto mesmo que são dos melhores que estão disponíveis online e,
seguramente, os maus exaustivos e abrangentes – algo verificável na
nossa página especial
Legislativas 2015.
Mas vou agora abrir uma excepção para referir duas reportagens
diferentes, duas reportagens realizadas por dois veteranos do jornalismo
a convite do Diário de Notícias:
Inês Serra Lopes acompanhou algum tempo a campanha do PS,
Vicente Jorge Silva esteve com a da coligação. Aqui ficam duas breves passagens desses trabalhos:
Reportagem na campanha do PS: Do outro lado do espelho
"Vamos ganhar estas eleições. Vais ver!", lança Maria Rui a um
jornalista. Ouvimos em silêncio a profissão de fé da responsável pelas
relações do PS com a imprensa. Mas ela sabe que estamos a pensar todos
no mesmo: há nas campanhas eleitorais uma dinâmica de vitória que se
sente no ar. Aqui, todavia, não se sente isso. Tudo corre bem. Só isso.
Mas não cheira a poder. Não se sente a excitação e a adesão popular que
costuma vir com a iminência da vitória. Maria Rui sabe isso melhor que
nós, trabalhou para várias maiorias absolutas e já viu algumas derrotas.
Reportagem na campanha da coligação: Laranja e azul, um mundo perfeito
Mas o mistério principal da coligação - e que representa porventura o
seu maior capital - é, efetivamente, Passos Coelho. Há, de facto, dois
Passos Coelho. Um é comunicativo, exuberante e mobilizador, como o que
encontrámos no comício em Braga, no almoço ou numa arruada festiva em
Guimarães e ainda num encontro com militantes da JSD e da JP na Casa das
Artes em Famalicão. E há um outro, tímido, de uma afabilidade
reservada, aparentemente pouco à vontade na sua pele, que foi o que, ao
início da manhã, recebeu os jornalistas num hotel de Vizela para um
pequeno-almoço com declarações off the record. (…) Que leva Passos
Coelho a querer refugiar-se numa redoma, com um discurso redondo perante
os jornalistas, e transfigurar-se depois num orador capaz de levar ao
rubro as plateias de militantes? É talvez uma questão a que o próprio
Passos não saberá responder, dividido que está entre uma personalidade
desconfiada e reservada e outra personalidade comunicativa e exuberante.
As opiniões
Muitas e variadas, se bem que se note um tom mais crítico relativamente à
forma como António Costa dirigiu a sua campanha. Breve seleção,
começando por algumas das cá da casa mas indo depois bem mais longe:
- Não vou votar feliz. E sobretudo não vou votar PS, que eu próprio escrevi: “O
cenário, cada vez mais real, de que Costa quer governar, perdendo as
eleições, com o apoio do Bloco, mostra como o líder do PS não percebeu
sequer como isso é incompatível com continuar na zona euro”;
- O drama eleitoral, de Rui Ramos: “Ontem,
na RTP, Costa sentiu necessidade de esclarecer que não quer lançar o
país no “caos”. Mas o facto de ter de dar essas explicações diz tudo
sobre a estratégia de ruptura que seguiu.”;
- O povo é sereno, de Paulo Ferreira: “Nunca
imaginei que em tão pouco tempo, tanta gente tivesse aprendido tanta
coisa. A lição foi demasiado cara mas, aparentemente, parece estar a ser
assimilada: não se distribui dinheiro que não temos.”
- O Presidente e as coligações, de João Marques de Almeida: “A
partir do dia 5, o centro da política desloca-se para Belém. Sem uma
maioria absoluta, o Presidente torna-se na personagem central da
política nacional. E é irrelevante que esteja em fim de mandato.”;
- Qual é a admiração?, de Maria de Fátima Bonifácio: “Costa
não foi, não é, um líder desta cepa. Tem o cargo, mas não lidera. Ainda
que ganhe as eleições, não liderará o País: irá ao sabor das ventanias,
como até aqui. Continuará sem rumo certo e seguro.”;
- Escolher, de Maria João Avillez: “Fui-me
espantando de vez para vez, não era este político que tinha na cabeça
quando tudo isto começou, em Maio de 2014, no jardim da Ribeira das
Naus. Que esquisito. Tanto nevoeiro que entrou.”
- Estabilidade precisa-se, de Helena Garrido no Jornal de Negócios: “É
preciso ser realista. A disciplina financeira no Estado, nas empresas e
nas famílias continuará a ser uma regra, ganhe quem ganhar as eleições.
As medidas adoptadas na era da troika foram basicamente de emergência,
de bombeiro que tem de apagar o fogo da falta de dinheiro. É preciso
agora, calmamente, modernizar o Estado, torná-lo mais pequeno.”
- #Passos bem, #Costa mal, de António Costa, no Diário Económico: “Passos tirou o país da bancarrota, Costa mostrou que não sabe sequer o que quer fazer dele.”
- Números, de André Macedo, no Diário de Notícias: “Mas
aguardemos por domingo à noite. Além de que o verdadeiro embate vem
logo a seguir: o choque do país com a realidade. Neste capítulo,
vencedores e perdedores terão de ter digestão rápida para que Portugal
não fique ingovernável e à mercê dos mercados. Isso ninguém pode desejar.”
- Breve carta ao próximo governo, de Ricardo Costa, no Expresso: “Escrevo-lhes
para vos lembrar que a nossa situação económica é frágil, que o
financiamento depende de entidades externas, que o sistema financeiro
está a recuperar de choques sucessivos, que a economia europeia dá
sinais de anemia, que a economia global está frágil. (…) Olhem para nós.
Podem começar pela Segurança Social (…). É que, entre o programa do PS e
o não-programa da coligação, gostávamos de ver algum compromisso que
não fique pela resignação ou por dizer que não há nenhum problema.”
- Passos ouviu, Costa não, de Martim Avillez Figueiredo, no Expresso: “O
país enviou sinais muito claros aos candidatos: desejava um ent Costa,
por alguma razão, fingiu que não ouviu. Passos percebeu rápido.”
- Parvoíces, de João Taborda da Gama, na Rádio Renascença: “Uma
das coisas mais características no final das campanhas eleitorais é
inspirarem muita parvoíce. Estava o Partido Socialista em campanha
quando uma senhora tomou o microfone para contar como foi o casamento em
Azeitão do seu filho vindo da China, seguido de copo de água na Quinta
das Torres, também em Azeitão, e logo a seguir voo de regresso à China. A
conclusão, sabe-se lá porquê, era que se tinha de votar em António
Costa.”
- Três cenários para a noite de domingo, de Graça Franco, na Rádio Renascença: “Sabendo
que os valores do Evangelho não estarão por inteiro vertidos em nenhum
programa, mas nem esse facto não nos dispensará da responsabilidade de
optar por um. Depois é simples: por um voto se ganha e por um voto se
perde e esse voto decisivo nunca será o de outro, mas o nosso.”
- Deve governar quem ganha, de Paulo Baldaia, na TSF: "O
PS, quando se viu a perder, fez o que lhe competia apelando ao voto
útil de esquerda, se não o conseguir não pode vir argumentar que está em
melhores condições para governar. Essa legitimidade consegue-se nas
urnas."
- Campanhas, de Vasco Pulido Valente, no Público: “Não
é fácil definir “arruada”. À primeira vista, elas parecem tentativas
para atrair à força a atenção do povo. O chefe do partido chega, com a
sua corte, a sua “segurança” e uma camioneta ou duas de militantes, a
uma rua suficientemente frequentada e começa a falar a desconhecidos que
estão ali a tratar da sua vida. (…) Não se retira nada desta lusitana
(?) espécie de exercício: nem uma ideia, nem um voto, nem um tostão.”
- As sondagens como líderes, de Marina Costa Lobo, no Público: “Soubemos
esta semana que a Comissão Europeia acha que os contribuintes vão pagar
a factura do Novo Banco, que Maria Luís Albuquerque terá escondido
prejuízo do BPN. Mas essas notícias ficam soterradas na narrativa das
sondagens.”
- Uma campanha triste, de Carlos Fiolhais, no Público: “A
seguir às eleições tem de se pensar na reforma do sistema político, o
que passa pela revisão da lei eleitoral, permitindo a escolha directa de
pessoas.”
(Pequena nota à margem: Boaventura Sousa Santos escreveu no Público, procurando responder à questão sobre se
Portugal é um país mais à esquerda ou mais à direita?
uma das mais surreais definição do que é ser de esquerda ou de direita
que li em dias da minha vida. Leiam sem rirem demasiado.)
Duas notas finais
Termino este Macroscópio, que já vai longo, com mais duas referências a
dois trabalhos do Observador, dois Especiais que reservámos para a recta
final:
Pedro e António, qual é o melhor decisor?, onde Rita Dinis e Liliana Valente avaliam os dois líderes de acordo com cinco critérios:
As maiores conquistas; Personalidade; Experiência política; Capacidade de Negociar; Fazer equipas e
Irritações.
O outro especial, da Catarina Falcão, procura responder à questão sobre se
Precisamos mesmo de uma maioria?. Eis como introduz esse trabalho: “
Haver
uma maioria nas eleições em Portugal é importante para os investidores
estrangeiros, mas não é essencial. As preocupações? A continuidade das
reformas e manter PCP e Bloco fora de jogo.”
Despeço-me agora, desta vez apenas com um voto: o de que vão votar, que
votem em consciência porque isso significará que votarão bem.
Reencontramo-nos segunda-feira, 5 de Outubro, já com muito mais sobre
que falar.
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