Macroscópio – Uma homenagem e uma semana crítica para a Grécia
Macroscópio – Uma homenagem e uma semana crítica para a Grécia
Hoje o Macroscópio vai dividir-se em duas partes. Guardo a segunda delas para a Grécia, já que entramos numa semana que será decisiva para o seu futuro. Mas dedico a primeira a Manuel de Lucena, um dos maiores intelectuais portugueses, que morreu no passado sábado. Era um homem singular neste país em que a singularidade é cada vez mais rara, era sobretudo um homem livre e independente neste país de capelinhas e dependências. Aqui ficam os indispensáveis testemunhos de homenagem, em breves citações:
Manuel de Lucena era um espírito livre, totalmente desalinhado, sempre fora de todas as modas e todas as tribos, com referências, preocupações e uma linguagem que não se encaixavam em nenhuma escola.
Rui Ramos, Observador
Mais do que a inteligência, luminosa e meticulosa, mais do que a cultura, fenomenal e sem fronteiras, tanto quanto o carácter, íntegro e inconformista, o que mais apreciei nele foi a sua liberdade.
António Barreto, Observador
Por entre as muitas viagens e viragens, de 1962 a 2015, soube permanecer sempre o mesmo homem — o inconfundível Manuel de Lucena. Académico, passou sempre ao lado das honrarias e do carreirismo.
Obituário de Jorge Almeida Fernandes, Público (a fotografia é de Enric Rubio, também do Público)
Das inteligências mais criativas e originais que conheci na vida. A sua curiosidade pelas coisas ia além de todos os limites. Um eterno jovem, que aparecia sempre com ideias novas a brilharem-lhe nos olhos. Além do mais – e talvez aqui resida o essencial –, Manuel de Lucena era um homem íntegro e bom.
António Araujo, Malomil
Era fascinante ouvi-lo e lê-lo, até pela sua vastíssima cultura e pela permanente capacidade de surpreender os seus interlocutores. Procurava sempre olhar um tema sob um prisma totalmente diferente daquele que outros pretendiam.
Guilherme d’Oliveira Martins, Público
Leal e frontal, podia-se contar com ele, com o seu apoio ou com a sua oposição, que sempre exprimia abertamente. A sua mente céptica submetia todas as certezas ideológicas ao exercício moderador da interrogação crítica.
João Carlos Espada, Público
No velho GIS e no ICS, manteve a postura de quem achava que o ócio, a conversa e a solidão eram condições para aprender a pensar e desenvolver um pensamento criativo, susceptível de elucidar o mundo.
Maria de Fátima Bonifácio, Observador
Tudo tem de ser resumido, tudo tem de ter um soundbite, tudo tem de passar por um antagonismo. Não há mediaticamente falando espaço para um discurso como o do Manuel Lucena que vale pela sua inteligência e singularidade. No meio de tanta comunicação perdeu-se a capacidade de conversar.
Helena Matos, Observador
Sempre considerei o Manuel um dos homens mais inteligentes, perspicazes e cultos que conheci. Aprendi mais com ele do que com a maior parte dos meus colegas, portugueses ou estrangeiros.
Maria Filomena Mónica, Malomil
Era fundamentalmente um académico sem pretensões, livre e discreto, daqueles que tentam perceber e que nos ajudam a tentar perceber. Um tipo, nas suas palavras, que pensava "umas coisas que não eram mal pensadas".
João Gonçalves, Portugal dos Pequeninos
Foi hoje a enterrar, entre familiares, amigos e muitos dos que o leram e admiraram ao longo dos anos. Lê-lo é, de resto, a melhor homenagem que ainda lhe pode ser prestada. Ler os livros que escreveu, se as editoras se derem ao cuidado de uma reedição. Às vezes pode ser…
Vamos então ao segundo tema deste Macroscópio, a Grécia. Os acontecimentos continuam a evoluir muito depressa e, depois de ontem Alexis Tsipras ter apresentado o seu programa de governo, hoje houve verdadeiro carrocel de reacções – reacções políticas e reacções dos mercados – que justificaram mais um live blog do Observador, com actualização ao minuto. Quando ao debate, ele prossegue nas páginas dos jornais.
Aqui no Observador destaco quatro textos: o de João Marques de Almeida, que trabalhou muitos anos na Comissão Europeia e, emTantos erros em dez dias, defende que “Durante a primeira semana no poder, o governo grego condenou as suas promessas ao fracasso e matou o seu programa eleitoral. O que se seguiu foi uma “tournée” europeia entre o patético e o desastroso”; o de Paulo Ferreira, O país que quer ser a arma de destruição maciça do euro mas não consegue, onde argumenta que “se não conseguir lançar o caos nos mercados, o problema grego é apenas o problema grego”; o de Helena Matos, Idiossincrasias, no qual a autora trata na fixação da comunicação social no usar ou não usar, gravata escrevendo que “Como não há revolução sem o culto das idiossincrasias dos revolucionários estamos agora na questão das gravatas. Ou mais precisamente do sem gravata. Em Portugal nos idos de 75 era o sem sono.”; e finalmente um texto que eu próprio escrevi, já hoje, com um título que procura abrir um debate: A Grécia vai sair do euro? Talvez seja melhor. Eis o seu ponto: “O euro foi um enorme erro e agora dizem-nos que deixar a Grécia sair é um erro ainda maior. Não creio. O maior erro será insistir num projecto que está a minar a democracia e compromete o crescimento.”
Fora do Observador, destaque para duas crónicas de Vasco Pulido Valente no Público, A sra. não está em casa e É estranho? Não é. Pequeno extracto desta última:
Até o sr. Draghi, para não alimentar fantasias, informou o inefável Varoufakis que o crédito fácil tinha definitivamente acabado. O que foi considerado um acto de “chantagem” pelas luminárias de Atenas. Quem assiste a este triste espectáculo, quase que não acredita. Então aqueles terríveis “revolucionários” não sabiam, nem mandaram perguntar, qual seria a atitude da Itália (onde Renzi, ironicamente, ofereceu uma gravata a Tsipras), ou da França, ou da Inglaterra e, sobretudo, da Alemanha? Não, não sabiam, e, se soubessem, não seriam quem são.
Agora, de forma quase telegráfica, algumas análises da imprensa internacional:
- Europa deja que Tsipras se cueza a fuego lento, um texto do El Pais onde se faz o balanço da primeira semana de visitas ás capitais europeias. Aí se constata que “La cruda realidad es que el nuevo Gobierno griego no tiene un solo aliado digno de ese nombre”.
- Wolfgang Münchau escreve no Financial Times um texto significativamente intitulado All Grexit needs is a few more disastrous weeks like this. Extracto: “We saw him walking into a meeting with hedge fund managers in London and posing outside Downing Street. By the time he reached Berlin on Thursday, German politicians and the media were more hostile than ever. By Friday, Athens found itself isolated at a meeting of finance officials in Brussels.”
- Um artigo de Kenneth Rogoff para o Project Syndicate é todo ele uma interrogação: What Is Plan B for Greece? Eis o essencial do que defende: “If concessions to Greece create a precedent that other countries might exploit, so be it. Sooner rather than later, other periphery countries will also need help. Greece, one hopes, will not be forced to leave the eurozone, though temporary options such as imposing capital controls may ultimately prove necessary to prevent a financial meltdown. The eurozone must continue to bend, if it is not to break.”
- Também no Project Syndicate, Anatole Kaletsky explicava porque, na sua opinião, Greece is Playing to Lose. Eis um dos seus argumentos: “Greece’s idealistic new leaders seem to believe that they can overpower bureaucratic opposition without the usual compromises and obfuscations, simply by brandishing their democratic mandate. But the primacy of bureaucracy over democracy is a core principle that EU institutions will never compromise.”
- Simon Nixon fazia, no Wall Street Journal, uma análise muito crua: Syriza’s Missing Ingredient: Investor Respect. Depois da fazer as contas às necessidades de financiamento da Grécia e de explorar os diversos caminhos que o governo de Atenas podia seguir, o autor defendia o seguinte ponto de vista: “By focusing on cutting political deals with the eurozone, he risks overlooking Greece’s real problem: its lack of access to markets. So long as investors continue to shun the Greek government, banks and companies, Mr. Tsipras has no chance of leading an economic revival, regardless of any restructuring of Greece’s debt.”
- Há um texto extraordinariamente divertido na Spectator – os textos da revista são tradicionalmente iconoclastas – que vale a pena ler: Taki’s recipe for the survival of the Greek nation. Taki é Taki Theodoracopulos, um colaborador da Spectator que escreve, desde 1977, a sua muito apreciada coluna High Life e que, desta vez, a partir da Grécia, nos conta como viu chegar Tsipras ao poder, como vê nele uma espécie de Che Guevara disfarçado e como está absolutamente convencido que as suas sugestões não vão ser seguidas.
- Chamo por fim a atenção para uma coluna de um jornal alemão de centro-esquerda, o Süddeutsche Zeitung, aqui traduzida para inglês: A German Dose Of Skepticism On Tsipras And Friends. Eis um pouco das razões de cepticismo: “The remarks made by new Greek Prime Minister Alexis Tsipras and his ministers might entice us to be skeptical, whether it be about the expansion of striking rights, the reappointment of civil servants, reinstatement of the 13th monthly pension payment or the end of privatization. The new government deserves credit for its attention to the poor who have suffered most under austerity policies. What Europe can do to boost the economy should be considered. This, however, should not be confused with a return to a dysfunctional economic structure ruled by monopolies, inefficient state-owned enterprises and a civil service that outnumbers that of most other EU states by two to one.”
Já vai longo o Macroscópio, pelo que me despeço não porque me faltem mais sugestões, mas porque as que deixo já são numerosas. Amanhã estarei de volta.
Bom descanso e boas leituras.
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