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Por Ricardo Marques
Jornalista
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29 de Abril de 2016 |
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Para onde o vento nos levar
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Os miúdos acham que é magia e é por isso adoram carrinhos telecomandados. Dois objetos sem nada a ligá-los mas que funcionam como um só. Carregam num botão, e o carro anda para frente. Carregam noutro, e ele anda para trás. Há mais dois botões para mudar de direção, levando-o mais para a esquerda ou mais para a direita. Como? Estranha geringonça esta. Entre o comando e o carro não há nada.
Depois crescemos e a magia desaparece porque alguém nos explica que, na verdade, esse vazio está cheio de radio frequências (e não só) e é através delas que o comando faz o carro mexer. Agora queremos carros maiores, que não caibam na palma da mão, que andem mais depressa e não precisem de comando. Claro que, em dias como o de hoje, com um protesto de taxistas em marcha lenta por Lisboa, Porto e Faro a ameaçar paralisar as cidades "até ao natal", os carros ficam parados e (nessa e só nessa condição) pegamos no telemóvel para ler o Expresso Curto. Sobra tempo para a nostalgia e para contemplar o mundo lá fora à espera que a magia reapareça.
Não é difícil. Basta olhar as folhas que balançam nas árvores. Não vemos o vento que as faz mexer, mas sabemos que está lá (fraco num dia de sol, diz o IPMA). Como sabemos que nunca o conseguiremos parar com as mãos. E este é o problema da guerra entre os taxis e a Uber. Podemos discutir todas as implicações legais em todos os países do mundo e todos os pontos de vista, mas não podemos perder de vista o essencial: as sociedades modernas são sociedades de pessoas diferentes que querem as mesmas coisas de sempre. Quanto mais baratas melhor, quanto mais depressa melhor. Foi há três meses, mas parece que já foi há três anos, que em pleno Forum Económico de Davos ouvimos falar da Quarta Revolução Industrial e dos 5 milhões de empregos que vão desaparecer. Os pequenos carros telecomandados de ontem já não respondem aos botões.
Caminhamos para um mundo diferente, imparável, que avança para nós a mil à hora e a resposta dos taxis não podia ser mais simbólica: uma marcha lenta contra a Uber, um serviço online que funciona à base de telemóveis com Internet de alta velocidade. Pense no seguinte: Quantas vezes usou um táxi no último mês? Quantas vezes já pegou no telemóvel para usar conteúdos online hoje? Quantos minutos já perdeu na Internet esta manhã? Está a fazê-lo agora. Essa diferença explica tudo. O mundo está a mudar e é preciso ter consciência de que será muito difícil travar essa mudança. Claro que nada é inevitável, mas tudo tem consequências. Podemos bloquear o acesso à app da Uber, podemos inundar os tribunais de processos, podemos ilegalizar ou até desligar a Internet. A guerra é global e complexa.
Ontem à tarde, véspera do grande protesto, a Uber enviou um email aos clientes a alertar para as complicações desta manhã e a prometer fazer tudo o que fosse possível para os ajudar a chegar depressa ao destino. O Expresso preparou um guia para evitar problemas. Em Lisboa, onde são esperados cerca de quatro mil lentos táxis, arrancam da zona do Parque das Nações às nove e só devem chegar à Assembleia da República às 13h00. Portanto, se não conseguiu escapar, aproveite a pausa no trânsito e veja aqui como o problema não é exclusivo de Portugal - em Nova Iorque, a Uber já ultrapassou os táxis (este artigo tem uns dias). E se quer mesmo espantar-se, imagine o dia em que taxistas e condutores da Uber vão marchar, lentamente, lado a lado contra a Car2Go...
Ivo Andric, em "A Ponte sobre o Drina", escreveu sobre 1914 uma frase cheia de atualidade
"Estava-se num período de fronteira entre duas épocas da história humana, de onde era muito mais fácil avistar o fim da época que se encerrava do que o principio dessoutra que se abria."
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OUTRAS NOTICIAS Marcelo está a caminho de Moçambique e Moçambique está a caminho de qualquer coisa que ainda não se percebeu bem o que é. Mas, pelos sinais, não parece bom. Ontem foi descoberta uma vala comum o centro do país. O Presidente da República tem viagem marcada para o início da próxima semana.
Aqui pode ouvir as hesitantes respostas que Carlos Albuquerque, diretor do Departamento de Supervisão do Banco de Portugal vai dando a uma deputada do PSD até admitir que o primeiro-ministro, António Costa, é um dos responsáveis políticos que diminuíram a confiança no Banif.
Dois eurodeputados comunistas apresentaram no Parlamento Europeu uma declaração escrita em que defendem a renegociação da dívida dos países mais endividados – algo que António Costa já por várias vezes recusou. Sendo algo que parece ser mas não é, ou que é e não parece, a coisa vai andando, como fez questão de garantir António Costa no debate no Parlamento
Qualquer artigo que tenha a palavra "secretos" no título é irresistível. Este tem também as palavras "Centeno" e "números". E às 23h57 de ontem, na homepage do Expresso, estava logo a seguir a um outro artigo cujo título é "Governo nega envio de plano de contingência secreto para Bruxelas" . Prepare-se porque vai ouvir falar muito do Plano de Estabilidade durante o dia de hoje.
Na Síria, a ONU considera catastrófica a situação em Aleppo e o representante das Nações Unidas admite que o cessar fogo assinado a 27 de fevereiro está em estado crítico.
"Two months ago, across an assembly-room table in a factory in Jacksonville, Fla., President Barack Obama was talking to me about the problem of political capital". Começa assim o enorme artigo de Andrew Ross Sorkin no The New York Times que faz o balanço da presidência Obama em matéria de economia. A não perder. Mesmo.
Já que está pelo jornal americano, e agora que Donald Trump parece irremediavelmente lançado para a corrida presidencial, perca uns minutos a perceber como tudo podia ser diferente se ao menos tudo fosse diferente. É um exercício político e matemático engraçado: numa eleição a três, em vez de ganhar o que tem mais votos (mesmo que tenha menos votos do que os outros dois juntos), devia ganhar o preferido das pessoas. Ou seja, em vez de votar em um candidato, os eleitores votavam nos três, mas por ordem de preferência. Se fosse assim, John Kasic seria Donald Trump.
É um grande jornal, o The New York Times - e com um grande problema: duas funcionárias negras, sexagenárias, acusam um dos responsáveis do jornal de promover uma cultura que favorece os funcionários brancos, jovens e solteiros.
Há tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo no Brasil que é difícil, e arriscado, destacar o que quer que seja. Para não correr o risco de ficar desatualizado, e para evitar que suceda o mesmo consigo, o meu conselho é que vá dando um salto à Folha de S. Paulo ou à Veja.
A Venezuela é o mundo virado ao contrário. Primeiro acabaram as sextas-feiras, tornadas sábados, agora os funcionários públicos só trabalham duas manhãs por semana. E nada disso é bom. A mais recente aposta do presidente para derrotar a crise económica, anunciou o próprio (Nicolas Maduro aproveitou também para anunciar que quer ficar mais dois anos na presidência e que reduziu o poder do parlamento após ter sido aprovada uma moção de censura), são os Comités Locales de Abastecimiento y Producción, os Clap, agora transformados em micro-governos de cada comunidade. Não fosse trágica a situação de milhões de pessoas, e se não houvesse entre elas milhares de portugueses e lusodescendentes, e se não pairasse no ar a ameaça de algo muito grave... Sim, se o mundo fosse ao contrário, talvez desse para aplaudir com um "clap, clap". Mas não é.
A greve dos Estivadores é a excepção que confirma a regra. O vento pode soprar forte, o mundo pode mudar, mas enquanto houver mar, navios e carga, haverá sempre uma greve de estivadores. Ontem, depois de a Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares alertar para as consequências da greve em curso - "particularmente dramática para a indústria de alimentos compostos para animais, mas que pode rapidamente afetar a alimentação humana", e depois de o Governo decretar serviços mínimos, o sindicato anunciou que estendeu o pré-aviso para o Porto de Lisboa até 27 de maio.
Calado fala. Ao Expresso, o antigo jogador José Calado fala do Benfica, que joga hoje com o Guimarães, e do Sporting, que joga amanhã com o Porto. Jogos que pode ver nos canais pagos ou, sinal dos tempos, à borla através de sites ilegais na Internet.
FRASE: "No último set, tive alguns problemas físicos que se calhar me impediram, a nível físico e mental, de acabar bem o encontro", João Sousa, melhor tenista português da atualidade, após ter sido eliminado no Millenium Estoril Open, que deixou de ter atletas nacionais
MANCHETES Correio da Manhã: "Vice de Pinto da Costa gere máfia da noite" Público: "Governo prepara medidas para aumentar impostos indirectos" Jornal de Noticias: "Autoestradas-fantasma ameaçam contas do Estado" Diário de Notícias: "Ser um dia líder do PSD? Não se deve dizer nunca" (Maria Luís Albuquerque) i: "A tauromaquia é uma das piores formas de trabalho infantil" (André SIlva)
O QUE ANDO A LER Mal soube do protesto dos táxis fui buscar o livro. Já o li tantas vezes que já o leio por vício.
Chama-se "D. Camilo e o seu pequeno mundo", passa-se na Itália do pós-Guerra, entre 1946 e 1947. D. Camilo é um padre brutamontes, capaz de pegar num banco e derrubar seis ou sete homens. Normalmente, são seis ou sete membros do partido comunista da terra, cujo presidente, e líder comunista inflexível, é Peppone – igualmente bruto.
Todo o livro se faz à volta da relação de D. Camilo com Peppone e de D. Camilo com o Cristo crucificado que está na Igreja, e que fala com ele. Simples como o mundo.
Giovanni Guareshi escreve assim, logo ao início:
"A história não são os homens que a fazem: os homens submetem-se à história como se submetem à geografia. Procurando corrigir a geografia, furando montanhas e desviando rios, tentam convencer-se de que imprimem novo rumo à história; afinal, não modificam mesmo nada, pois um belo dia tudo se vai de roldão: as águas engolem as pontes, quebram os diques, tornam a encher as minas; vão abaixo as casas, os palácios, as choupanas; a erva cresce nos escombros; e tudo volta à terra de onde veio. E os sobreviventes terão de combater as feras à pedrada e a história recomeçará: a história do costume".
A história acaba assim:
"Daqui a mil anos, os homens hão de correr a seis mil quilómetros à hora, em aviões a jato superatómico - e para quê, afinal? Para chegarem ao fim do ano e ficarem de boca aberta diante do mesmo Menino de gesso que o camarada Peppone retocou, uma destas noites, com o pincel mais fininho".
Falta muito para o Natal, mas o tempo, que não anda de táxi nem de Uber, avança sempre. mesmo quando estamos parados.
Se já está há meia-hora no trânsito, não se enerve. Aproveite o momento e a estranha sensação de saber que o presente é igual ao passado e, a julgar pela fila à sua frente, não muito diferente do futuro.
Às seis da tarde, quando chegar o Expresso Diário, já estará longe. Logo à noite, quando for para o ar o Expresso da Meia Noite, já nem se vai lembrar da marcha lenta. Muito menos amanhã, quando chegar às bancas o Expresso.
Tenha um bom dia e um óptimo fim de semana. |
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