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sexta-feira, 8 de maio de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 7 DE MAIO DE 2015

Macroscópio – Há 70 anos, algures no norte de França. O dia do Fim‏

Macroscópio – Há 70 anos, algures no norte de França. O dia do Fim

Para: antoniofonseca40@sapo.pt



Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
 
Foi numa escola em Reims, no nordeste de França. Numa sala relativamente pequena, sem luxos, sentaram-se à mesma mesa os representantes dos altos comandos dos aliados e da Alemanha. Hitler tinha-se suicidado uma semana antes, no fundo do seu bunker numa Berlim já quase tomada pelo Exército Vermelho, e quem lhe sucedeu à cabeça do III Reich – o Almirante Doenitz – assumiu o inevitável: a rendição total e incondicional (é desse momento a imagem deste Macroscópio). Nesse dia, 7 de Maio de 1945, há exactamente 70 anos, a II Guerra Mundial chegava ao fim na Europa – no Oriente só terminaria em Agosto, depois das bombas de Hiroshima e Nagasaki. Vale a pena recordar a forma seca como, no dia seguinte, a BBC deu a notícia: Germany signs unconditional surrender. Até custa a crer na objectividade quase fria do pequeno texto num dia que só podia ser de euforia.
 
Um aniversário redondo, como este, poderia suscitar comemorações especiais, como as que, há um ano, houve na Normandia a propósito dos 70 anos do desembarque aliado, mas em vez disso temos tensão. Muita tensão. As únicas grandes comemorações estão previstas para Moscovo, onde isso acontece todos os anos, só que desta vez os líderes ocidentais declinaram o convite para estarem presentes. E Putin optou por uma demonstração de força. Mas já lá vamos, antes recordemos o que se passou nesses dias finais do mais mortífero conflito da história da Humanidade.
 
O primeiro texto que recomendo é um trabalho multimédia da Spiegel: The Day of the Century: How Germans Experienced End of WWII. É uma viagem gráfica, ilustrada por muitos testemunhos, e com várias paragens: Colónia, a desilusão; Amsterdão, o genocídio; Plauen, as crianças-soldado de Hitler; Nuremberga, os fanáticos; Pilsen, fuga e expulsão; Leipzig, a divisão; e no fim um conjunto de mapas com a evolução da linha da frente desde o início de 1945 até esse dia final da guerra na Europa. É um trabalho que nos mostra uma parte do que é, nos dias de hoje, a memória alemã desse tempo.
 
Outro trabalho muito gráfico é o preparado pela The AtlanticWorld War II: The Fall of Nazi Germany. É uma selecção de fotografias excepcionais, como a que reproduzimos abaixo e nos mostra um adolescente obrigado a lutar nas fileiras da Wehrmacht e que foi capturado pelos aliados. Acaba a chorar como aquilo que, no fundo, ainda era: uma criança.
 
 
Já a Life, que nessa época vivia os seus anos gloriosos, publicou, em Germany Surrenders at Reims, May 7, 1945: A Photographer’s Story, a recapitulação completa do que se passou nessa cidade francesa (é daí a fotografia que encima este mail). São imagens pouco conhecidas mas que mostram o cuidado que houve para que a cerimónia tivesse a dignidade necessária, mesmo constituindo um momento de suprema humilhação da Alemanha. Pessoalmente nunca tinha visto estas imagens.
 
Continuando a falar de imagens, vou recordar outras, as do campo de concentração de Mauthausen, que foi libertado por tropas americanas fez ontem 70 anos. A singularidade desse campo é que um dos muitos espanhóis que para lá foram enviados, Francisco Boix, foi encarregado pelos próprios carcereiros de registar fotograficamente a vida no interior do campo. As suas imagens deviam ter sido todas destruídas, mas não foram, como ontem o Observador lhe n introdução a uma fotogaleria com algumas fotografias muito poderosas - Alerta: algumas destas imagens são chocantes. Era assim a vida (e morte) neste campo de concentração.
 
Na imprensa espanhola há muitos trabalhos, até porque acaba de ser editado um livro com o espólio desse fotógrafo - El fotógrafo del horror. Desses trabalhos destaco um, publicado no El Pais:800 tuits ‘en directo’ desde el infierno de Mauthausen. Como 800 tweets em... 1945? O jornal explica:
Un hombre llamado Antonio Hernández ha retransmitido en directo durante tres meses a través de una cuenta de Twitter cómo es el infierno: a qué huele; quién lo dirige; qué hay de comer; cómo personas que nunca debieron ir a parar allí terminan acostumbrándose también al horror cotidiano. Nació en Molina de Segura (Murcia), en 1907; fue carabinero durante la Guerra Civil española y el preso 4443 de Mauthausen. Su sobrino Carlos le ha hecho hablar en 810 tuits que resumen cuatro años y medio de barbarie en el campo nazi. (…) La cuenta, en la que se han volcado 250 espeluznantes fotografías, ha reunido a más de 40.600 seguidores, que han ido dando ánimos a Antonio ­–“No desfallezcas! ¡Tienes que sobrevivir”-, e incluso han preguntado por seres queridos –“Antonio, mi abuelo está en el campo. ¡Mira a ver si está vivo!”-. El periodista Carlos Hernández, autor de Los últimos españoles de Mauthausen, (Ediciones B) pretendía dar a conocer así la historia de los más de 9.300 españoles que pasaron por los campos de concentración nazis. (…) Este es un resumen de esos cuatro años y medio de infierno a través de más de 800 tuits.
O El Pais seleccionou e editou algumas das entradas dessa conta de Twitter. Não as perca.
 

 
Antes de passarmos à controvérsia das comemorações deste ano, chamo-vos ainda a atenção para a conversa que hoje tive com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto - O dia em que acabou a II Guerra na Europa. Ainda nos lembramos?. Olhámos para trás, discutimos as circunstâncias dos últimos dias do III Reich, falámos sobre o que podemos aprender com os líderes desses tempos e também debatemos temas polémicos, como o bombardeamento massivo das cidades alemãs. Como sempre, foi uma conversa calma, como não se vê nas nossas televisões, cheia de informação, e que também disponibilizamos em podcast ou que pode ser descarregada da SoundCloud do Observador para depois ser ouvida calmamente no seu smartphone.
 
A polémica, como já referimos, está em torno da forma como a Rússia de Putin vai comemorar o Dia da Vitória, no próximo sábado, dia 9. A The Economist introduz bem o tema em Great patriotic war, again, explicando que “Vladimir Putin twists the memory of the Soviet Union’s victory over Nazism to justify his struggle against the West”. Pequena passagem desse artigo: “Mr Putin has appropriated the iconography of Victory Day, along with other Soviet symbols, to assert the dominance of the Russian state and its place in the world. Western leaders used to oblige him, taking part in celebrations meant to mark the country’s resurgence after the Soviet collapse. A decade later, the memory of the second world war was cynically exploited by the Kremlin as a pretext for the annexation of Crimea and the war in Ukraine.”
 
José Milhazes, o jornalista português que melhor conhece a Rússia, também já abordou esta tensão no Observador, em Medo não é sinónimo de respeito. Depois de recordar a dimensão da demonstração de força que está a ser preparada – “O Ministério da Defesa da Rússia decidiu exibir, no próximo dia 9 de Maio, os novos tanques “Armata”, as peças de artilharia “Koalitzia-SV”, o complexo de defesa anti-aérea “Kurganetz-25”, etc., etc. Segundo os militares russos, na parada que se irá realizar na Praça Vermelha participarão 16,5 mil soldados, 194 unidades blindadas, 143 helicópteros e aviões.” – Milhazes sublinha: “A Rússia pode continuar a fabricar armas de destruição em massa cada vez mais sofisticadas, mas nas lojas continuamos a não encontrar computadores, telemóveis, televisores, electrodomésticos ou outros equipamentos “made in Russia”. E isto não se refere apenas a lojas no estrangeiro, mas na própria russa. São cada vez mais raros os cientistas russos nas listas dos prémios Nobel da Economia, Medicina, etc.”
 
Nina L. Khrushcheva, neta do antigo dirigente da União Soviética com o mesmo apelido, também está preocupada com esta deriva, como se pode ler em Putin on Parade, um texto divulgado pelo Project Syndicate. Eis o que ela escreve, por exemplo: “How can one celebrate the end of a war at a time when the descendants of those who fought it (undoubtedly driven by the hope that future generations would live in peace) are killing one another in a brutal little war in eastern Ukraine? What is the point of grandiose fireworks displays amid the firing of real howitzers and rockets?”
 
Yaroslac Brisiuck, um diplomata ucraniano a trabalhar na embaixada de Kiev em Washington, também manifestou as suas inquietações num texto editado pelo Wall Street Journal: Ukraine Remembers the Lessons of World War II. O seu argumento é fácil de sintetizar: “What’s happening today is alarmingly reminiscent of that era. We can’t afford to ignore the parallels.”
 
Ora são exactamente estes paralelos que assustam e inquietam. Hoje devia ser, por toda a Europa, um dia de festa, mas vivemos esta estranha sensação de que há de novo nuvens negras a juntarem-se no horizonte. Já são poucos os que ainda vivem e testemunharam os horrores daqueles anos, mas a memória do que então se passou tem de continuar a ser o grande incentivo para continuarmos a resolver pela negociação as nossas divergências, e a não suscitarmos ou provocarmos os fantasmas e medos que estão sempre presentes nos subterrâneos das nossas sociedades.
 
Leiam, recordem e meditem. Eu estarei de regresso amanhã.
 
 
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