Dia Mundial de Luta contra a Dor: Entrevista ao Dr. Paulo Pina, especialista em Medicina Interna e no tratamento da dor
Hoje, dia 14 de junho é dia "Dia Mundial de Luta contra a Dor" e o Dr. Paulo Pina, médico especialista em Medicina Interna e membro da Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos e da Clínica de Dor do IPOLFG, EPE, diz que “a presença de dor crónica impede o ser humano de um direito constitucional: o exercício da sua cidadania plena”. Leia a entrevista na íntegra aqui no Notícias do Nordeste.
De que forma é que a dor afeta a população portuguesa?
A população portuguesa é profundamente afetada pela presença de dor, mormente pela dor crónica (DC), aquela que persiste há mais de 3 meses.
O impacto da DC é grande e pode ser interpretado do ponto de vista individual, relacional, laboral, económico, etc. Como a existência continuada de uma dor há mais de 3 meses conduz ao aparecimento de uma constelação de sintomas - ansiedade, tristeza, irritabilidade, perda de líbido, desesperança, insónia, entre outros – o mais correto é falar-se de uma doença crónica chamada “síndrome dolorosa crónica” (SDC).
A presença de dor pode afetar a pressão arterial, as frequências respiratória e cardíaca, a glicémia, ou seja, a presença de dor afeta o normal funcionamento do corpo.
Assim se entende que a presença de uma dor afeta a totalidade do ser humano e o seu bem-estar. Ficam comprometidas, por vezes, as atividades básicas de vida (higiene pessoal, vestir/despir, comer, por exemplo) e as instrumentais (fazer compras, limpar a casa, etc.). O ser humano com dor persistente perde, além da sua harmonia interna, a sua função gregária, tendendo para o isolamento social.
São gastos mais de 3000 milhões de euros no combate à SDC. Os custos indiretos (baixas médicas e falta de produtividade) representaram mais de 740 milhões de euros em 2010 relativos a problemas de dores nas articulações e das costas (desde a região cervical até a lombar). A presença de uma DC impede o seu humano de um direito constitucional: o exercício da sua cidadania plena.
Há números relativos à população que sofre de dor crónica?
A DC afeta quase 4 em cada 10 portugueses adultos. Se nos concentrarmos nas pessoas com 65 anos ou mais então 6 em cada 10 indivíduos desse grupo tem DC.
Quais são as patologias que mais provocam dor crónica?
Muitas pessoas pensam que a principal causa de dor moderada a intensa em Portugal é o cancro. Estão enganados. O verdadeiro flagelo que atenta contra a saúde dos portugueses é a DC causada por problemas nas distintas articulações do corpo, quer as artroses (deformações) quer as artrites (inflamações); fragilidade da massa óssea (osteoporose); e perturbações nas vértebras (como as hérnias, p.e.).
Como é que a dor pode ser avaliada/medida?
Para se entender como a dor pode ser avaliada é importante que os portugueses entendam – parafraseando Fernando Pessoa – que “a dor que deveras sentem nem sempre é dor”. O que quer isto dizer? Certas vezes a dor pode não afetar os ossos, músculos ou vísceras da maneira como estamos habituados a senti-la desde a infância; aquilo que vulgarmente chamamos “mal”, “dor” ou “pressão”. Alguns doentes podem não sentir nada disso: podem apenas ter “ardor”, “formigueiro”, “moinha”, “vidrinhos”, “descargas elétricas” que vão e vêm, etc. Todos estes são descritivos de DC e o doente (ainda que não os sinta como dor) deve ser instruído a comunicá-los, sem receio, ao seu enfermeiro ou médico de família. Por conseguinte, tentando congregar estes aspetos, em 1979, a dor foi definida como sendo “uma sensação ou uma experiência emocional desagradável”. Para alguns doentes a sua maleita não é bem dor; é o tal desconforto, desagrado, que o próprio e/ou a família desprezam.
A Direcção-Geral da Saúde tem feito um grande esforço para divulgar algumas estratégias para mensurar a DC nas consultas de cuidados primários e nos hospitais. São usadas escalas unidimensionais que apenas medem a dor, como as numéricas simples (pontuadas de zero a dez, o valor máximo) e as qualitativas (avaliando a dor como: ausente, ligeira, moderada, intensa e insuportável). Nas crianças são usadas escalas de faces com 5 expressões desde o choro até ao riso. Nas populações com défices de comunicação ou de compreensão (bébés, dementes, por exemplo) existem as escalas comportamentais que indiretamente predizem a dor sentida (vocalizações, expressão facial, posição corporal e comportamentos, consolo possível). Há ainda escalas multidimensionais que para além da avaliação da dor verificam o impacto desta nas atividades de vida diária (como sono, alimentação, marcha, comunicação, etc.).
Quais as principais estratégias de combate à dor que são utilizadas hoje em dia nos hospitais e unidades de cuidados primários portugueses?
Os hospitais têm políticas de controlo da dor e muitos tiveram campanhas sobre a “dor como 5.º sinal vital”. Existem protocolos de dor aguda no pós-operatório imediato, os quais estão desenhados principalmente por anestesiologistas.
Todavia os doentes internados em distintos serviços hospitalares, mesmo doentes intervencionados que já não estão sob a observação direta da anestesiologia, e doentes de algumas especialidades médicas sem necessidade cirúrgica podem ter a dor não totalmente controlada. Certos poderão ter alta com medicação analgésica insuficiente ou ausente. Outros mantém-se em consultas de diferentes especialidades com tratamentos pouco idóneos.
É certo que existem nos hospitais as Consultas/Clínicas/Unidades de Dor mas que não podem receber todos os casos, seguindo apenas os doentes complexos, sendo utilizadas técnicas mais específicas (como os bloqueios de nervos periféricos e centrais).
Qualquer médico de qualquer especialidade deve saber tratar a dor e não ter receio de usar analgésicos com potência fraca (se a dor é ligeira a moderada) e com potência superior (se a dor é intensa).
Compete aos profissionais de saúde dos hospitais educar os doentes que o adágio “a dor não mata mas mói” é verdade mas não tem sentido no século XXI. A dor inevitável (aquela que o doente considera moderada a intensa, que nunca a esquece e que afeta todas as suas funções humanas) pode e deve ser combatida. Também há que dizer aos doentes que alguma dor pode ser inevitável pois está associada a um dano (fratura, ferida, artrose, etc.) mas este tipo de dor deve ser ligeiro de intensidade e nunca intenso. É totalmente desajustado um doente afirmar que “a dor é imensa… mas há-de passar!” e é negligente o profissional que perante esta expressão de sofrimento nada faz. O profissional de saúde deve ter uma solicitude perante a dor do outro e fazer tudo para ela ser controlada, nunca a banalizando.
Já nos cuidados de saúde primários (CSP), a dor não é um indicador de qualidade obrigatório. É obrigatória a avaliação da dor apenas no seio das equipas de cuidados continuados integrados.
Há poucos protocolos de tratamento da dor na “sala de curativos”, dependendo o tratamento não de normas mas de opinião de cada profissional em relação ao caso. É urgente a existência de protocolos analgésicos uniformes nos CSP.
No futuro deveria haver consultas básicas de dor nos CSP. O controlo da dor deveria começar nos CSP e apenas os casos refratários deveriam ser encaminhados para as consultas de dor hospitalares.
A gestão da DC passa por medicação oral e transdérmica segundo a OMS e não pelo uso repetido de injeções intramusculares. Mais de 80% dos casos de DC podem ser geridos com medicação que se vende nas farmácias de bairro.
É oneroso (tempo, transporte, incómodo) para um doente ter que ir ao hospital mais próximo a uma consulta de dor.
Os médicos e os enfermeiros de família treinados (formação e estágios) poderiam ser a ponte para a resolução da maioria dos casos de DC na comunidade.
A causa da dor deve ser sempre conhecida antes de iniciar um tratamento, ou pode tratar-se uma dor cuja origem não é detetável?
A pergunta é ambivalente. Obviamente que para melhor tratar um doente tenho que saber qual o problema que existe para adequar as estratégias e os medicamentos. Há que saber a causa da dor. Esta aparece em exames complementares de diagnóstico.
Os analgésicos existem para combater a dor (fenómeno subjetivo de sofrimento individual, intransmissível, incomparável por único) e não a causa de dor (dano objetivável ou estímulo ou lesão, que pode ser similar ou comparável em vários indivíduos, por exemplo, grau de artrose ou de osteoporose).
A maioria dos doentes com DC já tem a causa de dor mais do que conhecida e ainda não está a ser exposto a um tratamento exemplar. Por alguma razão todos os medicamentos para a dor – divulgados em diversos programas de TV por meio de figuras públicas – têm bastante saída comercial. No meu entender não pela sua maravilha científica mas pela promessa feita: retirar a dor, que é o que o doente mais procura, e cuja resolução está nas mãos dos profissionais de saúde.
As estratégias de combate à dor são apenas farmacológicas ou há abordagens alternativas que os médicos podem/devem considerar?
Todas as medidas que distraiam o ser humano do seu sofrimento são bem-vindas.
Assim como todas as medidas que validam a presença da sua dor. O doente tem que se sentir apoiado. O pior é não acreditar na dor do doente. O primeiro passo é ouvir, esclarecer, recomendar: como evitar os fatores que agravam a dor (posicionamentos corporais, uso de sapatos apertados, etc.) e como beneficiar de tudo o que possa atenuá-la (sestas, cintas, ligaduras, almofadas, pensos atraumáticos, por exemplo).
O objetivo é iludir/confundir o sistema nervoso para que ele não identifique com dor um determinado fenómeno. Por isso às vezes aplicamos calor com relaxante muscular. Outras vezes aplicamos frio nas lesões mais recentes e agudas. Estes agentes físicos têm sido usados desde há dezenas de anos.
Outras medidas passam por “confundir” o ponto doloroso com massagem terapêutica, medidas de relaxamento, acupunctura, electroestimulação nervosa transcutânea, etc.
Algumas medidas visam também controlar a dor com medidas mais cognitivas e comportamentais como a imagética (ensinar ao doente a pensar numa imagem agradável quando chega a dor), os pensamentos construtivos e positivos, a hipnose, etc.
A arte-terapia com ajuda da música, da representação teatral, da pintura pode ajudar a trazer a dor à colação e ajustar medidas para o seu controlo.
De que forma é que a dor afeta a população portuguesa?
A população portuguesa é profundamente afetada pela presença de dor, mormente pela dor crónica (DC), aquela que persiste há mais de 3 meses.
O impacto da DC é grande e pode ser interpretado do ponto de vista individual, relacional, laboral, económico, etc. Como a existência continuada de uma dor há mais de 3 meses conduz ao aparecimento de uma constelação de sintomas - ansiedade, tristeza, irritabilidade, perda de líbido, desesperança, insónia, entre outros – o mais correto é falar-se de uma doença crónica chamada “síndrome dolorosa crónica” (SDC).
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Assim se entende que a presença de uma dor afeta a totalidade do ser humano e o seu bem-estar. Ficam comprometidas, por vezes, as atividades básicas de vida (higiene pessoal, vestir/despir, comer, por exemplo) e as instrumentais (fazer compras, limpar a casa, etc.). O ser humano com dor persistente perde, além da sua harmonia interna, a sua função gregária, tendendo para o isolamento social.
São gastos mais de 3000 milhões de euros no combate à SDC. Os custos indiretos (baixas médicas e falta de produtividade) representaram mais de 740 milhões de euros em 2010 relativos a problemas de dores nas articulações e das costas (desde a região cervical até a lombar). A presença de uma DC impede o seu humano de um direito constitucional: o exercício da sua cidadania plena.
Há números relativos à população que sofre de dor crónica?
A DC afeta quase 4 em cada 10 portugueses adultos. Se nos concentrarmos nas pessoas com 65 anos ou mais então 6 em cada 10 indivíduos desse grupo tem DC.
Quais são as patologias que mais provocam dor crónica?
Muitas pessoas pensam que a principal causa de dor moderada a intensa em Portugal é o cancro. Estão enganados. O verdadeiro flagelo que atenta contra a saúde dos portugueses é a DC causada por problemas nas distintas articulações do corpo, quer as artroses (deformações) quer as artrites (inflamações); fragilidade da massa óssea (osteoporose); e perturbações nas vértebras (como as hérnias, p.e.).
Como é que a dor pode ser avaliada/medida?
Para se entender como a dor pode ser avaliada é importante que os portugueses entendam – parafraseando Fernando Pessoa – que “a dor que deveras sentem nem sempre é dor”. O que quer isto dizer? Certas vezes a dor pode não afetar os ossos, músculos ou vísceras da maneira como estamos habituados a senti-la desde a infância; aquilo que vulgarmente chamamos “mal”, “dor” ou “pressão”. Alguns doentes podem não sentir nada disso: podem apenas ter “ardor”, “formigueiro”, “moinha”, “vidrinhos”, “descargas elétricas” que vão e vêm, etc. Todos estes são descritivos de DC e o doente (ainda que não os sinta como dor) deve ser instruído a comunicá-los, sem receio, ao seu enfermeiro ou médico de família. Por conseguinte, tentando congregar estes aspetos, em 1979, a dor foi definida como sendo “uma sensação ou uma experiência emocional desagradável”. Para alguns doentes a sua maleita não é bem dor; é o tal desconforto, desagrado, que o próprio e/ou a família desprezam.
A Direcção-Geral da Saúde tem feito um grande esforço para divulgar algumas estratégias para mensurar a DC nas consultas de cuidados primários e nos hospitais. São usadas escalas unidimensionais que apenas medem a dor, como as numéricas simples (pontuadas de zero a dez, o valor máximo) e as qualitativas (avaliando a dor como: ausente, ligeira, moderada, intensa e insuportável). Nas crianças são usadas escalas de faces com 5 expressões desde o choro até ao riso. Nas populações com défices de comunicação ou de compreensão (bébés, dementes, por exemplo) existem as escalas comportamentais que indiretamente predizem a dor sentida (vocalizações, expressão facial, posição corporal e comportamentos, consolo possível). Há ainda escalas multidimensionais que para além da avaliação da dor verificam o impacto desta nas atividades de vida diária (como sono, alimentação, marcha, comunicação, etc.).
Quais as principais estratégias de combate à dor que são utilizadas hoje em dia nos hospitais e unidades de cuidados primários portugueses?
Os hospitais têm políticas de controlo da dor e muitos tiveram campanhas sobre a “dor como 5.º sinal vital”. Existem protocolos de dor aguda no pós-operatório imediato, os quais estão desenhados principalmente por anestesiologistas.
Todavia os doentes internados em distintos serviços hospitalares, mesmo doentes intervencionados que já não estão sob a observação direta da anestesiologia, e doentes de algumas especialidades médicas sem necessidade cirúrgica podem ter a dor não totalmente controlada. Certos poderão ter alta com medicação analgésica insuficiente ou ausente. Outros mantém-se em consultas de diferentes especialidades com tratamentos pouco idóneos.
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Já nos cuidados de saúde primários (CSP), a dor não é um indicador de qualidade obrigatório. É obrigatória a avaliação da dor apenas no seio das equipas de cuidados continuados integrados.
Há poucos protocolos de tratamento da dor na “sala de curativos”, dependendo o tratamento não de normas mas de opinião de cada profissional em relação ao caso. É urgente a existência de protocolos analgésicos uniformes nos CSP.
No futuro deveria haver consultas básicas de dor nos CSP. O controlo da dor deveria começar nos CSP e apenas os casos refratários deveriam ser encaminhados para as consultas de dor hospitalares.
A gestão da DC passa por medicação oral e transdérmica segundo a OMS e não pelo uso repetido de injeções intramusculares. Mais de 80% dos casos de DC podem ser geridos com medicação que se vende nas farmácias de bairro.
É oneroso (tempo, transporte, incómodo) para um doente ter que ir ao hospital mais próximo a uma consulta de dor.
Os médicos e os enfermeiros de família treinados (formação e estágios) poderiam ser a ponte para a resolução da maioria dos casos de DC na comunidade.
A causa da dor deve ser sempre conhecida antes de iniciar um tratamento, ou pode tratar-se uma dor cuja origem não é detetável?
A pergunta é ambivalente. Obviamente que para melhor tratar um doente tenho que saber qual o problema que existe para adequar as estratégias e os medicamentos. Há que saber a causa da dor. Esta aparece em exames complementares de diagnóstico.
Os analgésicos existem para combater a dor (fenómeno subjetivo de sofrimento individual, intransmissível, incomparável por único) e não a causa de dor (dano objetivável ou estímulo ou lesão, que pode ser similar ou comparável em vários indivíduos, por exemplo, grau de artrose ou de osteoporose).
A maioria dos doentes com DC já tem a causa de dor mais do que conhecida e ainda não está a ser exposto a um tratamento exemplar. Por alguma razão todos os medicamentos para a dor – divulgados em diversos programas de TV por meio de figuras públicas – têm bastante saída comercial. No meu entender não pela sua maravilha científica mas pela promessa feita: retirar a dor, que é o que o doente mais procura, e cuja resolução está nas mãos dos profissionais de saúde.
As estratégias de combate à dor são apenas farmacológicas ou há abordagens alternativas que os médicos podem/devem considerar?
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O objetivo é iludir/confundir o sistema nervoso para que ele não identifique com dor um determinado fenómeno. Por isso às vezes aplicamos calor com relaxante muscular. Outras vezes aplicamos frio nas lesões mais recentes e agudas. Estes agentes físicos têm sido usados desde há dezenas de anos.
Outras medidas passam por “confundir” o ponto doloroso com massagem terapêutica, medidas de relaxamento, acupunctura, electroestimulação nervosa transcutânea, etc.
Algumas medidas visam também controlar a dor com medidas mais cognitivas e comportamentais como a imagética (ensinar ao doente a pensar numa imagem agradável quando chega a dor), os pensamentos construtivos e positivos, a hipnose, etc.
A arte-terapia com ajuda da música, da representação teatral, da pintura pode ajudar a trazer a dor à colação e ajustar medidas para o seu controlo.
ANTÓNIO FONSECA