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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 11 DE FEVEREIRO DE 2015

Macroscópio – Hoje vamos andar por aí‏

Macroscópio – Hoje vamos andar por aí

Para: antoniofonseca40@sapo.pt

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
Uma noite de facas longas? Um jantar tranquilo com uma agenda comum? À hora a que escrevo não é possível saber como correrá a reunião do Eurogrupo onde está em cima da mesa o tema da Grécia. Nem sequer a que horas terminará. E também é tempo de variar um pouco, e propor-vos leituras que, continuando a passar pela Grécia e também pela Ucrânia, são mais variadas.
 
Vou começar por Portugal e pelo Observador, mesmo correndo o risco de vos falar de um texto que já conhecem, o de Vítor Bento,Eurocrise: uma outra perspectiva. Faço-o porque é um ensaio que já está a dar muito que falar, nalguns casos por interpretações menos correctas do que escreveu o autor. Venha-se por isso à fonte e saiba-se porque defendo Vítor Bento que “após seis anos de crise, a zona euro está pior. O seu mau desempenho não era inevitável e poderia ter sido melhor. Se não foi, tal decorre duma política económica desadequada.” 
 
Salto por cima das reacções sempre acaloradas das redes sociais e da blogosfera para vos referir um texto que procura discutir, sem certezas mas com muitas dúvidas, os argumentos do conselheiro de Estado. É o de Rui Ramos, também aqui no Observador, O Euro, a Grécia, as dúvidas de Vítor Bento e as minhas. Enquanto o argumento de Bento anda muito em torno de que estamos, na Zona Euro, perante “um problema típico de desequilíbrios das balanças de pagamentos em regime de câmbios fixos”, Ramos defende que a questão é política:
O “erro” não está apenas na relutância da Europa do norte em partilhar os seus excedentes. A questão é política e não simplesmente monetária, e como tal não pode ser resolvida pelo expediente das transferências ou por outro qualquer novo malabarismo financeiro.
 
Uma conversa a acompanhar e que certamente se alargará. Mas já que estamos na Europa e com referências à Grécia, queria indicar-vos duas reportagens que, apesar de publicadas em jornais com orientações diferentes – o Guardian, de centro-esquerda, o Wall Street Journal, liberal – nos dão conta de realidades que se distanciam do retrato dominante na comunicação social portuguesa.
 
O Guardian foi até um bairro crítico de Atenas, Perama, paredes meias com o porto do Pireu, uma parte do qual foi privatizada, a outra ainda é pública e tem havido informação distintas sobre o seu futuro. Em Greece’s port in a storm: anger as Syriza stops China extending hold on Piraeus, a repórter conta, por exemplo, como as duas metades do maior porto da Grécia funcionam hoje com ritmos e eficiências radicalmente diferentes. Por um lado, “Five years after its arrival in the Mediterranean, China’s global shipping carrier, Cosco, takes immense pride in the efficiency with which affairs are conducted on these piers. Business activity has tripled since the state-owned conglomerate acquired the port for €500m (£373m), the biggest foreign investment in Greece in modern times.” Por outro lado, “The activity at the Chinese part of the terminal in Perama is a world away from the slow motion on the other side of the port. There state employees protected by labour rules and given higher wages – the result of years of unbending trade unionism – have seen work decline precipitously.” Escritas num jornal como o Guardian, estas palavras têm especial significado.
 
Já o Wall Street Journal foi falar com os donos de pequenas e médias empresas que, depois da aflição da crise, começavam a levantar a cabeça: Can Greek Businesses Even Survive? Interroga-se o jornal. Eis uma das histórias que o jornal conta:
Greek industry has fewer natural advantages. Over the years, red tape, corruption and labor costs have prompted many Greek manufacturers to relocate to neighboring Bulgaria. Mr. Vasiliou says he decided to keep making lights in Greece for “sentimental” reasons. Founded 25 years ago, Bright is focused on interior lighting. It recently outfitted a number of new train stations in Saudi Arabia, including one in Mecca. Despite the company’s track record, a number of clients were reluctant to keep doing business after Greece’s debt problems emerged. Sales plummeted (…). The company managed to keep all of its 150 workers but was forced to cut salaries. (…) In 2014, Bright recorded €17.5 million in sales and Mr. Vasiliou says the company, which is private, remains profitable. But now the jitters have returned. Mr. Vasiliou says customers have started refusing to make down payments on orders out of fear they won’t get their deliveries.
 
Continuando em artigos muitos ligados à actualidade, destaque para um trabalho de fundo do Financial Times sobre o preço dos medicamentos com um foco especial no… da hepatite C. EmHealthcare: The race to cure rising drug costs discute-se exactamente o mesmo tipo de problemas que foram tema de controvérsia a semana passada em Portugal, sendo que o trabalho jornalístico começa com a história de uma doente, Lucinda Porter, uma das 140 mil que já foram tratadas com o novo medicamento nos Estados Unidos (no Reino Unido não há ainda acordo com a farmacêutica). A história não é contada por acaso: “Gilead is a test case in the court of public opinion,” he says. “It has become the poster child for high drug prices.” Muito centrado no problema dos custos crescentes da saúde nos Estados Unidos, o artigo nota:
If there is one thing that the pharma industry and those who foot the US healthcare bill agree on, it is that the US is paying too much relative to other western countries, especially Europe. With only 4.6 per cent of the world’s population, the US is responsible for 33 per cent of global drug spending. The rest of the world is hardly rushing to pick up a bigger share of the bill. Europe and Japan, faced with ageing populations and big fiscal challenges, are trying to contain rising healthcare costs. Developing economies such as China and Brazil also want to keep a tight lid on drug prices as they expand still-fragile health systems.
 
Novo salto de tema, desta vez para falar da desigualdade da mulher no local de trabalho e, sobretudo, no topo das empresas. O trabalho é do rival alemão do Financial Times, o Handelsblatt, que em The Diversity Dividend explica que as poucas mulheres que chegam à liderança de grandes companhias obtêm até melhores resultados do que os homens. Três factos destacados no trabalho:
  • Last year, Germany approved a law that will force the nation’s biggest companies to have women in 30 percent of supervisory board positions starting in 2016.
  • Women in Germany earn on average 22 percent less than men, compared to a European average of 16 percent.
  • The 12 out of Germany’s 30 largest listed companies that have a woman on the board tend to outperform the market.
 
Amy Davidson, da New Yorker, está a seguir o julgamento de Dominique Strauss-Kahn por causa das acusação de lenocínio por ter contratado prostitutas para orgias. É uma descrição de uma incrível dureza cuja leitura recomendo da primeira à última linha. Vejam só estas duas passagens:
Primeira: But, really, “There were only twelve parties in total—that is four per year over three years.” And, at the time, he was head of the International Monetary Fund and had other things to do, such as “saving the world from catastrophe.” If that is the understanding of numbers, big and small, and shady transactions that the head of the I.M.F. brought to the subprime crisis, it’s no wonder that the world economy was such a mess. Many people would consider four orgies a year a rather high toll.
Segunda: Tuesday was Strauss-Kahn’s first day on the stand, in a case that has involved his lawyer asking how anyone can tell that a woman is a prostitute if she is already naked when you arrive in a room and, presumably, no longer has a useful label affixed to her. (And what are the clothes that would have clarified everything? In the New York rape case, D.S.K.’s defenders insinuated that prostitutes wear hotel housekeeping uniforms.) It is a defense whose absurdity is only explainable if one attributes some other qualities to Strauss-Kahn: extreme vanity and a contemptuous view of women.
 
Novo salto de tema para ir até à The Atlantic onde, em ISIS and the Logic of Shock, procura explicar porque é que o Estado Islâmico recorre a vídeos cada vez mais violentos (o mais recente, recorde-se, foi aquele em que se viu um piloto jordano a ser queimado vivo dentro de uma jaula). Depois de recordar que o objectivo primeiro do terrorismo é hoje, como sempre foi historicamente, uma forma de conseguir o máximo de publicidade, o autor vai direito ao ponto: “This brand of terrorism is like a drug: You need to keep ramping up the dose to sustain the pleasure high.” Uma reflexão que importa ler para tentar compreender o que surge como incompreensível.
 
Termino o Macroscópio de hoje regressando a um tema que já me ocupou esta semana: a morte de Manuel de Lucena. Francisco Sarsfield Cabral, que o conhecia deste que se tornaram amigos na Faculdade de Direito em 1956, só hoje escreveu o seu tributo no site da Rádio Renascença. Com um toque muito pessoal:
Em diversos textos evocativos de Manuel de Lucena foi justamente salientada a originalidade do seu pensamento e sobretudo a sua total liberdade. Acrescento duas outras qualidades: a honestidade intelectual do Manuel (que o levava, por exemplo, a deslocações a terras do interior para confirmar dados sobre a extinção dos grémios da lavoura). E a sua frugalidade – era um autêntico “franciscano”, alheio a bens materiais e a toda a espécie de vaidades e honrarias. Um exemplo de vida
 
E por hoje é tudo. Bom descanso e boas leituras. 

 
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