Sete meses de guerra, a iniciativa pertence à Ucrânia, com a Rússia a correr atrás do prejuízo e de uma forma desajeitada
O impensável está mesmo a acontecer. Sete longos meses de guerra nesta nossa Europa. Demasiado tempo e uma eternidade para os martirizados povos da Ucrânia. De facto, só a ofensiva conduz a resultados decisivos, contudo sejamos prudentes e sensatos. Embora não seja ainda tempo de cantar vitória, a verdade é que nos encontramos perante uma nova fase na qual a imprescindível iniciativa passou para o lado certo. O lado de quem foi invadido, de quem luta pela liberdade, de quem se bate pelo direito inalienável de decidir sobre o seu futuro e garantir o restabelecimento da integridade territorial a que tem direito. A tão importante iniciativa estratégica está agora do lado dos ucranianos. De tal modo que a Rússia se viu obrigada a correr atrás do prejuízo, de uma forma desajeitada, mesmo desastrada.
A mobilização anunciada desencadeou a contestação de muitos militares e de faixas amplas de uma população que por isso organizou manifestações de desagrado chegando a atacar centros de recrutamento. Foram muitos os que se puseram em fuga, uns de avião, outros entupindo várias fronteiras terrestres, como as da Finlândia e da Geórgia.
As diretrizes de Shoigu, ou não foram claras ou a sua interpretação foi de tal maneira controversa que as autoridades administrativas prosseguiram um rumo e os militares outro muito diverso deste. O Ministério da Defesa, evidentemente, não está a ser capaz de controlar o processo de mobilização. Desde logo se levantam questões cruciais sobre quem deve ser de facto chamado a cumprir deveres militares e quão eficaz será a força mobilizada. Em suma, uma desorganização total.
Como seria de esperar, quando nada corre bem, há que encontrar, ou mesmo forjar, culpados. Entregar cabeças em bandejas de prata ao estilo do antigo Império Romano parece estar a ser, mais uma vez, o prato favorito de Vladimir Putin. Nada que a história passada não nos tenha ensinado. Como sabemos foi prática comum de Adolf Hitler, em desespero de causa, demitir alguns dos seus melhores generais, como Erwin Rommel e outros, para camuflar os seus próprios erros.
Os problemas da Rússia são mais profundos, de ordem organizacional ou mesmo sistémica e por isso carecem de outro tipo de abordagem. A simples substituição de um General por outro nunca foi a solução. Nada mais desadequado. Em 24 de setembro o Coronel-general Mikhail Mizintsev foi nomeado Vice-ministro da Defesa e responsabilizado pela logística das forças armadas russas. O anterior titular desta pasta, General do exército Dmitry Bulgakov foi assim exonerado, para exercer funções não especificadas, como seria, de resto, de esperar. Mizintsev que serviu durante a campanha russa na Síria, bem como mais recentemente, comandando tropas durante o cerco a Mariupol onde, fruto da sua atuação barbárica, impiedosa e desumana acabou por ficar conhecido como o “ carniceiro” desta cidade mártir. Muito embora esta personagem sinistra conheça bem as necessidades das tropas nas frentes de combate, condição que considero essencial para dirigir bem a uma logística tão complexa, não me parece, que a substituição de líderes militares de alto nível seja uma panaceia para os inúmeros problemas estruturais que estão na base da notória falta de eficácia em combate das forças armadas russas. Cada músico toca por si e o maestro culpa todos por falta de sincronia. A orquestra, por mais músicos que tenha e até tocando os melhores instrumentos, nunca logrará a performance pretendida! A partitura e própria sinfonia serão sempre medíocres.
Assim, o descalabro levou, como não podia deixar de ser, ao rolar de mais esta cabeça pois em 6 dias a Rússia perdeu grande parte do que levou meses a conseguir no Oblast de Kharkiv. 10.000 Quilómetros quadrados foram reconquistados às forças russas que deram literalmente às de vila-diogo abandonado imenso material de guerra que agora está a ser utilizado eficazmente pelos militares ucranianos.
No Oblast de Kherson o cerco à capital aperta cada vez mais e em Lugansk, Lyman corre sérios riscos de regressar a mãos ucranianas.
Solução? Apressar referendos, que para além de ilegais são absolutamente ridículos, pois nenhum dos oblasts em questão se encontra completamente controlado por forças russas. Nem mesmo o de Lugansk.
Claro que estes referendos terão o resultado que seja determinado em Moscovo. Contudo, em nada irão alterar a vontade e a determinação das forças ucranianas em recuperar estes territórios que lhes foram usurpados. Putin, agora ele mesmo, sem quaisquer caixas-de-ressonância, lá vem de novo com as narrativas, já estafadas, da ameaça velada de utilização todas as suas melhores armas, incluindo as de destruição em massa, caso territórios russos sejam ameaçados ou atacados. Pois é, face às múltiplas reações de profunda reprovação provenientes não apenas do Ocidente Alargado considerado inimigo, mais uma vez o Kremlin se apressou a desmentir que os ditos referendos estivessem relacionados com a intenção de utilizar tais armas. Balelas. Mas afinal a Rússia considera ou não a Crimeia - que já foi atacada vezes sem conta - como sendo território seu? Se sim, afinal Medvedev estava a fingir, quando dizia que se abateria sobre Kiev o “Armagedon”, um verdadeiro apocalipse. Obviamente que se tratou, como agora, de uma impingidela! Uma fábula para consumo interno e tentar minar a vontade da opinião pública ocidental, sobretudo os cidadãos menos informados, de continuar a apoiar o esforço de guerra da Ucrânia. Tal como asseverou Omar Bradley, último General de cinco estrelas dos Estados Unidos da América (promovido em setembro de 1950), também Putin e Medvedev, embora decerto com menos lucidez, sabem muito bem que a única maneira de ganhar uma guerra nuclear é garantir que ela nunca comece. A lógica do MAD (acrónimo de Mutual Assured Destruction) que nos deixou viver em paz durante várias décadas, continua tão vivo, eficaz e dissuasor como dantes.
São as ameaças para levar a sério? São. Não devemos porém ficar nem petrificados, nem virar anjinhos ao ponto de deixar de fazer aquilo que consideramos justo, certo e adequado. A liberdade, a Democracia e a tolerância não têm preço.