Macroscópio – Vá lá, um sorriso: o mundo está melhor. E continua a melhorar
Macroscópio – Vá lá, um sorriso: o mundo está melhor. E continua a melhorar
Esta semana, durante a enésima audição parlamentar da comissão de inquérito sobre o caso BES ouvi uma curiosa – e sugestiva – descrição sobre a forma como a supervisão por vezes actua na banca portuguesa: anda com um microscópio para descobrir o mais pequeno detalhe, e não é capaz de recuar um passo para conseguir ter uma visão de conjunto. Vem esta evocação a propósito da minha primeira sugestão para este Macroscópio antes de um fim-de-semana que, em vez de ser de primavera, nos anunciam ser mais ao estilo invernal. E vem porque andamos tantas vezes entretidos nas nossas pequenas coisas do dia-a-dia noticioso, com “casos” ou sem “casos”, ou estamos tão centrados nos problemas da Europa, que por v ezes nem reparamos – nem sabemos – que muitas coisas estão a mudar no Mundo. E para melhor.
É pois uma mensagem optimista aquela com que abro esta newsletter: a VOX encontrou 26 charts and maps that show the world is getting much, much better. A propósito do dia de hoje – 20 de Março foi declarado Dia Internacional da Felicidade – aquele site norte-americano resolveu dar-nos muitas razões para nos sentirmos um pouco mais felizes. Eis algumas delas, que vêm sempre acompanhadas por um gráfico ou um mapa e uma curta explicação: Extreme poverty has fallen; Hunger is falling; Child labor is on the decline; People in developed countries have more leisure time; Life expectancy is rising; Death in childbirth is rarer; etc., etc.. Nã ;o digam se não merece, ao menos, um sorriso.
Abertas assim as hostilidades, seguirá este Macroscópio por muitas e variadas águas, com um grande diversidade de temas.
Para manter (por enquanto) um registo mais divertido, dou uma saltada ao El Pais para ler Hombres políticos y capital erótico. Já se está mesmo a ver qual o pretexto do artigo de Olivia Muñoz-Rojas, uma socióloga formada na London School of Economics. É esse mesmo aquele em que estavam a pensar: Yanis Varoufaquis. Como ela se interroga, ¿Cómo no vamos a sucumbir ante un político elocuente que parece un actor de Hollywood? A referência central do artigo é o trabalho de uma socióloga britânica algo he terodoxa, Catherine Hakim, e a sua conclusão relativamente paradoxal e seguramente muito polémica:
Para muchas mujeres, sobre todo aquellas que deseamos libertad y oportunidades plenas para nosotras y ellos, la propuesta de Hakim sobre el valor positivo, e incluso subversivo, del capital erótico es controvertida. Nos obliga a cuestionar nuestros principios y valores feministas ‘tradicionales’. Nos invita a repensar el papel de nuestro cuerpo como sujeto y objeto erótico y gestor de vida en la sociedad presente y futura desde una visión más pragmática que idealista. Pero si no lo hacemos, quizá es válido preguntarse si no corremos el riesgo de quedarnos atrás nuevamente en el aprovechamiento de lo que, de acuerdo a Hakim, es una gran ventaja histórica y estratégica de las mujeres.
Para continuar no El Pais, mas desta vez recorrendo & agrave; sua edição brasileira, encontrei nele um texto sobre os protestos contra Dilma e a corrupção que é uma espécie de longa carta de despedida de alguém profundamente desiludido com o partido de Lula da Silva: A mais maldita das heranças do PT. Escrita por alguém que assume um ponto de vista bem de esquerda, a escritora Eliane Brum, eis como se justifica o actual estado de desilusão:
O PT, ao trair alguns de seus ideias mais caros, escavou um buraco no Brasil. Um bem grande, que ainda levará tempo para virar marca. Não adianta dizer que outros partidos se corromperam, que outros partidos recuaram, que outros partidos se aliaram a velhas e viciadas raposas políticas. É verdade. Mas o PT tinha um lugar único no espe ctro partidário da redemocratização, ocupava um imaginário muito particular num momento em que se precisava construir novos sentidos para o Brasil. Era o partido “diferente”. Quem acreditou no PT esperou muito mais dele, o que explica o tamanho da dor daqueles que se desfiliaram ou deixaram de militar no partido. A decepção é sempre proporcional à esperança que se tinha depositado naquele que nos decepciona.
Deixo o Brasil mas não deixo artigos escritos por mulheres. A minha próxima sugestão é um texto de Sara Pascoe publicado no Guardian, The hymen remains an evolutionary mystery – and the focus of the oppression of women’s sexuality. Escrito num registo mais tipicamente feminista, não deixa por iss o de reconhecer alguns factos científicos elementares: “Why would virginity be attractive to our hunter-gatherer forebears? Until the recent invention of DNA testing, a man could never be sure that a child was his. Mothers could be damn sure they were related to their kids, but men had no “paternity certainty”. In evolutionary terms, spending time and resources feeding and protecting offspring that will not continue your own genes is a costly mistake. And humans have thus evolved behaviours to prevent this: jealousy, possessiveness, mistrust, and most unfortunately, the oppression and denial of female sexuality.” Pois é. Afinal nem tudo é cultura, muito do que somos tem também explicações na biologia evolucionista, por muito que isso incomode os modernos herdeiros de Rousseau.
Infelizmente a menorização da condição feminina traz consig o muitas histórias trágicas, e o Financial Times conta-nos exemplarmente uma delas em China’s ‘comfort women’ - Thousands of Chinese women were forced into sex slavery during the second world war. A história é a de Zhang Xiantu, que em 1942 foi reduzida à condição de escrava sexual do exército japonês. 70 anos passados as feridas então abertas ainda não sararam – nem nunca sararão:
Zhang Xiantu was only freed because her father paid a ransom. He sold all his sheep, and the payment ruined him. “I felt so angry I couldn’t stand it,” she says. For two years, her stepmother nursed her back to health. Food was scarce. After the communists won, their land was confiscated. “I had nothing to eat, nothing to wear. My parents were also starving, we had nothing. What kind of life was this? I was full of remorse. I didn’t know what to do. When I was young I felt my sin grow bigger with every day I lived.” The price of her freedom ruined the family, she says. “I want the Japanese to pay the money.”
Antes de passar a temas da actualidade, deixem-me ainda recomendar mais um texto com uma mulher no seu centro. Foi publicado no ABC e conta-nos a história de uma neta de Filipe IV de Espanha (o “nosso” Felipe III), a sua suposta neta negra. Contudo, em El misterio de la nieta negra de Felipe IV, conta-se que a ciência moderna pode ter afastado a suspeita de que o tom escuro da pele de uma das suas netas fo sse consequência da conhecida promiscuidade do monarca, que terá tido entre 30 e 40 amantes. Ou seja, como conta o jornal, “María Teresa de Austria engendró a una niña de rasgos moriscos, supuestamente con un joven pigmeo negro llamado «Nabo» que componía su séquito en Francia. En realidad, es posible que el enfermizo bebé sufriera de cianosis, una coloración que deja la piel azulada, o mostrara un gen recesivo de los Médici”. Estaríamos assim perante apenas mais um caso limite e muito raro do mesmo tipo de comportamento dos genes recessivos que permite que dois pais de olhos castanhos tenham um filho de olhos azuis sem que isso seja sinal de qualquer infidelidade.
Deixem-me agora tocar em dois temas de actualidade e bem sérios. O primeiro é a rápida degradação da situação na Venezuela . Harold Trinkunas, num ensaio para a fundação Brookings, define assim a situação naquele país: Running Out of Time: Dimming Prospects for Reform in Venezuela. As suas conclusões são sombrias: “Any successful reform will require that Venezuelans achieve a degree of political and social consensus that they do not presently possess. This means dim prospects for pulling back from the abyss, and an increased likelihood of further political and social turmoil in this troubled nation.”
Fazendo jus a uma longa tradição, a revista The Economist, na sua edição desta semana, quis deixar alguns conselhos a Alexis Tsipras num editorial intitulado Dangerous liaisons, onde se começa por notar que “References to reparations and threats to seize German assets will not solve Greece’s economic woes”. Mas vamos à sugestão que a revista faz ao líder grego:
The Greek leader has charm, and could get along fine with Mrs Merkel—provided he is prepared to eschew the blackmail and shows that his European partners can trust him. He could make a good start by replacing his loquacious finance minister, Yanis Varoufakis, with somebody more pragmatic. He would be well advised also to dump his nationalist coalition partner, the right-wing Independent Greeks, for the more moderate To Potami. At home, rather than allowing his ministers to rail about reparations, he needs to get behind re form, and explain to his voters why Syriza’s extravagant election promises cannot be kept.
Suspeito que Tsipras dará tanta atenção a este conselho como, no passado, Berlusconi deu a alguns editoriais duríssimos da mesma Economist. E que não vamos ter de esperar muito tempo para o saber.
Antes de me despedir, uma estreia no Macroscópio: uma visita a um site americano dedicado à publicação de grandes reportagens:NARRATIVELY. Há muito por onde escolher, mas a minha sugestão vai para um trabalho sobre o primeiro aniversário da revolta da Praça Maidan, em Kiev, um trabalho composto sobretudo por um pequeno vídeo e algumas fotografias, uma reportagem centrada em alguns jovens personagens desses dias decisivo s para a Ucrânia: Backstage of a Revolution.
O Macroscópio regressa na segunda-feira. Até lá, bom fim-de-semana, bom descanso e, claro, boas leituras.
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ANTÓNIO FONSECA