Observador - Desporto
sex, 20/03/2020 13:03
Desporto
Por Bruno Roseiro, Editor de Desporto
Estava apenas a falar com um guarda, sossegado, num canto do pátio. Várias equipas tentaram a sua contratação, entre Los Pitufos, Los Cumbieros, Sport Espada, Villarreal e Milan. Recusou todas, mesmo sabendo que no final do torneio ia haver um avantajado prémio: um leitão de 16 quilos. Naquele dia, aceitou o convite do ex-presidente do Sportivo Luqueño, Fernando González Karjallo. Foi para o seu lado, num mero particular de futsal. Ganhou 11-2. Ganhou, não ganharam. Ganhou porque marcou cinco golos e fez seis assistências. Este foi o último grande jogo que só não mereceu maior cobertura pela falta de câmaras (a não ser uma ou duas, de telemóvel). O jogo feito por Ronaldinho numa prisão em Assunción, no Paraguai, onde vai cumprir este sábado 40 anos.
À partida, esta era uma das poucas notícias da semana sem ligação à pandemia global que tomou conta das vidas de todos nós mas até aqui há uma ligação indireta: uma das arguidas que se encontra em paradeiro incerto não apareceu numa audição por pertencer a um grupo de risco, os telemóveis entretanto apreendidos só deverão ser analisados no prazo de uma semana. Ronaldinho continua preso no Paraguai depois das tentativas para ficar em prisão domiciliária (negada pelo risco de fuga) numa altura em que a Europa se encontra de quarentena, entre estados de alerta e emergência com um único propósito que nada tem a ver com privações de liberdade mas apenas de salvar vidas. Salvar vidas, salvar vidas, salvar vidas. Salvar vidas, nunca será demais repetir. Porque num ápice a COVID-19 que era sobretudo associada à China (até chegar cá…) já tirou no total mais vidas em Itália – e a imagem de Bérgamo, que devia estar agora em festa pela Atalanta, é mais forte do que mil palavras.
Das palmas das pessoas à janela na noite de sábado à disponibilidade de meios humanos, técnicos e equipamentos dos principais clubes nacionais, os pequenos gestos tornaram-se demasiado grandes mas todos os gestos grandes parecem ainda ser pequenos para a situação que Portugal e o mundo atravessam. Há jogadores, treinadores, staff médico e até presidentes (no caso de Frederico Varandas, do Sporting) que fazem doações, que se oferecerem para ajudar quem mais precisa, que se voluntariam para auxiliar aqueles que não podem. A viver no Brasil mas com a cabeça em Portugal, Jorge Jesus viveu uma semana onde soube de um primeiro teste positivo (que não se viria a confirmar, apesar do número de horas anormal para saber o resultado) mas perdeu um amigo próximo, Mário Veríssimo, o Foca ou Foquinha, antigo enfermeiro massagista do Estrela da Amadora que foi a primeira vítima da COVID-19 no país, em Santa Maria, onde tinha começado a trabalhar quando se mudou para Lisboa.
No meio deste contexto em que tudo parou, onde a Bielorrússia é a exceção e até iniciou o Campeonato com o presidente do país a recomendar lavar as mãos, beber vodka, fazer sauna seca e subir aos tratores para trabalhar por forma a fugir-se ao que descreve como histeria, um nome ganhou destaque. Por sinal, o nome que antes já era destaque pelas piores razões mas que agora é associado à esperança numa cura: Dietmar Hopp, o odiado dono do Hoffenheim que lidera a CureVac cobiçada por Donald Trump e Angela Merkel pela vacina que está a desenvolver para o novo coronavírus e que já garantiu que qualquer resultado final será para o mundo e não só para um país.
Ainda assim, houve algumas notícias de peso. Ou melhor, duas notícias de peso. Com caminhos distintos mas que têm um ponto em comum: a grave crise que virá não apenas no futuro. Aliás, já se começa mesmo a sentir.
A UEFA decidiu adiar o Campeonato da Europa para o verão de 2021, ao mesmo tempo que criou um grupo de trabalho para estudar as melhores soluções para que as ligas nacionais consigam ainda cumprir os calendários na presente temporada (até 30 de junho). Foi a medida mais sensata, que trará prejuízos grandes não só ao órgão mas também às federações nacionais, mas que surgiu como um mal inevitável no atual momento. Mais uma vez, Aleksander Ceferin, o presidente da UEFA com uma interessante história de vida, voltou a assumir-se como líder numa fase particularmente delicada. Mas não é a única figura a começar a destacar-se: Ann Burgs, líder da equipa escocesa do Hearts, mostrou com a proposta de corte salarial de 50% para todos o que pode estar a chegar…
Em sentido inverso, o COI decidiu que, a mais de quatro meses da data prevista para a cerimónia de abertura, não existe para já necessidade de avançar para qualquer tipo de adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Todas as conversas com as organizações, comités, federações e associações envolvidas na competição mantêm-se mas aqui o problema poderá ser outro: mesmo que todas as condições de saúde estejam asseguradas, os atletas têm sofrido um forte rombo na preparação (Fernando Pimenta e Rui Bragança são dois exemplos disso mesmo, entre tantos outros). Mas pode haver uma razão paralela para esse stand by: o contrato assinado pelo COI com a cidade de Tóquio para a organização dos Jogos, que previa guerras, embargos e boicotes mas não uma pandemia global, como é o caso. Para o COI ou para qualquer outro órgão, a prioridade recai sempre nas garantias de segurança e saúde pública de todos. Que seja assim também em Portugal. E isso depende de todos nós.
EU, A TV E UM COMANDO
Sexta-feira
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O JOGO EM PALAVRAS
PÓDIO
- 1
Hopp, o amigo de Bill Gates odiado na Bundesliga
Filho de um ex-líder de pelotão do Partido Nazi, quis ser rico e tornou-se bilionário após fundar a SAP SE. Quem é Dietmar Hopp, o magnata disputado por Trump e Merkel que gera amores e ódios. - 2
O soldado que voltou à guerra por videoconferência
Seguiu Direito como avô e pai mas teve no futebol outro caminho entre Guerra dos Dez Dias, carreira no karaté e viagens pelo deserto do Saara. Quem é Ceferin, o líder que decide o futebol europeu. - 3
Há uma nova Iron Lady a dar o exemplo no futebol
KPMG estima perdas de 4 mil milhões de euros nas cinco principais ligas com suspensão pela COVID-19. Impacto financeiro será brutal e escoceses do Hearts já procuram soluções, com Ann Budge na frente.
A MEMÓRIA
SAÚDE
Foca, o amigo das cabeças de garoupa com Jesus
Trabalhou com Jesus, Fernando Santos e Mourinho no Estrela, fez suturas a frio, somou amigos no futebol, foi enfermeiro no St.ª Maria, onde veio a morrer. Mário Veríssimo, a 1.ª vítima do Covid-19.
TERCEIRO TEMPO
Mais pessoas vão