domingo, 9 de abril de 2023

GUERRA NA UCRÂNIA - HOJE - 9 DE ABRIL DE 2023

 

Ucrânia faz contas às baixas em Bakhmut. Pode a contraofensiva da Primavera sair enfraquecida devido à batalha mais longa da guerra?

Bakhmut ainda não caiu e continua a servir o seu propósito: ganhar tempo para preparar a contraofensiva ucraniana. Mas pode o número de baixas ter posto em causa o início da nova fase da guerra?

O som de uma explosão ressoa ao longe. Aparentemente indiferente, Roman Trokhymets faz uma pausa para comer, enquanto grava o vlog habitual. Despeja uma saqueta de geleia sobre uma bolacha que segura com a boca, um prazer raro nos mais de três meses a combater nos arredores da cidade de Bakhmut. Inicialmente o ambiente é descontraído, com risadas pontuais, mas num segundo tudo muda. Há soldados feridos, um deles com gravidade, precisam de ser retirados, relata o ucraniano, de rosto sério. As informações vão chegando em torrente através do rádio. “Alguém morreu. É um engenheiro… três estão feridos. Há um drone inimigo sobre as nossas posições. Disparem agora!”

A ideia de que Bakhmut é uma “fortaleza” tem sido repetida na Ucrânia a diferentes vozes. Os mais de sete meses de combates tornaram a cidade num emblema de resistência, mas os custos elevados estão à vista e podem comprometer a próxima fase da guerra: a aguardada contraofensiva de primavera. Se inicialmente o plano para desgastar os russos corria de feição, com os ucranianos a “infligir mais danos ao inimigo do que os sofridos”, Dmitry Gorenburg, do instituto norte-americano de pesquisa Center for Naval Analyses, considera que o balanço tem vindo a mudar significativamente. Mas não deixa claro se a aposta foi ou não certeira: “Eles calcularam que faz sentido. Conhecem os seus recursos e forças melhor do que alguns analistas nos Estados Unidos”, reconhece. Por outro lado, Jamie Shea, do think tank britânico Chatham House, não tem dúvidas de que Kiev “pagou um preço elevado” na defesa da cidade. Diariamente na linha da frente, soldados como Roman são testemunhas disso.

É como num filme. Podes estar sentado a brincar com o teu companheiro e depois ouves o som da artilharia inimiga nas posições próximas. Já não é tão divertido… E depois dizem que alguém morreu. Dizem o seu nome e tudo para”, descreve o soldado ucraniano na publicação de Instagram que acompanha o vídeo.

Na batalha por Bakhmut, descrita como a mais longa e sangrenta da guerra, a Ucrânia tem sacrificado alguns dos melhores soldados, muitos dos quais têm participado nos combates contra as forças separatistas no leste do país desde 2014. Sobre o número de baixas? Apenas silêncio, à semelhança da postura adotada desde o primeiro dia do conflito.

Levantando um pouco a cortina, Kiev apontou que, por cada ucraniano que morre, o Kremlin perde sete russos – números que são impossíveis de verificar, mas que os analistas estimam ser elevados. De olhos postos na próxima etapa, a Ucrânia faz contas — sob a pressão de agir rapidamente para manter o apoio internacional e mostrar aos parceiros que os sucessos do ano passado se podem repetir –, ao mesmo tempo que nega a Putin tempo para reagrupar e reequipar as suas tropas.

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 Ucranianos feridos em combate recebem tratamento num hospital de campanha perto de Bakhmut, em Donetsk

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Bakhmut não foi uma escolha, mas uma decisão “inteiramente racional”

Com a chegada das temperaturas geladas no final do ano passado, e ainda a regozijar-se das contraofensivas de sucesso em Kharkiv e Kherson nos meses anteriores, a Ucrânia preparava-se para enfrentar um inverno que se antecipava difícil. À medida que os terrenos lamacentos se cobriam de gelo e neve, as frentes de batalha concentravam-se na região do Donbass – território que engloba os oblasts de Donetsk e Lugansk. Por essa altura Bakhmut, onde os primeiros ataques tinham começado em agosto, já se adivinhava como um dos possíveis focos de combate, mas ninguém previa o nível de desgaste que ia implicar para os exércitos russo e ucraniano.

Conhecida pelas minas de sal e uma atração turística na região pelos edifícios históricos do século XIX ou pelas famosas cavernas subterrâneas – que já foram palco de jogos de futebol e concertos em tempos de paz —, a cidade de Bakhmut tem pouco valor estratégico. Não é uma cidade guarnição, nem mesmo um grande centro populacional, como têm apontado vários analistas ocidentais. “Do ponto de vista de um avanço militar, Bakhmut não é um território crítico para nenhum dos lados. Para a Ucrânia tentar resistir ou para a Rússia tentar capturar”, diz ao Observador Dmitry Gorenburg. “Não é necessariamente obrigatório para tomar mais territórios do Donbass, por exemplo da perspetiva russa. E, se a Ucrânia desistir dele, preparou posições próximas nas colinas a partir das quais se pode defender”, explica. Então porque concentraram Moscovo e Kiev os seus esforços em Bakhmut? Numa palavra: simbolismo.

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Bakhmut transformou-se numa cidade-fantasma, com 42 quilómetros quadrados de edifícios em ruínas
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É uma cidade "de vidro, tijolos e escombros”, descreveu um soldado da 93.º Brigada Mecanizada das Forças Armadas ucranianas
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Antes da guerra viviam Bakhmut cerca de 80.000 residentes. Agora sobram apenas 3.500, incluindo 32 crianças
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Sem ganhos territoriais significativos desde o verão passado, a Rússia procura em Bakhmut uma vitória a todo o custo para mostrar que a “operação militar especial” na Ucrânia corre como planeado, como as autoridades russas se têm gabado. Além disso, tomar Bakhmut poderia ajudar a capturar cidades como Kramatorsk e Sloviansk, dois centros urbanos que os ucranianos reconquistaram no verão passado. Da perspetiva ucraniana, a cidade tornou-se uma nova prova da resiliência ucraniana face a um poderio aparentemente superior. Para Gorenburg não há dúvida de que se estabeleceu um novo símbolo de resistência, à semelhança de Mariupol ou da fábrica de Azovstal.

Simbolismo à parte, poderia a Ucrânia ter escolhido outro palco para os combates de inverno? Jamie Shea sublinha que defender Bakhmut não foi uma escolha, mas uma decisão “inteiramente racional” por três motivos. Por um lado negou a Putin uma vitória de prestígio e não permitiu que ameaçasse Kramatorsk e Sloviansk, cidades importantes do Donbass. Por outro lado, infligiu uma “guerra de atrito”, provocando o maior número de baixas militares e de equipamento para dificultar que a Rússia montasse uma ofensiva na primavera. Além disso, ao apostar numa postura defensiva no inverno, Kiev ganhou tempo enquanto milhares de soldados treinavam em países europeus – como Reino Unido, Alemanha ou Polónia – em novos sistemas de armas para regressar a tempo da contraofensiva.

[Pode ouvir aqui o quarto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África]

“A Rússia estava a focar os ataques em Bakhmut e nas cidades vizinhas, como Soledar e Avdivka. Portanto era lógico que esses eram os locais que o exército ucraniano precisava de defender. Os ucranianos não tiveram o luxo de escolher”, defende o investigador. “É difícil perceber se os recursos poderiam ter sido mais bem gastos noutro lado [nesse período]. Os ucranianos não podem permitir que os russos capturem de forma fácil mais território, algo que só iria prolongar a guerra e enfraquecer a sua posição à mesa de negociações”, acrescenta. O “erro”, porém, pode vir a ser a decisão de continuar a resistir na cidade ao fim de meses de combates intensos, mesmo à custa de perdas elevadas.

"É difícil dizer se os recursos poderiam ter sido mais bem gastos noutro lado. Os ucranianos dificilmente podem permitir aos russos capturar mais território, algo que só iria prolongar a guerra e enfraquecer as suas posições à mesa de negociações."
Jamie Shea, investigador no programa de segurança internacional do think tank Chatham House

A Ucrânia continua a defender Bakhmut de forma cerrada e a justificar as ações de resistência com os mesmos argumentos: é preciso ganhar tempo para reabastecer as tropas ucranianas e eliminar o maior número de inimigos possível até ao início da nova fase da guerra, como definiu no mês passado o líder das Forças Armadas Terrestres da Ucrânia. “É necessário ganhar tempo para construir reservas e lançar a contraofensiva, que já não está longe […]. Os soldados ucranianos estão a infligir as perdas mais pesadas possíveis”, afirmou o coronel-general Oleksandr Syrskyi, que em março chegou a visitar Bakhmut por três vezes no espaço de uma semana.

Kiev parece, assim, irredutível no desejo de resistir. E a mais recente visita de Volodymyr Zelensky à linha da frente, na área de Bakhmut, é prova disso. O líder ucraniano já deixou claro por várias vezes a importância que atribui a esta cidade, que descreve como uma “fortaleza” da resistência ucraniana. Ainda esta quarta-feira afirmou, em entrevista à Associated Press, que a pressão de uma derrota ucraniana chegaria rápido e iria afetar tanto a comunidade internacional como o próprio país. “A nossa sociedade vai sentir-se cansada. A sociedade vai empurrar-me para fazer compromissos com eles [os russos]”, antecipou, num aparente reconhecimento de que perder a batalha de sete meses em Bakhmut teria mais custos políticos do que táticos. Para Zelensky, deixar Bakhmut cair nas mãos dos russos seria permitir a Putin “vender” uma vitória à sociedade russa, ao Ocidente e a aliados como a China e o Irão, mostrando que a Rússia está a recuperar o momentum“Se ele vir sangue, sentir que estamos fracos, vai forçar, forçar, forçar.”

Cresce o desalento em Bakhmut, onde os combates não têm fim a vista. Contraofensiva pode vir a “aliviar cerco”

“A situação em Bakhmut e nos arredores é um inferno”, “os nossos não estão a ser protegidos”, “há ondas constantes [de ataques], são imparáveis”. Os relatos são de militares ucranianos ouvidos pelo Kyiv Independent, que descreveram unidades mal preparadas e com falta de equipamento — além de denunciarem ataques prolongados e baixas significativas no seio das unidades. “O batalhão chegou em meados de dezembro e entre todas as unidades éramos 500. Há cerca de um mês apenas restavam 150”, revelou ao jornal ucraniano um médico de combate identificado como Borys.

Quando vamos para uma posição, nem sequer há uma probabilidade 50/50 de sair de lá [vivo]. É mais 30/70%.”

Não são os únicos relatos de desalento entre as forças ucranianas que chegam da linha da frente. Um comandante da 46ª brigada de assalto aéreo revelou ao The Washington Post como a falta de motivação e a inexperiência dos novos combatentes está a tornar-se um problema para as forças ucranianas. “Todos os nossos combatentes com experiência morreram ou foram feridos”, afirmou o tenente-coronel Kupol (nome de guerra). Declarações que, ao chegarem às autoridades ucranianas, lhe custaram o cargo e valeram uma transferência para um centro de treinos.

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Em Bakhmut uma das principais estratégias russas nos últimos meses consiste no envio de grupos de infantaria para atacar e expor as posições ucranianas durante o dia. Recorrem para isso principalmente a combatentes do grupo Wagner — muitos recrutados nas prisões russas –, que são enviados em ondas para uma morte certa, como descreve o Washington Post. A tática implica baixas significativas, mas permite, depois de conhecida a localização dos ucranianos e as suas vulnerabilidades, enviar de seguida unidades mais experientes e disparar sobre as forças inimigas à distância. Por seu turno, a Ucrânia continua determinada em manter as linhas defensivas, fazendo trincheiras e rebentando represas e pontes para cobrir algumas retiradas táticas. Exemplo disso foi a recente destruição da barragem de Stavka com recurso a dinamite, numa tentativa de dificultar o avanço russo.

Os combates também se fazem no centro da cidade, completamente destruída. Este domingo o líder dos Wagner disse que a bandeira do grupo foi hasteada no edifício de administração de Bakhmut. Num vídeo publicado na conta de Telegram, gerida pelo seu serviço de imprensa, é possível ver Yevgeny Prigozhin carregar a bandeira, proclamando que “legalmente Bakhmut foi tomada” e que “os inimigos se concentram nas zonas ocidentais” — imagens geolocalizadas pelo Instituto para o Estudo da Guerra, entidade norte-americana que estuda as informações que chegam do campo de batalha.

Quanto ao futuro de Bakhmut, há ainda muitas condicionantes em jogo e, sem muitas certezas, os analistas pesam os vários cenários. “Uma possibilidade é que os russos estejam exaustos e comecem a bombardear a cidade sem tentar avançar muito. Uma outra hipótese é que haja um novo impulso e eles se aproximem o suficiente para cercar a cidade ao ponto de os ucranianos não terem escolha se não sair para preservar as tropas. Por outro lado, a contraofensiva ucraniana pode permitir retomar território significativo e aliviar o cerco”, aponta Dmitry Gorenburg.

Para já, o especialista do Center for Naval Analyses considera como cenário mais provável um contínuo impasse em Bakhmut, enquanto os ucranianos procuram avançar noutras zonas. Uma coisa parece-lhe certa: a Ucrânia pode conseguir empurrar os russos para fora da cidade, mas não através de uma luta direta; e, mesmo que as forças russas saiam vitoriosas, será certamente uma “vitória de Pirro”, obtida a um preço muito elevado.

Numa avaliação semelhante à de Gorenburg, Jamie Shea aponta que ambos os lados deverão preparar-se agora para avançar com as ofensivas de primavera, “limitando” as perdas em Bakhmut para terem mais flexibilidade para colocar tropas noutras zonas. “Penso que veremos uma situação de baixa intensidade em Bakhmut. Drones a circular, snipers a disparar uns contra os outros, bombardeamentos ocasionais, mas a intensidade dos combates deverá gravitar para outras zonas. Para o norte, onde os russos ocuparam melhores posições em torno de Kharkiv, e, na perspetiva ucraniana, penso que no sul, explorando os sucessos em Kherson em outubro passado, para cruzar o rio Dnipro”.

É temporada de ofensivas e a Ucrânia quer trazer “mudanças positivas”

“Qualquer operação militar precisa de silêncio”. Foi assim que, no final de agosto do ano passado, a porta-voz do comando sul das Forças Armadas da Ucrânia anunciou que o exército iniciara ações ofensivas em várias direções, incluindo na região de Kherson. Por essa altura Kiev fez bandeira de uma ofensiva musculada para retomar os territórios no sul do país, mas a promoção viria a revelar ser parte de uma campanha de desinformação para levar os russos a reforçar posições nesse território, enquanto deixavam outras áreas mais desprotegidas e os ucranianos avançavam para Kharkiv – a contraofensiva silenciosa que permitiu recuperar mais de um terço da região em poucos dias. Chegada a primavera de 2023, a tática é diferente e as autoridades ucranianas apostam no secretismo sobre as operações futuras.

“Não vou falar sobre os detalhes porque não posso dar aos terroristas da Federação Russa a oportunidade para se prepararem face aos nossos métodos e passos de libertação. Mas vamos fazê-lo”, prometeu Zelensky. O Presidente ucraniano não ficou por aí e deixou mesmo um aviso: “Ainda têm tempo de partir, se não vamos destruí-los a todos”.

Depois de vários meses de planeamento, os primeiros passos podem estar para breve. O ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, indicou esta semana que as ações ofensivas podem avançar já este mês de abril em várias zonas. “Estou certo de que vamos continuar a libertar os territórios temporariamente ocupados, como fizemos em Kiev, Chernihiv, Sumy, Kharkiv, Kherson, na ilha Zmiinyi. Tudo isto vai continuar”, garantiu numa entrevista ao canal ERR da Estónia. Segundo Reznikov, para já Bakhmut permanece uma “fortaleza” e dá ao exército ucraniano tempo para terminar os últimos preparativos. O mundo vai ver em 2023 “mudanças positivas” a favor da Ucrânia, prometeu.

Com a temporada de ofensivas à porta, Kiev vê-se reforçada com a chegada de armas poderosas. No seu objetivo de criar um “punho de ferro” conseguiu assegurar, pela primeira vez, tanques modernos ocidentais, como os Challenger-2 britânicos, os Leopard-2 alemães presentes em vários países da NATO e os Abrams-M1 norte-americanos.

"Estou certo de que vamos continuar a libertar os territórios temporariamente ocupados, como fizemos em Kiev, Chernihiv, Sumy, Kharkiv, Kherson, na ilha Zmiinyi. Tudo isto vai continuar.”
Oleksii Reznikov, ministro da Defesa ucraniano

Bastante idênticos entre si, os Leopard-2 e os Challenger-2 foram os primeiros a chegar à Ucrânia e podem vir a mudar a configuração das forças no terreno e ajudar a “virar o jogo”, como disse em janeiro ao Observador Liana Fix, cientista política alemã e membro do think tank Council on Foreign Relations. “Dão à Ucrânia mais força e competitividade e permitem que as forças ucranianas possuam capacidade de resposta para combater os tanques russos mais modernos”, explicou.

Tanques prometidos e enviados pelos aliados da Ucrânia

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Além dos tanques, a Ucrânia assegurou da União Europeia munições de artilharia no valor de dois milhões de euros. O acordo dos 27 Estados-membros – descrito como uma “decisão histórica” pelo chefe da diplomacia da UE, Joseph Borrell – vai permitir fazer chegar a território ucraniano um milhão de munições de 155 milímetros ao longo dos próximos 12 meses.

As doações dos parceiros ocidentais não ficaram por aí e ainda em março chegou um reforço para a defesa aérea com a entrega dos primeiros caças. Não foram, porém, os poderosos Typhoon britânicos ou os F16 norte-americanos desejados por Kiev, que vai ter de contentar-se para já com os 13 MiG-29 enviados pela Polónia e pela Eslováquia. Resta saber se os novos equipamentos se vão traduzir em avanços significativos.

Além do reforço de armamento, a Ucrânia vai acolhendo de braços abertos a chegada de milhares de combatentes que estiveram durante várias semanas ou meses a receber formação no Ocidente. É o caso dos 11.000 militares que treinaram em vários países europeus e que está previsto concluírem o treino no âmbito da Missão de Apoio Militar da União Europeia em março. Também vão chegando grupos mais pequenos, como os 55 militares que completaram em Espanha uma formação nos tanques Leopard-2, bem como algumas centenas que treinaram no Reino Unido para dominar o uso de armas como os howitzers ou os Challenger-2.

Para já não é claro onde a grande contraofensiva vai acontecer, mas alguns analistas consideram que o sul é a região mais promissora — e Melitopol um alvo óbvio. A cidade, no oblast de Zaporíjia, está sob ocupação desde março do ano passado e é crítica para o abastecimento das tropas russas no sul do país, uma vez que, como aponta o New York Times, se situa entre duas grandes interseções e uma linha ferroviária importante. Se a Ucrânia conseguir dividir aí as forças russas, vai enfraquecer o domínio da Rússia sobre Kherson e os reforços para as tropas de Moscovo só poderão chegar através da península da Crimeia — território anexado pelo Kremlin em 2014.

No mesmo sentido, o analista militar Oleh Zhdanov defendeu, em declarações à Associated Press, que os ucranianos vão tentar mover-se de Zaporíjia em direção a Melitopol e ao Mar Azov, numa tentativa de quebrar o corredor terrestre que se estende pelo sul da Ucrânia desde a fronteira russa até a Península da Crimeia.

Sem sinais de que o Kremlin queira voltar-se para a mesas das negociações, o Instituto para o Estudo da Guerra reconheceu a importância de a Ucrânia lançar contraofensivas bem sucedidas para obter vantagens sobre as forças do Kremlin. As operações teriam o duplo objetivo de “persuadir Putin a aceitar um compromisso negociado e/ou criar realidades militares suficientemente favoráveis à Ucrânia para que Kiev e os seus aliados ocidentais conseguissem efetivamente congelar o conflito por conta própria, independentemente das decisões de Putin”, refere o ISW.

A grande questão mantém-se: depois dos intensos combates em Bakhmut, quem é que se colocou na melhor posição para continuar a guerra? Para o analista Jamie Shea a resposta a esta pergunta pode não chegar durante algum tempo, mas uma coisa é certa. “Se a estratégia russa é tomar o Donbass, e a ucraniana evitá-lo, não havia escolha se não defender Bakhmut. A questão é sobre a que preço”.


BATALHA DE LA LYS - 1ª GUERRA MUNDIAL (7 A 29/4/1918) - 9 DE ABRIL DE 2023

 

Batalha de La Lys

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Batalha de La Lys
Frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial
Map of German Lys offensive 1918.jpg
Mapa da ofensiva alemã em 1918
Data729 de abril de 1918
LocalFlandres, na fronteira franco-belga
DesfechoVitória tática dos Aliados; a ofensiva alemã falha
Beligerantes
 Império Britânico
Portugal Portugal
 Bélgica
França França
 Império Alemão
Comandantes
Reino Unido Herbert Plumer
Reino Unido Henry Horne
Portugal Tamagnini de Abreu
Portugal Gomes da Costa
França Philippe Pétain
Canadá Arthur Currie
Império Alemão Ludwig von Falkenhausen
Forças
25 divisões britânicas e 8 francesas
2 divisões portuguesas
26 divisões alemãs
Baixas
118 300 – 119 040 mortos ou feridos86 000 – 109 300 mortos ou feridos
Batalha de La Lys está localizado em: Bélgica
Batalha de La Lys
Localização da batalha na Bélgica

Batalha de La Lys (7 a 29 de abril de 1918) foi uma enorme ofensiva militar alemã focada ao norte da fronteira franco-belga, na região da Flandres, durante a Primeira Grande Guerra. Também conhecida como Operação GeorgetteOfensiva do LysQuarta Batalha de YpresQuarta Batalha da Flandres e Batalha de Estaires, fez parte da chamada Ofensiva de Primavera, onde os alemães pretendiam romper as linhas Aliadas de uma vez por todas na Frente Ocidental europeia. Foi planejada pelo general Erich Ludendorff e de início teria um alcance bem maior, mas acabou sendo reduzida em escala.[1] Parte dos planos era tomar de vez a região de Ypres e expulsar os britânicos dos portos belgas. Foi lançada como uma sequência a Operação Michael, também travada no contexto da Ofensiva de Primavera alemã. No final, a Operação Georgette acabou falhando em seus objetivos principais e terminou sendo inconclusiva para os alemães no quadro geral da guerra, dando vantagem tática aos Aliados.[2][3]

Nesta batalha, que marcou negativamente a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial, os exércitos alemães infligiram uma pesada derrota às tropas portuguesas, constituindo o maior desastre militar português depois da batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.

A frente de combate distribuía-se numa extensa linha de 55 quilómetros, entre as localidades de Gravelle e de Armentières, guarnecida pelo 11.º Corpo Britânico, com cerca de 84 000 homens, entre os quais se compreendia a 2.ª divisão do Corpo Expedicionário Português (CEP), constituída por cerca de 20 000 homens, dos quais somente pouco mais de 15 000 estavam nas primeiras linhas, comandados pelo general Gomes da Costa (que mais tarde conta as memórias deste acontecimento em A Batalha do Lys (1920) no qual descreve a organização do C.E.P. e os seus dispositivos e enuncia os episódios prévios à Batalha).[4] Esta linha viu-se impotente para sustentar o embate de oito divisões do 6.º Exército Alemão, com cerca de 55 000 homens comandados pelo general Ferdinand von Quast (1850-1934). Essa ofensiva alemã, montada por Erich Ludendorff, ficou conhecida como ofensiva "Georgette" e visava à tomada de Calais e Boulogne-sur-Mer. As tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha na madrugada e manhã de 9 de Abril, teriam registado milhares de baixas, entre mortos (1 341), feridos (4 626), desaparecidos (1 932) e prisioneiros (7440).[5] De acordo com estudos recentes, porém, esses números estariam muito inflacionados. Segundo um autor, em La Lys ter-se-ão registado apenas 423 mortos portugueses (de um total de 2 086 mortos do Corpo Expedicionário Português em 1917-1918) e cerca de 6 000 prisioneiros.[6] Outro autor refere apenas 300 mortos e 6 000 prisioneiros portugueses em La Lys.[7]

Trincheiras em La Lys.

Entre as diversas razões para esta derrota tão evidente têm sido citadas, por diversos historiadores, as seguintes:

  • A revolução de dezembro de 1917, em Lisboa, que colocou na Presidência da República o Major Doutor Sidónio Pais, o qual alterou profundamente a política de beligerância prosseguida antes pelo Partido Democrático;
  • A chamada a Lisboa, por ordem de Sidónio Pais, de muitos oficiais com experiência de guerra ou por razões de perseguição política ou de favor político;
  • Devido à falta de barcos, as tropas portuguesas não foram rendidas pelas britânicas, o que provocou um grande desânimo nos soldados. Além disso, alguns oficiais, com maior poder económico e influência, conseguiram regressar a Portugal, mas não voltaram para ocupar os seus postos;
  • O moral do exército era tão baixo que houve insubordinações, deserção e suicídios.
  • A grande diferença numérica entre as forças portuguesas e as alemãs;
  • O armamento alemão era muito melhor em qualidade e quantidade do que o usado pelas tropas portuguesas o qual, no entanto, era igual ao das tropas britânicas;
  • O ataque alemão deu-se no dia em que as tropas lusas tinham recebido ordens para, finalmente, serem deslocadas para posições mais à retaguarda;
  • As tropas britânicas recuaram em suas posições, deixando expostos os flancos do CEP, facilitando o seu envolvimento e aniquilação.

O resultado da batalha já era esperado por oficiais responsáveis dentro do CEP, Gomes da Costa e Sinel de Cordes, que por diversas vezes tinham comunicado ao governo português o estado calamitoso das tropas.

No entanto, é de realçar o facto de a ofensiva "Georgette" se tratar duma ofensiva já próxima do desespero, planeada pelo Alto Comando da Alemanha Imperial para causar a desorganização em profundidade da frente aliada antes da chegada das tropas norte-americanas, que nessa altura se encontravam prestes a embarcar ou já em trânsito para a Europa.

O objectivo do general Ludendorff no sector português consistia em atacar fortemente nos flancos do CEP, consciente que nesse caso os flancos das linhas portuguesa e britânica vizinha recuariam para o interior das suas zonas defensivas respectivas em vez de manterem uma frente coerente, abrindo assim uma larga passagem por onde a infantaria alemã se pudesse lançar. Coerente com essa táctica e para assegurar que os flancos do movimento alemão não ficassem desprotegidos, os estrategas alemães decidiram-se a simplesmente arrasar o sector português com a sua esmagadora superioridade em capacidade de fogo artilheiro (uma especialidade alemã), e deslocando para a ofensiva um grande número de efectivos como se explica acima, (nas palavras dos próprios: "Vamos abrir aqui um buraco e depois logo se vê!", o que também indicia o estado de espírito já desesperado do planeamento da ofensiva). Nestas condições, não surpreende a derrocada do CEP, que apesar de tudo resistiu como pôde atrasando o movimento alemão o suficiente para as reservas aliadas serem mobilizadas para tapar a brecha.

Esta resistência é geralmente pouco valorizada em face da derrota, mas caso esta não se tivesse verificado a frente aliada na zona poderia ter sido envolvida por um movimento de cerco em ambos os flancos pelo exército alemão, o que levaria ao seu colapso. Trata-se de uma batalha com muitos mitos em volta a distorcerem a percepção do realmente passado nesse dia 9 de Abril de 1918.

A cidade de Ypres, devastada pelos combates.

Uma situação análoga à da batalha de La Lys foi a da contra-ofensiva alemã nas Ardenas na parte final da Segunda Guerra Mundial, a (Batalha do Bulge), que merece comparação pelas semelhanças entre ambas. Novamente um exército aliado escasso para defender o sector atribuído ao I Exército dos Estados Unidos), sujeito a uma ofensiva desesperada por parte do Alto Comando Alemão (OKW - Oberkommando der Wehrmacht), para desorganizar a frente aliada arrombando-a em profundidade, usando para o efeito quatro exércitos completos (dois blindados) para atacar no sector do I exército norte-americano. A consequência foi o colapso local da frente, com retirada desorganizada dos americanos e com milhares a serem feitos prisioneiros pelos alemães, contido depois com as reservas aliadas (incluindo forças sobreviventes da Batalha de Arnhem ainda em recuperação como a 101.ª e a 82.ª divisões aerotransportadas) e com o desvio de recursos de outros exércitos aliados nas regiões vizinhas (com destaque para o III Exército do general Patton), obrigando a passar duma situação de ofensiva geral aliada à defesa do sector das Ardenas a todo o custo. Os aliados só retomariam a iniciativa na frente ocidental passado mais de um mês.

Comparando-se ambas compreende-se melhor a derrocada das forças do CEP em La Lys.

A experiência do Corpo Expedicionário Português no campo de batalha ficou registada na publicação João Ninguém, soldado da Grande Guerra, com ilustrações e texto do capitão Menezes Ferreira. Pela sua parte, Adelino Delduque da Costa, Coronel de Infantaria, feito prisioneiro pelas tropas alemãs a 9 de abril de 1918,[8] escreveu durante oito meses e meio de cativeiro sob forma de diário entre os campos de Rastatt e Breesen as suas Notas do cativeiro,[9] um dos mais vivos relatos dos acontecimentos que seguiram a derrota portuguesa, assim como das precárias condições em que houve de sobreviver os oficiais portugueses aprisionados na Alemanha. Além destas, várias foram as obras editadas que têm como pano de fundo o mais sangrento episódio da participação portuguesa no conflito, nomeadamente: Flandres: notas e impressões de Costa Dias (1920) [10] e A 2ª Divisão Portuguesa na Batalha do Lys (1924) pelo Major Vasco de Carvalho com prefácio do general Fernando Tamagnini.[11]

As cerimónias da comemoração do aniversário da Batalha de La Lys têm lugar, habitualmente, todos os anos no Mosteiro de Santa Maria da Vitória - Batalha (Leiria) num dos primeiros fins de semana de Abril, com a presença dos vários ramos das forças armadas portuguesas, entre outras entidades.

No final, a ofensiva alemã acabou perdendo força e com a chegada de reforços franceses no fim de abril, os militares alemães começaram a sofrer perdas consideráveis. Perdendo a iniciativa, em 29 de abril o Alto Comando Alemão cancelou a Operação Georgette e desautorizou novas ofensivas naquele setor. Em um estudo feito em 2002, Marix Evans estimou as perdas alemãs em 109 300 (entre mortos, feridos e desaparecidos). Os britânicos perderam 76 300 homens e 60 aeronaves, enquanto os franceses registraram 35 000 baixas em combate.[12] Já Portugal contabilizou oficialmente 400 mortos e 6 600 homens feitos prisioneiros.[13]

O soldado Milhões

Ver artigo principal: Soldado Milhões

Nesta batalha a 2.ª Divisão do CEP foi completamente desbaratada, sacrificando-se nela muitas vidas, entre os mortos, feridos, desaparecidos e capturados como prisioneiros de guerra. No meio do caos, distinguiram-se vários homens, anónimos na sua maior parte. Porém, um nome ficou para a História, deturpado, mas sempiterno: o soldado Milhões.

De seu verdadeiro nome Aníbal Augusto Milhais, natural de Valongo, em Murça, viu-se sozinho na sua trincheira, apenas munido da sua menina, uma metralhadora Lewis, conhecida entre os combatentes lusos como a Luísa. Munido da coragem que só no campo de batalha é possível, enfrentou sozinho as colunas alemãs que se atravessaram no seu caminho, o que em último caso permitiu a retirada de vários soldados portugueses e britânicos para as posições defensivas da retaguarda. Vagueando pelas trincheiras e campos, ora de ninguém ora ocupados pelos alemães, o soldado Milhões continuou ainda a fazer fogo esporádico, para o qual se valeu de cunhetes de balas que foi encontrando pelo caminho. Quatro dias depois do início da batalha, encontrou um major escocês, salvando-o de morrer afogado num pântano. Foi este médico, para sempre agradecido, que deu conta ao exército aliado dos feitos do soldado transmontano.

Regressado a um acampamento português, um comandante saudou-o, dizendo o que ficaria para a História de Portugal, "Tu és Milhais, mas vales Milhões!". Foi o único soldado raso português da Primeira Guerra a ser condecorado com o Colar da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, a mais alta condecoração existente no país.

Ver também

Referências

  1.  «Battle of the Lys, 9-29 April 1918»www.historyofwar.org. Consultado em 18 de outubro de 2020
  2.  Baker, Chris (2011). The Battle for Flanders: German Defeat on the Lys, 1918. Barnsley: Pen & Sword Military. ISBN 978-1-84884-298-4
  3.  Rickard, J. (27 de agosto de 2007). «Battle of the Lys, 9–29 April 1918». Military History Encyclopedia on the Web. OCLC 704513317. Consultado em 2 de outubro de 2013
  4.  Hemeroteca Digital. «A Batalha do Lys (1920)»Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 23 de abril de 2018
  5.  Infopédia - Batalha de La lys
  6.  Henrique Manuel Gomes da Cruz, Portugal na Grande Guerra: a construção do «mito» de La Lys na imprensa escrita entre 1918 e 1940, Tese de mestrado, FCSH - Universidade Nova de Lisboa, Março de 2014, p. 51
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  8.  Ordem de Serviço da 5ª Brigada de Infantaria, de 27 de Outubro de 1917
  9.  Delduque da Costa, Adelino (1919). Notas do captiveiro. Memórias d'um prisioneiro de guerra na Alemanha. Lisboa: J. Rodrigues & C.ª
  10.  Hemeroteca Digital. «Flandres: notas e impressões (1920)»Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 23 de abril de 2018
  11.  Hemeroteca Digital. «2ª Divisão Portuguesa na Batalha do Lys (1924)»Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 23 de abril de 2018
  12.  Edmonds, J. E.; Davies, H. R.; Maxwell-Hyslop, R. G. B. (1995) [1937]. Military Operations France and Belgium: 1918 March–April: Continuation of the German Offensives. Col: History of the Great War Based on Official Documents by Direction of the Historical Section of the Committee of Imperial Defence. II Imperial War Museum & Battery Press ed. London: Macmillan. ISBN 978-0-89839-223-4
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Bibliografia

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  • «La Lys - a batalha portuguesa» in Portugal e a Grande Guerra, (coord. Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes), Luís Alves de Fraga, Lisboa, Diário de Notícias, 2003, ISBN 972-9335-07-9, pp. 427–442
  • AMARAL, Ferreira do. O 9 de Abril e a nossa política de Guerra.
  • GOMES DA COSTA, Manuel de Oliveira. A Batalha do Lys. 1920. 260p.
  • LUDENDORFF, Eric. Souvenirs de Guerre. 1920.
  • OLIVEIRA, Maria José, "Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial: frente europeia: 1917/1918". Porto Salvo, Saída de Emergência, 2017, 255 p. ISBN 978-989-773-022-1

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