França rejeita sonho de Berlim e garante que não vai haver novo gasoduto com Espanha
O Governo francês rejeita investir num novo gasoduto com Espanha, que permitiria enviar o gás natural da Argélia para a Alemanha, que tenta a todo o custo aumentar as suas fontes de abastecimento para reduzir a sua dependência energética da Rússia.
O ministério francês para a Transição Energética rejeita apostar no gasoduto através do leste dos Pirenéus, o projeto MidCat. “Um projeto assim demoraria muitos anos para ficar operacional (o período para realizar estudos e obras para este tipo de infraestruturas demora sempre muitos anos) e não daria resposta à crise atual”, disse ao “El Pais” a tutela da ministra Agnès Pannier-Runacher.
Paris aponta que uma “solução mais rápida” seria a construção de terminais marítimos que “permitem importar gás dos países do Golfo Pérsico e dos Estados Unidos”. “Estes terminais no norte e leste da Europa, e especialmente na Alemanha, representam investimentos menores e mais rápidos, se forem flutuantes”, segundo o ministério agora citado pela rádio espanhola “Cadena Ser”.
Sobre o uso de gasodutos para transportar hidrogénio verde no futuro, a tutela chuta para canto. “As incertezas são muito elevadas sobre as capacidades de produção e consumo de hidrogénio e, posteriormente, sobre a necessidade de uma infraestrutura desta envergadura com tanta antecipação”.
O executivo francês continua o seu argumento: “Antes de lançarmo-nos na construção de novos gasodutos também é preciso integrar os desafios climáticos, pois o nosso objetivo é prescindir das energias fósseis daqui até 2050. Para estarmos à altura do desafio energético e climático atual é preciso reduzir o nosso consumo de gás e acelerar o desenvolvimento de energias livres de carbono”.
O gasoduto tem uma extensão de quase 200 quilómetros entre Girona, Espanha, e Carcassonne, França, sendo necessário um investimento superior a 450 milhões de euros. O projeto foi abandonado em 2019 depois de os reguladores nos dois lados das fronteiras terem chumbado o projeto pela sua falta de viabilidade e elevados custos. O projeto também mereceu a oposição de associações locais e ambientalistas.
A história começa quando o chanceler alemão Olaf Scholz defendeu na semana passada a construção de um gasoduto entre Portugal-Espanha e França-Alemanha para reduzir a dependência gasista de Berlim face à Rússia.
O Governo espanhol veio logo a público defender a construção do gasoduto MidCat, mas este projeto fica a 750 quilómetros da fronteira lusa, logo o gás vindo de Portugal via porto de Sines ficou para trás.
O novo gasoduto entre Espanha e França pode estar operacional “no lado sul” em “oito ou nove meses”, disse a ministra espanhola da Transição Ecológica na semana passada. “A interligação pelos Pirenéus catalães pode estar operacional em oito ou nove meses do lado sul da fronteira”, afirmou Teresa Ribeira. Mas a resposta de Paris chegou agora, com a nega ao sonho de Olaf Scholz e de Teresa Ribera.
A terceira interligação entre Portugal e Espanha está projetada a partir de Celorico da Beira, Guarda, seguindo depois para Vale de Frades, distrito de Bragança, entra em Espanha e depois liga-se à rede gasista espanhola em Zamora. Em 2018, a REN – Redes Energéticas Nacionais previa que o projeto estivesse totalmente completo em 2028.
Já o gasoduto entre Espanha e França serviria principalmente para transportar o gás natural da Argélia que chega a Espanha através do gasoduto Medgaz que atravessa o Mediterrâneo e que entra na Europa através de Almeria na costa sul espanhola. Atualmente, existem outras duas interligações, mas são insuficientes para o gás que se considera necessário no próximo inverno no norte da Europa.
Depois de muitos avanços e recuos, em 2019 chegou a machadada final ao projeto: os reguladores em Espanha e França rejeitam o projeto devido à falta de viabilidade financeira e os impactos ambientais. Ao mesmo tempo, os projetos entre Portugal, Espanha e França têm ficado de fora dos envelopes financeiros comunitários.
Mas a costa mediterrânica oriental de Espanha também conta com três terminais de armazenamento e regaseificação de gás natural: Cartagena, Sagunto e Barcelona, isto é, estes portos podem receber gás de outros países para injetar diretamente na rede e enviar para o norte da Europa, com Portugal a ficar para trás.
O primeiro-ministro português disse na semana passada que o país tem os “trabalhos muito avançados” neste projeto: “são cerca de, creio, 160 quilómetros entre Celorico da Beira e o ponto da fronteira onde amarramos com a rede espanhola”.
“Há um traçado que agora está definido, cuidadoso, que protege os valores ambientais, que importa proteger também no Vale do Douro. Portanto, do nosso lado as coisas têm vindo a avançar, da Espanha também”, afirmou hoje, citado pela “Lusa”.
“A existência desta interconexão da Península Ibérica com o resto da Europa é uma ambição antiga” de Portugal, que tem sido confrontada “com uma dificuldade, que são as limitações ambientais que a França tem invocado sobre o impacto do gasoduto na travessia dos Pirenéus”. A resistência francesa, salientou, tem “atrasado bastante” a interligação hispano-gaulesa.
António Costa também disse que a “Alemanha pode contar 100% com o empenho de Portugal para a construção do gasoduto. Hoje para o gás natural, amanhã para o hidrogénio verde”. “o Porto de Sines poderá ser utilizado como plataforma logística para acelerar a distribuição de Gás Natural Liquefeito (GNL) para a Europa”, afirmou, segundo a “Lusa”.
A ministra espanhola disse na sexta-feira destacou que é “fundamental” a colaboração de França para que o gasoduto seja ligado do lado de lá da fronteira. “Desde o primeiro momento, que a nossa intenção é que esta interligação fosse financiada como um projeto europeu, que tínhamos de trabalhar de forma simultânea com o Governo francês. Faz pouco sentido andarmos a correr para que depois haja um beco sem saída no lado francês porque não se consegue evacuar com esse gás”.
“A interligação com a Catalunha é um projeto que não avançou porque não era viável economicamente num contexto em que o gás russo era muito mais barato”, disse, olhando para o passado recente. Sobre a terceira interligação Portugal-Espanha, Teresa Ribera não disse nem uma palavra.
A ministra revelou que está a trabalhar com as gestoras de redes de Espanha e de França para “acelerar uma primeira interligação com menor complexidade”. Depois, a Alemanha será convidada para integrar o grupo de trabalho para “melhorar as interligações com França”.
“A grande vantagem das declarações do chanceler Scholz é que destacam que as interligações na União Europeia não são uma questão bilateral. Até agora temos agido sozinhos com França. Um interesse maior dos estados-membros ajuda a facilitar os objetivos de interligação dos objetivos europeus” devido à situação de “urgência em vários países”, afirmou.