Macroscópio - Jeremy Clarkson deve ou não ser despedido pela BBC?
Macroscópio - Jeremy Clarkson deve ou não ser despedido pela BBC?
#BringBackClarkson. No momento em que começo a escrever este Macroscópio a petição para trazer de volta à programação da BBC o programa Top Gear, apresentado por Jeremy Clarkson, já tinha reunido mais de 750 mil assinaturas. Admito que uma parte dos leitores do Macroscópio nem saibam quem é Jeremy Clarkson e nunca tenham ouvido falar de Top Gear, já que o programa da BBC apenas passou em Portugal em canais do cabo, com audiências relativamente baixas. Mas o destino do principal apresentador do programa de automóveis mais conhecido e mais popular do mundo é o tema do momento no Reino Unido. Os argumentos fervem, e como traduzem fielmente algumas das clivagens políticas e culturais do mundo em que vivemos, vale a pena falar um pouco dessa discussão.
A suspensão do programa, como o Observador noticiou, foi decidida pelo canal público inglês por o apresentador se ter envolvido com um dos produtores do programa. Aparentemente Clarkson terá ficado furioso por não haver nada para jantar no final de uma tarde de filmagens e esmurrou o responsável por essa falha.
Para a BBC suspender o programa cria enormes problemas. Primeiro, porque ele é imensamente popular: é visto por 5 milhões de britânicos nas noites de domingo, o que faz dele o programa de maior sucesso da BBC2; os seus direitos são vendidos para mais de 200 países e territórios, um recorde absoluto; há quem estime a sua audiência global nos 300 milhões de espectadores; e para a BBC, apesar dos enormes custos de produção, Top Gear renderá mais de 50 milhões de libras por ano de lucros. Não surpreende por isso que o tema tenha chegado à imprensa económica, com o Financial a escrever que BBC faces Top Gear dilemma over Jeremy Clarkson ‘fracas’.
Isto apesar de o programa e o seu apresentador terem uma especial tendência para se envolverem em polémicas e criarem problemas. Jeremy Clarkson é aquilo a que, em bom português, chamaríamos um desbocado, para mais um desbocado com tendência para desafiar o politicamente correcto, sendo que, como recorda a Business Insider, “Over his decades-long career, in fact, Clarkson has managed to annoy loads of people, from ethnic minorities to politicians to entire counties”. O Telegraph fez por isso um apanhado de algumas das suas principais gaffes - Top 10 Jeremy Clarkson gaffes – e o Huffington Post foi ainda um pouco mais longe na colectânea das polémicas - 17 Other Times Jeremy Clarkson Did Something Outrageous. As diferenças na descrição dessas controvérsias já nos diz alguma coisa sobre o teor da controvérsia: no Reino Unido os conservadores estão mais preparados para desculpar os excessos de Clarkson, algo que a esquerda não lhe perdoa, parecendo empenhada em fazê-lo desaparecer da paisagem mediática. Como felizmente se escreve maravilhosamente e de forma muito franca em muitos jornais ingleses, é possível encontrar belos textos para ler. Vamos a isso.
Começo pela esquerda e pelo Guardian, onde parece haver unanimidade na condenação do apresentador. Don’t let the maverick act fool you, escreve Hadley Freeman, uma colunista do jornal. Para ela, “The Top Gear host is the Nigel Farage of TV presenters: a hugely privileged figure posing as a man of the people”. Mais adiante, num registo irónico mas tipicamente Guardian, acrescenta: “As many commenters have already pointed out on the Times website – a website where they have to pay to leave such words of wisdom, remember – Top Gear is literally the only show on television for men. The only one! Honestly, the rest of the TV schedule is just overrun with middle-aged women talking about feminism and vaginas, 24/7. To get rid of Jeremy is just part and parcel of the feminazi thought-police tactics that are strangling this country, and it’s unacceptable.”
Mas porventura ainda mais tipicamente Guardian é a crónica de uma outra colunista, Zoe Williams, With Jeremy Clarkson suspended, here's my vision for an eco-feminist Top Gear. Por mais difícil que seja a quem quer que tenha visto um só episódio de Top Gear imaginar como pode o programa transformar-se em algo eco-feminista, a colunista esforça-se: “Feminism is relevant because only a macho culture would have allowed a bunch of idiots to elide heedless fossil fuel use with mindless racial slurs and scientific illiteracy. I wouldn’t accidentally call someone a slope. I wouldn’t charge around Argentina spewing asinine triumphalism about some long-gone war. Why not? Because the impetus behind those actions is territorial, and that’s not what feminism or, for that matter, human beings are about.”
Do outro lado da barricada há também quem seja muito directo. É o caso de Rod Liddle, da Spectator, que não podia ser mais duro: I suspected the ‘liberal’ fascists would eventually get Jeremy Clarkson. Depois de recordar que se está a falar do programa da BBC de maior sucesso das últimas décadas, procura explicar as razões da sua popularidade: “And part of that is down to the fact that Clarkson is a very good presenter indeed; the best – alongside Attenborough and Humphrys – that the BBC has come up with in fifty years. And part of it is down to the fact that he doesn’t toe the usual PC [political correctness] line, demanded by shrill idiots like Orr – and indeed most of the rest of the BBC and Channel Four News. I don’t know what happened this time around. But I had the suspicion that they would get him, one of these days.”
Depois, a forma como a equipa de Clarkson e dos seus co-apresentadores – James May, Richard Hammond e The Stig – trabalham com as suas equipas, sendo exigente, é heterodoxa mas capaz de atrair os melhores. É isso mesmo que recorda, na Forbes, um antigo colaborador do programa, Ian Morris, em Top Gear And Jeremy Clarkson: Here's What I Saw When I Worked On The Show: “My time at Top Gear is among my happiest memories, even including the time that I had an hour-long phone call from [the show’s editor] Andy Wilman that got fairly heated over an broken online vote. That’s a story for another day though. Top Gear production team members are, and always have been, at the top of their professional game and friendly with it.”
Deixei quase para o fim o texto que achei mais divertido, de novo uma vez a crónica de uma mulher, desta vez Allison Pearson, mas no Telegraph: I like Jeremy Clarkson. He is a good egg... Eis como começa:
I was observing the men of the house as they watched Top Gear the other night. My plea to turn over to Call The Midwife had been greeted with utter horror. Watch a bunch of women giving birth when you could hang out with Jeremy Clarkson and the lads? You must be kidding. There is a special expression men and boys (or men who are boys) wear when they watch Top Gear. It is almost perfect happiness. They smile and nod at the TV like one of those felt-coated chihuahas sitting in the back window of a Vauxhall Viva in 1973. Objections that Clarkson and his co-presenters Richard Hammond and James May are overgrown schoolboys pratting about and making complete idiots of themselves miss the point. For that is the secret of the trio’s vast appeal. No one could possibly find the lads more ridiculous than they find themselves.
Para acabar, deixo-vos com um conselho de um jornalista do The Independent: Bring Back Clarkson' petition: God forbid Jeremy Clarkson ever goes into politics. Porquê? Porque “People don't like being told what to do, which makes figures like Clarkson so threatening to those on the left, who have no equivalent”. O aviso dirige-se aos leitores de esquerda daquele diário inglês.
Bem, acho que já chega. Talvez tenha ficado demasiado evidente que sou um daqueles homens com alma de rapaz mal comportado que se diverte sempre que vê um Top Gear. É verdade: pelos automóveis e pelos excessos dos apresentadores. Mas não se iludam. Esta é também uma discussão (esqueçam agora o episódio lamentável do murro, recordem antes as anteriores controvérsias sobre as gafes de Clarkson) sobre o que o politicamente correcto autoriza e o que não autoriza. É por isso que ela vai para além de Clarkson e do seu inimitável programa.
Boa noite, boas leituras, e divirtam-se se puderem, pois todos temos direito a isso. Até amanhã.
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