Macroscópio – Regresso à teimosia da actualidade política
Macroscópio – Regresso à teimosia da actualidade política
Primeiro que tudo uma pequena explicação: ontem não houve Macroscópio porque a participação numa conferência fora de Lisboa acabou por não me deixar tempo suficiente para seleccionar e partilhar com os leitores textos interessantes, que merecessem ser lidos.
Hoje, que volto ao vosso convívio, confesso que é um daqueles dias em que não é muito fácil fazer o Macroscópio. Isso acontece por vezes quando alguns temas parecem querer ocupar todo o espaço da actualidade mas é pouca a variedade ou profundidade das reflexões que suscitam. De alguma forma isso passou a semana passada, com um Macroscópio significativamente intitulado “A actualidade política é teimosa”, sobre o caso do discurso de António Costa num almoço com investidores chineses. O caso desta semana, como todos sabem, é o da discussão sobre a falhanos descontos de Passos Coelho para a Segurança Social, um daqueles casos que a oposição trata de explorar e onde o primeiro-ministro surgiu a defender-se com um vigor e termos que não lhe são habituais. Isto à mistura com a repescagem de eventuais falhas de António Costa, cometidas também há muitos anos. Mas vamos lá a ver o que de mais interessante, e revelador, se escreveu.
Vou começar desta vez por um texto que está reservado aos assinantes do Expresso Diário, o de Ricardo Costa O passado, sempre (em nova versão). Nele o director do Expresso defende que “os políticos portugueses têm muito a aprender. Em primeiro lugar devem saber revisitar o seu passado em antecipação e ser transparentes nesses processos, em segundo devem ser muito claros nas explicações e decisões, por último não podem adaptar o seu discurso.
Não sei se este caso fará mossa séria ao primeiro-ministro, sobretudo porque a dívida em causa era pequena. Mas a forma como está a gerir o caso não o ajuda.”
Também no Expresso Diário, Henrique Monteiro optou por contar uma experiência pessoal na crónica A Segurança Social de Passos é diferente da minha. Ficamos a saber, para começar, que a determinada altura teve de reclamar porque os serviços lhe cobraram dinheiro a mais. O que se seguiu foi kafkiano. Começou por ir aos serviços da sua área de residência, tirou senha, esperou, para acabar recambiado para Lisboa. Lá caminhou para Lisboa, lá disse ao que vinha e deram-lhe um papel para as mãos: “Devo dizer que o papel não é fácil de preencher. Ou seja, existem por lá umas hipóteses e umas referências, que tal e qual como no IRS, nas faturas diversas que recebemos e noutros papéis oficiais e semioficiais, pura e simplesmente não percebemos bem de que estão eles a falar. Penso que é uma outra forma de intimidar o cidadão.” Como alguém o reconheceu, lá teve a ajuda necessária e, melhor do que isso, direito a reembolso mas não direito a um simples pedido de desculpas.
Devo dizer que, mesmo assim, a Segurança Social do meu amigo Henrique Monteiro também não é como a minha, pois a experiência que conheci directamente é bem pior e com um desenlace iníquo, mas isso são contas de outro rosário, pelo que vou sabendo muito comuns num dos serviços que pior funciona, na relação com os cidadãos, da nossa administração pública. O problema que ele sublinha é, no entanto, o mesmo: os cidadãos que têm as más experiências que nós tivemos só podem olhar de lado quando lêem as notícias dos últimos dias. Por mais inocente que ele esteja, não beneficia de qualquer presunção de inocência.
Esse é, de resto, o ponto de partida de muitos dos textos publicados nos últimos dias, como o de Bruno Faria Lopes no Diário Económico, O primeiro-ministro perdeu a face. Eis o seu ponto: “Falhas desta natureza minam a a utoridade moral e o crédito de qualquer governante - e são particularmente danosas à luz do discurso moralista deste Governo sobre o cumprimento das obrigações por parte de Portugal e dos portugueses. Falhas éticas em matéria fiscal (de que não sabemos) ou contributiva (de que sabemos) colidem com o tratamento implacável que o Fisco e a Segurança Social dão a milhares de pessoas numa era de aperto violento.”
Há muitos textos a insistir neste ponto, mas também há quem alerte para o risco de podermos estar a entrar num tipo de campanha e de troca de acusações entre os principais partidos que pode ser muito perigoso em período pré-eleitoral. Fá-lo, por exemplo, Luís Rosa, no Jornal I de hoje, em Os erros de Passos e Costa. O seu argumento principal está contido neste parágrafo:
Na altura em que os portugueses mais precisam de propostas concretas para Portugal sair do marasmo económico em que se encontra, arriscamo-nos a ter uma campanha à volta de casos de polícia como o de José Sócrates, pela mão do PSD, ou de casos de moral e ética, como este último relacionado com Passos Coelho, pela voz do PS. Em vez de uma campanha em que os projectos políticos mostram as suas diferenças, podemos vir a ter uma campanha que PSD, PS e CDS tentam atirar lama para cima uns dos outros. Os partidos populistas, como o de Marinho Pinho ou os partidos radicais, como o PCP e o Bloco de Esquerda, beneficiarão dessas tácticas.
Rui Ramos já tinha, de resto, escrito ontem aqui no Observador, em Afinal como estamos?, que “Não convinha nada que as próximas eleições dependessem das gafes de Costa em reuniões com investidores chineses ou dos conhecimentos que Passos tinha em 1999 sobre o regime da segurança social.”
Talvez a posição mais a contra-corrente seja a de Maria João Avilez também no Observador que, em Da utilidade pública da descoberta, uma análise dedicada à análise de como Passos Coelho foi driblando as previsões da generalidade dos comentadores – “começou pré-condenado ao fracasso e à brevidade politica. E logo desde o in&i acute;cio, o que deu uma coloratura viva ao mandamento político, unilateralmente decretado: Passos “não duraria” – entendeu deixar também a sua convicção sobre controvérsias como a actual:
Sucede que a história de uma dívida do primeiro-ministro à Segurança Social, podendo não ser uma pera doce, ainda não está bem contada, nem sequer totalmente contada. Tem hiatos de tempo misteriosos, ângulos pouco felizes, factos inexplicáveis. Vai ser preciso um pouco mais de luz e de explicações. Mas há uma coisa: Pedro Passos Coelho é (…) alguémprobo: não “cultiva ricos”, não se dá com “poderosos”, não tem quintas no Alentejo, não coleciona “arte”, não frequenta restaurantes da moda, não se lhe conhec em gostos caros e não consta que tenha fortuna – nem biblioteca, de resto. Vive feliz em Massamá e contente na Manta Rota. Sim, há que saber tudo – é direito e é obrigação – mas que “isto” encaixa mal com qualquer um dos ingredientes que compõem a personalidade e a forma-mentis de chefe do Governo, encaixa.
Admito que os meus leitores queiram variar de tema, até porque sobre este não têm faltado fóruns, debates e comentários muito idênticos na forma e no conteúdo, pelo que seguindo a tradição do Macroscópio de fornecer sempre “matéria para pensar”, vou agora recomendar-lhes três leituras sobre temas europeus, os temas que tanto nos deviam ocupar.
O primeiro é uma entrevista com o primeiro-ministro de França=C Manuel Valls, publicada este fim-de-semana no Wall Street Journal: France’s Anti-Terror, Free-Market Socialist. É uma entrevista que foca temas muito diversos e é difícil de sintetizar, e que naturalmente não ignora a tensão existente entre Valls e muitos sectores da esquerda francesa. Pequeno extrato:
With the old left incapable of addressing the economic problems that are largely its creation, Mr. Valls has emerged as a leader of the reform wing of the Socialists, emphasizing law and order, personal responsibility and free markets. “For 30 years France got used to massive unemployment, to too-high public spending and to not undertaking courageous reforms,” the prime minister says. “France must prove to itself and to the world that it is capable of reforming itsel f.”
Os outros dois são ambos do Project Syndicate. Em A Five-Step Plan for European Prosperity, Michael J. Boskin, um professor da Universidade Standford, segue por caminhos originais e, devo acrescentar, impensáveis para muitos dirigentes europeus. Como este:
Eurozone should adopt a two-track euro with a fluctuating exchange rate – an idea championed by the American economist Allan Meltzer. Systematic rules would have to be developed to determine when members of the eurozone are demoted to “euro B" or promoted to “euro A." Such a halfway house – call it “depreciation without departure" – would avoid some (but not all) of the problems of a country's complete withdrawal from the eurozone. It would create its own set of incentives, which, on balance, would pressure individual countries to avoid demotion, just as top-tier football (soccer) teams seek to avoid relegation to the minor leagues.
Já em The Economic Consequences of Greece, de quatro professores de Economia de várias universidades europeias - Alberto Bagnai, Brigitte Granville, Peter Oppenheimer e Antoni Soy – cito-vos apenas o primeiro e o último parágrafos:
Abertura:
The first sentence of the 1957 Treaty of Rome – the founding document of what would eventually become the European Union – calls for “an ever-closer union among the peoples of Europe." Recently, however, that ideal has come under threat, undermined by its own political elite, which adopted a common currency while entirely neglecting the underlying fault lines.
Fecho:
That opportunity is default and exit from the eurozone, which would allow Greece to begin correcting past mistakes and putting its economy on the path to recovery and sustainable growth. At that point, the EU would be wise to follow suit, by unraveling the currency union and providing debt reduction for its most distressed economies. Only then can the EU's founding ideals be realized.
E por hoje é tudo. Espero ter compensado, de alguma forma, a falha de ontem. Bom descanso e boas leituras.
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