Macroscópio – A sinceridade de um herói da esquerda aos 92 anos
Macroscópio – A sinceridade de um herói da esquerda aos 92 anos
Manolis Glezos é uma espécie de ícone máximo da esquerda radical grega. Compreende-se porquê: quando tinha apenas 19 anos subiu à Acrópole de Atenas para arriar a bandeira com a suástica que representava a ocupação alemã. Foi quase sempre um protagonista de primeiro plano na polític a grega. Hoje é eurodeputado, eleito pelo Syriza e foi dele a primeira voz dissonante relativamente à leitura do governo de Tsipras doacordo obtido em Bruxelas na passada sexta-feira. "A mudança do nome da 'troika' para 'instituições', do 'memorando' por 'acordo' e dos 'credores' por 'parceiros' não altera nada a realidade anterior", escreveu o velho político num blogue (o texto integral da sua declaração pode ser lido aqui).
Abri por aqui este Macroscópio dedicado ao balanço do acordo com a Grécia porque, de alguma forma, ela reflecte a posição de quase todos os comentadores, em Portugal ou por essa Europa fora. Entre nós um dos primeiros a tomar posição foi também uma figura que fez toda a sua vida política à esquerda e foi, ele também, eurodeputado na anterior legislatura: Vital Moreira. Escreveu ele no blogue Causa Nossa:
Na iminência do colapso do sistema bancário, por causa dos maciços levantamentos de depósitos, o novo Governo grego teve de abandonar todos os seus objetivos "antiausteritários": nem corte na dívida, nem fim da austeridade orçamental, nem reversão das medidas tomadas, nem novo empréstimo à margem do programa de resgate em vigor (que o Syriza tinha declarado morto e sepultado), nem fim da supervisão da troika (que só perde o nome).
(Há mais posts interessantes, mais recentes, no mesmo blogue)
Numa altura em que em Bruxelas se espera pela chegada do plano grego, sem o qual o acordo não será fechado, passo a algumas das análises e opiniões expressas nos órgãos de informação portugueses. Logo no sábado surgiram as primeiras:
- Paulo Ferreira, aqui no Observador, em A Grécia cedeu. A zona euro ganhou, escreveu que “Varoufakis regressa a Atenas tendo ganho apenas tempo. É uma conquista importante, ainda que conseguida dentro das condições impostas pelos credores, mas que fica muito aquém do caderno de encargos que tem perante a sua opinião pública. Esse é um problema clássico a que estamos habituados. Como se de uma maldição se tratasse, no dia que se segue às eleições a realidade deixa de parecer tão brilhante, generosa e simpática como parecia até ao último dia de campanha eleitoral.”
- Eu mesmo, também aqui no Observador, defendi a ideia de que, no caso do Syriza, houve entradas de leã ;o e saída de sendeiro. Nesse texto recordei, entre outras coisas, as dificuldades que o governo de Atenas ainda enfrenta: “tem de cumprir um prazo de 72 horas para, finalmente, apresentar as medidas concretas que permitam aos parceiros ter garantias de que o que foi assinado não tem apenas o valor de um papel cheio de boas intenções. Só depois de essas medidas serem aprovadas pelos técnicos da “ex-troika” e validadas pelo Eurogrupo é que o acordo poderá ser dado por concluído. A seguir haverá nova avaliação no final de Abril. Isto antes de o período de extensão do financiamento caducar no final de Junho, isto é, na véspera de a Grécia ter de pagar 6,9 mil milhões em empréstimos que vencem em Julho e Agosto. Ou seja, a Espada de Dâmocles da falta de dinheiro continuar& aacute;, ameaçadora, sobre as cabeças de Tsipras e Varoufakis.”
- André Macedo, no editorial do Diário Notícias, falou de O acordo mínimo. A sua conclusão era franca: “Fica por resolver o essencial: como baixar a montanha de dívida e acelerar a recuperação económica de um país esgotado. Nada disto foi ainda discutido, o que significa que o acordo de ontem serve apenas para sentar todos à mesa. É assim a política europeia. Muita parra, pouca uva.”
- Nessas primeiras reacções a voz porventura mais dissonante foi a de Helena Garrido, do Jornal de Negócios, que em O último drama grego escreveu: “É compreensível que países como Portugal, Espanha e Irlanda se sintam bastante irritados com o que se passou. Mas não é racional. Todos irão ganhar com o que fez a Grécia e com o que conseguiu o novo governo grego. E os gregos têm ainda um longo caminho a percorrer até chegarem ao sítio onde nós já estamos. O problema está nos efeitos que as conquistas de Atenas podem ter no quadro de incentivos da construção do euro.
- Começo de novo pelo Observador, agora para destacar a opinião de Rui Ramos em A derrota do Syriza: não há revoluções grátis, para além de explicar porque é que “Quem derrotou o Syriza não foi a pressão da Alemanha, foi o medo que o Syriza tem dos gregos, a quem mentiu e enganou para ganhar as eleições”, também nos falou das razões porque o Syriza não rompeu as negociações, saindo do euro: é que “teve de reconhecer que não existe na Grécia uma maioria para romper com a União Europeia, o euro, o “capitalismo” e a “democracia burguesa”, como desejariam os revolucionários da extrema-esquerda.”
- Sigo com Jorge Almeida Fernandes, no Público, que em A Grécia daqui em diante: o sarilho das reformas, começa por recordar os próximos passos: “O resto recomeça na segunda-feira, com uma lista de reformas a entregar por Atenas e prosseguirá em Março com a crítica votação do acordo pelo Parlamento finlandês. Tudo permanece incerto. A parte mais árdua é a das reformas. Quer e pode Tsipras fazê-las?” Ele manifesta algum cepticismo: “Tsipras está numa situação difícil. Por um lado, terá de apresentar resultados económicos aos gregos. Por outro, não pode limitar as reformas ao combate à corrupção e aos “oligarcas”. As reformas tocam interesses não apenas de “grandes” mas também de “pequenos”. Durante os cinco anos de oposição, Tsipras e o Syriza opuseram-se sistematicamente a quase todas as reformas.”
- António Costa, director do Diário Económico, entende que O Syriza fez mal à Grécia e à Europa. E justifica porquê: “Se não mudou nada, porque é que a Grécia está pior? Por várias razões. Os juros da dívida pública grega dispararam para 20% a três anos, os próprios gregos fizeram uma corrida aos depósitos, os bancos ficaram à beira da bancarrota e os investidores estrangeiros que estavam na Grécia devem ter apanhado tamanho susto que não voltarão tão cedo.”
- Regresso ao Jornal de Negócios, onde Nuno Carregueiro, emVitória à moda de Tsipras, começa por lembrar que “O conteúdo do comunicado que saiu do Eurogrupo de sexta-feira não deixa muitas dúvidas que Alexis Tsipras e o seu ministro das Finanças cederam para já em quase tudo”. Só que Tsipras, para eventualmente “ir de derrota em derrota até à vitória final”, tem de “conseguir uma verdadeira reforma da economia do país”.
- Manuel Villaverde Cabral, de novo no Observador, sublinha em Escaramuça, batalha ou guerra?, que “A responsabilidade da crise não é só dos dois antigos partidos rotativos. É também dos outros, como o própri o Syriza, bem como dessa parte do eleitorado que apoiou este último na esperança de escapar aos impostos e de não pagar as custas dos sucessivos empréstimos.”
- Termino este bloco nacional com um texto totalmente dissonante, o de Rui Tavares no Público, que em Fim de crise, se mostra entusiasmadíssimo com as realizações do Syriza: “a aprovação de um mero comunicado entre a Grécia e o Eurogrupo foi o momento em que a crise do euro começou a acabar. Sei que já foram escritas inúmeras análises sobre este assunto e nenhuma tão taxativamente otimista como esta. Assumo esse risco e veremos daqui a uns meses.”
No que respeita a textos de opinião, talvez os mais críticos sejam os do Wall Street Journal. O editorial tem um título sombrio: The Next Greek Crisis. E um conteúdo pessimista: “Greeks will suffer most as they feel the squeeze of wage and pension cuts and tax hikes but experience none of the growth that supply-side reforms would bring. They may eventually find themselves holding devalued drachmas if Greece has to exit the euro. But they also keep electing candidates who campaign against reform, such as Mr. Tsipras and his center-right predecessor Antonis Samaras.”
Simon Nixon, o especialista em assuntos europeus do jornal, faz uma antevisão das dificuldades que estão pela frente do primeiro-ministro grego em Greek Leader Tsipras Can Expect More Humble Pie. Eis algumas delas:
The task is complicated by the damage inflicted by the events of the past few months. The market access that the government, banks and corporate sector had started to regain last year is now lost and the banking system weakened by recent deposit flight. (…) A successful negotiation will ultimately hinge as much on questions of trust as economics. As things stand, trust is in very short supply. Messrs. T sipras and Varoufakis have spent much of the past month insulting potential allies, playing to the domestic gallery and stirring up hostility to Germany by reviving Nazi-era grievances.
Outro clássico do comentários sobre temas europeus é Wolfgang Münchau, do Financial Times. No seu texto de hoje, The skirmish is over — let the Greek debt battle begin, centra-se na apresentação de algumas sugestões “imaginativas” para o problema das dívidas soberanas. Mas antes situa o problema:
The level of debt is thus closely related to the surpluses Greece needs to run. They are not independent variables you can adjust at will. A German official told me that, to justify a cut in the primary surplus as big as Athens wants, you would also need a hair cut on the debt. Since the Germans oppose a haircut, they will oppose a cut in the primary surplus too. So there is a huge battle ahead over this — much bigger than anything we saw last week.
Gideon Rachman, outros dos colunistas de assuntos internacional do Financial Times, é de opinião que A Greek deal cannot fix the flaws in the euro. É um texto que começa com uma constatação: “experience suggests that a debt deal with Greece may be only marginally more durable than a ceasefire in Ukraine.” Mais adiante coloca, sem hesitações, o dedo na ferida do euro, o que torna a leitura deste artigo indispensável:
The most passionate pro-Europeans are right that the only long-term alleviation of the problems of the wea ker economies in the eurozone would be to set up a genuine transfer union, in which tax revenues automatically flow from rich areas, such as Germany, to poor areas, such as Greece. But that is never going to happen because the Germans and Greeks do not trust and like each other enough to merge their fates in a real political union.
Passando do Telegraph, destaque para uma análise de Martin Vander Weyer em que se chama a atenção para o facto de não terem desaparecido os riscos de a Grécia sair do euro: Greece bailout: Don’t be fooled by the idea that 'Grexit’ is now impossible. É um texto onde se recorda como, no passado, várias uniões monetárias acabaram por se dissolver, escreve com alguma frieza: “Grexit after the next stalemate, whenever it comes, would still be a huge political event – but no more than a technocratic challenge for the ECB, and you may be sure that a team of the bank’s brightest, with IMF officials in support, are working on a contingency plan to ease Greece out of the euro with the least possible contagion and market turmoil.”
Ora este foi precisamente o ponto de uma reportagem da Spiegel da semana passada que causou alguma perturbação em Bruxelas:The Grexit Dilemma: What Would Happen if Greece Leaves the Euro Zone? Nesse trabalho não se refere apenas que o BCE já começou a trabalhar em cenários de saída da Grécia, vai-se muito mais longe nos detalhes. Veja-se a história com que o texto arranca:
On Wednesday of this week, 30 top managers at a large German bank all received a text message and an email at the exact same time. A short time later, their mobile phones rang with an automated voice giving them all passwords and a number to call at exactly 8:30 a.m. to join a teleconference with the board of directors. The communication blast was the initial step of the bank's emergency "Grexit" plan, a strategy laid out in a document dozens of pages long detailing exactly how managers should react in the event that Greece leaves the euro zone. Each of the 30 bank managers were required to work through the emergency measures pertaining to his or her division. Information was to be transferred to the supervisory board and public officials were likewise to be kept informed as was the German Finance Ministry. The plan also called for large investors to be put at ease.
A fechar, e porque vem a propósito, uma referência ao cartoon que ab re este Macroscópio. É de Patrick Chappatte e foi publicado na edição internacional do New York Times.
E por hoje me despeço, depois de um Macroscópio especialmente longo. Bom descanso, boas leituras e, porque foi noite de Óscares e nem todos ficaram acordados, recorde o mais importante no Observador (aqui, aqui, aqui e aqui, pelo menos).
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