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HMS Beagle |
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Encomendada: | . |
Quilha assente: | . |
Lançado à água: | 11 de Maio de 1820. |
Aumentado ao efectivo: | . |
Abatido ao efectivo: | 1845 (transferido para a Guarda Costeira). |
Destino após abate: | Vendido e desmantelado em 1870. |
Características gerais |
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Deslocamento: | 235 toneladas (242 toneladas na 2ª viagem). |
Comprimento: | 27,5 m |
Boca: | 7,5 m |
Calado: | 3,8 m |
Propulsão: | Veleiro |
Guarnição: | 120 homens quando em prontidão naval, 65 tripulantes e 9 supernumerários na 2ª viagem. |
Armamento: | 10 peças, reduzido a 6 peças para as viagens hidrográficas. |
HMS Beagle foi um brigue de 10 peças da classe Cherokee, que, ao serviço da Marinha Real Britânica, empreendeu três viagens de exploração, incluindo uma viagem de circum-navegação com o objectivo de explorar as terras e mares por onde passasse. Aquela viagem (a segunda que o navio fez) foi celebrizada pelos resultados obtidos por Charles Darwin, então um jovem naturalista que seguia a bordo como colector e consultor científico da expedição. O navio terminou os seus dias como posto de vigia de combate ao contrabando num estuário do oeste da Inglaterra, sendo em 1870 vendido para ser desmantelado. Parte do casco e algumas das suas cavernas podem ter sobrevivido ao desmantelamento, encontrando-se ainda enterradas no lodo do sapal de River Roach, no condado de Essex. O nome Beagle é uma referência à homónima raça de cães.[carece de fontes]
O brigue HMS Beagle, representado ao lado (no topo da caixa) numa aguarela de Owen Stanley pintada em 1841 durante a exploração da costa da Austrália, foi lançado à água no dia 11 de Maio de 1820 nos Estaleiros Navais de Woolwich (Woolwich Dockyard), sitos nas margens do Tamisa, tendo custado £7,803.
O navio foi construído segundo o plano da chamada classe Cherokee, cognominada de "brigues caixão" (coffin brigs), dada a notória tendência daqueles navios para adornarem excessivamente. Dos 107 navios construídos segundo aquele projecto, 27 perderam-se no mar. Apesar disso, a classe Cherokee foi uma das configurações mais vezes construídas pela Marinha Real Britânica.
Em Julho daquele ano tomou parte na parada naval realizada por ocasião da coroação de Jorge IV, na qual o Beagle foi o primeiro navio a navegar por debaixo da nova Ponte de Londres (London Bridge).
Depois daquele evento, e não havendo necessidade imediata do navio, o Beagle foi mantido durante 5 anos em preparos, ancorado sem guarnição completa. Foi depois armado em barca, adaptado à função de navio hidrográfico e preparado para viagens de exploração de longo curso.
Nesta função fez três expedições, na segunda das quais levou a bordo o jovem naturalista Charles Darwin, cujo trabalho durante a viagem e carreira posterior fariam do modesto HMS Beagle um dos navios mais famosos da História.
O percurso da viagem do HMS Beagle.
A 27 de Setembro de 1825 o Beagle deu entrada no arsenal de Woolwich para reparação e fabricos preparação para a sua nova função de navio hidrográfico. O número de peças de artilharia foi reduzido de 10 para 6 e foi-lhe adicionado um mastro de mezena com o objectivo de obter uma capacidade de manobra acrescida. Esta alteração ao velame fez com que o navio perdesse a configuração de brigue e passasse a aparelhar como barca. A adaptação às novas funções custou £5,913, um valor muito elevado para a época.
Terminados os fabricos, o Beagle levantou ferro a 22 de Maio de 1826 para a sua primeira viagem oceânica, tendo como comandante o capitão Pringle Stokes. A missão do navio consistia em acompanhar o HMS Adventure, um navio de maior deslocamento (380 toneladas) numa viagem destinada a elaborar o levantamento hidrográfico das águas costeiras da Patagónia e da Terra do Fogo, sob a direcção do capitão australiano Philip Parker King.
Tendo de enfrentar a parte mais difícil do levantamento hidrográfico das costas desoladas da Terra do Fogo, o capitão Pringle Stokes entrou em depressão profunda. Quando o navio escalava Puerto del Hambre, no Estreito de Magalhães, fechou-se na sua camarinha durante 14 dias e pouco depois, em Agosto de 1828, alvejou-se com uma arma de fogo e morreu em delírio 11 dias depois.
Face à morte do capitão Pringle Stokes, o comandante da expedição, o capitão Parker King, entregou o comando interino do Beagle ao tenente W. G. Skyring, que até ali exercia as funções de imediato do navio.
Navegaram até ao Rio de Janeiro, onde a 15 de Dezembro de 1828 o contra-almirante Sir Robert Otway, comandante-em-chefe da esquadra britânica na América do Sul, embarcado no HMS Ganges, nomeou o tenente Robert FitzRoy, que exercia as funções de seu ajudante, comandante interino do Beagle .
O tenente Robert FitzRoy, um jovem aristocrata de apenas 23 anos de idade, provou ser um comandante capaz e um hidrógrafo meticuloso, tendo prosseguido com êxito a missão de que o navio estava encarregue.
Num incidente ocorrido durante a exploração da costa da Terra do Fogo, um grupo de aborígenes fueguianos da tribo Yaghan roubou uma das embarcações do navio, tendo FitzRoy tomado como reféns, até devolução da embarcação, os familiares dos acusados. Desta permanência forçada a bordo resultou que dois homens, uma rapariga e um rapaz, a quem foi dado o nome de Jemmy Button e que posteriormente se transformaria numa celebridade em Londres, fossem levados para Inglaterra aquando do regresso do navio.
O Beagle chegou a Plymouth no dia 14 de Outubro de 1830, dando por terminada a sua 1.ª viagem de exploração.
Aborígenes fueguianos a saudar o
Beagle, por
Conrad Martens , o artista contratado para a campanha de 1833.
Não tendo ficado completo o levantamento da costa da América do Sul quando da expedição do Adventure e do Beagle realizada entre 1826 e 1830, o Almirantado britânico resolveu enviar nova expedição àquelas costas, detalhando para tal o HMS Chanticleer. Contudo, o mau estado daquele navio levou à reformulação do projecto, tendo sido escolhido como substituto, apesar da sua menor tonelagem, o Beagle.
Nesta decisão poderá ter tido influência o capitão Robert FitzRoy, que há muito procurava uma forma de propiciar o retorno à Terra do Fogo dos aborígenes fueguianos que tinha trazido para Inglaterra na viagem anterior, e que entretanto tinham sido preparados para assumirem o papel de missionários anglicanos junto dos seus compatriotas.
Em preparação da viagem, a 25 de Junho de 1831, o capitão Robert FitzRoy foi novamente nomeado comandante do Beagle, tendo o navio sido de novo aumentado ao efectivo naval a 4 de Julho de 1831, com FitzRoy a assumir de imediato a direcção dos fabricos e da preparação do navio e guarnição para a expedição planeada.
O navio deu entrada logo de seguida no arsenal para grandes reparações e, como necessitava de um novo convés, FitzRoy conseguiu obter o assentimento do Almirantado para introduzir grandes alterações na superestrutura do navio. Essas alterações incluíram o levantamento da borda de forma que o convés superior subisse consideravelmente, aumentando a altura 200 mm a ré e 300 mm a vante, e um redimensionamento das escotilhas das peças de artilharia de forma a reduzir o embarque de água em situações de mau mar.
Os navios da classe Cherokee tinham a fama de não aguentarem mar, embarcando demasiada água, o que levava ao excessivo adernamento e, eventualmente, ao afundamento. Tal fama tinha-lhes merecido o epíteto de "brigues caixão" (coffin brigs), o que não aconselhava o seu uso em águas tão sujeitas a grande ondulação como é a região do mítico Cabo Horn.
Com as alterações introduzidas, a água passou a drenar mais rapidamente dos convés e a não entrar tão facilmente pelas escotilhas, o que melhorou a manobrabilidade em mau tempo e reduziu o risco do navio revirar. A colocação de um novo revestimento no casco adicionou cerca de 7 toneladas ao seu deslocamento, melhorando a estabilidade por provocar uma descida do centro de gravidade do navio.
Para além das melhorias introduzidas no navio, o capitão FitzRoy obteve novos equipamentos de navegação e observação, incluindo 22 cronómetros de precisão e 5 barómetros de um modelo por ele inventado.
Tendo em conta o suícidio do capitão Pringle Stokes, ocorrido a bordo do "Beagle" na sua primeira expedição, e igual sorte sofrida por um seu tio, o capitão Robert FitzRoy tentou encontrar um companheiro de viagem, com perfil adequado aos seus gostos aristocráticos, que permitisse reduzir a solidão dos longos dias que passariam no mar. Não tendo conseguido a pessoa da sua primeira escolha, solicitou a ajuda do capitão Francis Beaufort, também meteorologista de renome e seu superior e amigo, na tarefa de localizar um candidato adequado.
Para a função pretendia-se um cavalheiro que fosse um verdadeiro "gentleman", mas que simultaneamente tivesse suficientes conhecimentos de História Natural que lhe permitissem assumir as funções de naturalista da expedição.
Essa busca levou ao recrutamento de Charles Darwin, então um jovem estudante, para o cargo, o que de forma inadvertida transformou aquilo que seria mais uma viagem hidrográfica feita por um pequeno navio, num viagem histórica que catapultou o "Beagle" para os píncaros da fama.
Levava também a bordo o pintor Augustus Earle com primeiro oficial desenhista. Earle só viajou até Montevideu uma vez que, por motivo de doença foi obrigado a retornar à Inglaterra. Substituiu-o, logo em seguida, outro artista que haveria de tornar-se famoso na Austrália, Conrad Martens.
Estava previsto que o Beagle partiria a 24 de Outubro de 1831, mas atrasos diversos nos fabricos atrasaram a sua saída para o mar até Dezembro daquele ano.
Uma primeira tentativa, feita a 10 de Dezembro gorou-se devido ao mau tempo que obrigou o navio a recolher-se novamente ao porto. Finalmente, a 27 de Dezembro, pelas 2:00 da tarde, o Beagle deixou o porto de Plymouth iniciando a sua histórica viagem.
Depois ter visitado demoradamente a costa do Brasil, onde a expedição visitou, entre muitos outros lugares, o arquipélago de Abrolhos, e de completar um extenso plano de levantamento hidrográfico da costa atlântica da América do Sul, o navio dobrou o Cabo Horn, prosseguindo o levantamento de parte da costa ocidental sul-americana. Posteriormente, visitou diversas ilhas do oceano Pacífico, retornando à Inglaterra via a Nova Zelândia e a Austrália, em cujas costas executou diversos levantamentos.
Na viagem de regresso voltou a visitar o Rio de Janeiro, tendo subido o Atlântico com escala nos Açores.
O Beagle chegou a Falmouth, Inglaterra, a 2 de Outubro de 1836, depois de quase 5 anos no mar e de ter circum-navegado a Terra, numa das maiores viagens de exploração já empreendidas.
Seis meses mais tarde, em 1837, o Beagle partiu em nova expedição, desta vez destinado a fazer o levantamento hidrográfico de alguns grandes troços da costa da Austrália. Estava encarregue do navio o comandante John Clements Wickham, tendo como ajudante hidrógrafo o tenente John Lort Stokes, que como guarda-marinha tinha participado na primeira expedição do navio e tinha embarcado na segunda expedição como hidrógrafo auxiliar.
Chegados à Austrália, iniciaram o levantamento da costa ocidental entre o rio Swan (na atual cidade de Perth) e o rio Fitzroy. Concluída essa tarefa, procederam ao levantamento de ambas margens do Estreito de Bass, no extremo sueste do continente.
Em Maio de 1839 velejaram para norte e procederam ao levantamento hidrográfico da costa australiana do Mar de Timor e do Mar de Arafura. Durante estes trabalhos, Wickham deu o nome de Golfo do Beagle e Port Darwin às zonas que hoje ostentam aquelas designações. Port Darwin viria a dar origem à actual cidade de Darwin.
Quando em Março de 1841 Wickham adoeceu gravemente e se demitiu das funções de comando, o navio ficou entregue ao tenente John Lort Stokes, que continuou os trabalhos da expedição.
A terceira, e última, expedição do Beagle terminou em 1843 com o regresso do navio ao estuário do Tamisa.
Em 1845 o Beagle foi transformado num posto fixo de vigilância costeira e entregue às autoridades fiscais para combate ao contrabando na costa de Essex e na margem norte do estuário do Tamisa. Já sem condições de navegação, foi ancorado no meio do rio Roach, um dos braços de água do labirinto de canais existente nos sapais a sul de Burnham-on-Crouch.
Nestas funções, o navio alojava 7 guardas, recrutados longe do local para evitar colusão com os habitantes das vizinhanças. Estes guardas, e as suas famílias, viviam a bordo, formando uma pequena comunidade. Para interceptar os contrabandistas utilizavam pequenas embarcações a remos que partiam do navio.
Permaneceu naquele posição durante alguns anos, até que em 1851 as companhias que se dedicavam à recolha de ostras naquela zona peticionaram a sua remoção, alegando que estava a obstruir o canal, dificultando a navegação. Foram desenvolvidas diligências para a remoção, tendo sido decidido o seu encalhe na margem.
A edição da Navy List datada de 25 de Maio de 1851 aponta-a sob o nome de Southend W. V. No. 7, localizado em Paglesham.
Em 1870, o navio foi vendido por £525 a Murray and Trainer para desmantelamento, tendo-se perdido o rasto posterior.
Investigações começadas em 2000 por uma equipa liderada pelo Dr Robert Prescott da University de St Andrews encontrou documentos confirmando que o W.V. 7 era o Beagle e localizaram na carta hidrográfica do local, levantada em 1847, um navio com dimensões correspondentes fixo no meio do canal. Uma carta posterior mostrava uma reentrância na margem norte do canal, nas proximidades da posição do navio, que aparentava ser um pequeno cais construído para lhe dar acesso.
Investigações feitas no local assinalado na carta revelaram uma área escavada, agora cheia de aluvião, com cerca de 5 m de profundidade, e no seu interior fragmentos de porcelana coincidentes com a época.
Buscas realizadas em Novembro de 2003 utilizando radar de penetração no solo e outros métodos geoeléctricos detectaram no local a presença de restos de madeira com o tamanho e forma da parte inferior do casco. A escavação revelou uma âncora de um modelo datável de 1841. Aparentemente os novos proprietários terão demolido as superstruturas para aproveitamento das madeiras, deixando encalhado no lodo a parte inferior do casco, a qual foi depois recoberta por material aluvionar.
Também se descobriu que censo de 1871 assinala no local uma casa de quinta registada em nome de William Murray e Thomas Rainer, o que permite especular que o registo do nome do negociante que adquiriu para desmantelamento o Beagle contém um erro de escrita, sendo que em vez de Trainer se deveria ler T. Rainer. Infelizmente a casa foi demolida na década de 1940, mas uma casa para arrumação de embarcações existente nas imediações incorpora madeiras com dimensões e características semelhantes às do cavername do Beagle. Aguardam-se novas investigações, já propostas.
Dada a fama do Beagle é certo que os esforços para localizar quaisquer restos que tenham sobrevivido ao desmantelamento continuarão.
- DARWIN, Charles. O diário do Beagle. Curitiba: Ed. UFPR, 2006.
- KEYNES, Richard. Aventuras e descobertas de Darwin a bordo do Beagle - 1832-1836. Tradução de Sergio Goes de Paula. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2004.
- PASSETTI, Gabriel. De entreposto a anti-modelo de colonização: a América do Sul entre a Inglaterra e a Oceania na década de 1830[ligação inativa]. Anais Eletrônicos do VIII Encontro Internacional da ANPHLAC, Vitória, 2008.
- PASSETTI, Gabriel. O mundo interligado : poder, guerra e território nas lutas na Argentina e na Nova Zelândia (1826-1885). São Paulo : Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2010. Tese de Doutorado em História Social.
- TAYLOR, James. A viagem do Beagle: a extraordinária aventura de Darwin a bordo do famoso navio de pesquisa do capitão FitzRoy. São Paulo: Edusp, 2009.