Bolsonaro precisa responder pelos crimes que cometeu, diz Marco Aurélio de Carvalho
Poucos atributos são tão valorizados por Lula quanto a fidelidade. É por isso que, entre os principais nomes do entorno do petista, estão aqueles que se mantiveram firmes ao seu lado nos dias inglórios da Lava Jato, quando, condenado e preso por corrupção, ele era dado como morto politicamente. Filiado ao PT há 29 anos, Marco Aurélio de Carvalho entrou para a seleta lista de homens de confiança do presidente eleito graças ao trabalho à frente do Grupo Prerrogativas, consórcio de advogados que pavimentou o caminho para a imposição de uma série de vitórias de Lula na Justiça. O elo tornou-se tão forte que o advogado e a esposa, Alessandra, foram padrinhos do casamento de Lula e Rosângela Silva, a Janja. Marco Aurélio virou habitué nas reuniões que definiram os rumos da campanha — e, agora, nos tête-à-têtes que trilham os passos do futuro governo. O advogado revela não ser um grande entusiasta do desmembramento do Ministério da Justiça e Segurança Pública e afirma que Bolsonaro “não tem estatura” para liderar a oposição a partir de 2023. Para ele, o capitão dedicará muito tempo à sua defesa na Justiça: “Bolsonaro precisa responder pelos crimes que cometeu. Não se trata de revanche ou vingança, mas de justiça e reparação”.
Como o grupo Prerrogativas obteve voz ativa no entorno de Lula?
O grupo foi criado em 2014 como uma espécie de Observatório da Democracia a partir de uma preocupação. Quando Aécio Neves, já derrotado, ocupa a tribuna do Senado e coloca o processo eleitoral em xeque, passamos a acreditar que aquilo pudesse ser uma espécie de ovo da serpente. Era um partido extremamente estruturado, com capilaridade no País, questionando o processo eleitoral. Ficamos preocupados e nos reunimos para acompanhar os desdobramentos desses questionamentos. A partir daí, começamos a nos organizar de forma mais estruturada no WhatsApp e resolvemos acompanhar também o avanço do ativismo judicial. A gente explica, de uma forma muito fácil, como uma moeda tem duas faces: de um lado a politização do Judiciário e do outro a judicialização da política. E o grupo foi ganhando espaço, porque fez o enfrentamento que precisava fazer, em especial em relação ao avanço dos efeitos perversos do lavajatismo, que pariu o bolsonarismo.
Bolsonaro não tem estatura para liderar a oposição
Vários nomes do Prerrogativas são cotados para nomes no alto escalão e para tribunais superiores. É uma espécie de “retribuição” por parte de Lula?
O que fizemos, fizemos pelo País. O Lula é a única liderança política capaz de reconstruir e conciliar o Brasil. É a única liderança política capaz de nos devolver o papel de protagonismo na geopolítica mundial. Não temos nenhum crédito com ele. Somos parceiros.
A reconstrução pode ser difícil, uma vez que o antipetismo ainda é latente pelos escândalos de corrupção identificados no governo Lula?
Todos os mecanismos de fiscalização e controle foram aperfeiçoados em gestões petistas. Foram esses governos que deram independência e autonomia para a Polícia Federal, para a CGU e para os demais órgãos. As instituições foram tratadas com respeito. A PGR, por exemplo, nunca foi um espaço para o qual o presidente mandou um aliado com o objetivo de sabotar tal situação. Agora, essa é uma disputa de narrativas que nos interessa continuar fazendo. Uma parte da população brasileira já compreendeu o que aconteceu no País: Lula foi vítima de uma perseguição implacável promovida por um juiz criminoso, que, a pretexto de combater a corrupção, corrompeu o sistema de Justiça e abalou de forma determinante a credibilidade de suas decisões. Sergio Moro prestou um desserviço à magistratura e deve ser motivo de vergonha para aqueles que integram o Poder Judiciário.
Por que não adotar uma agenda contundente de combate à corrupção, assumindo, por exemplo, compromisso com a lista tríplice para a escolha do PGR?
Não acho que a lista tríplice seja um caminho para isso. O presidente poderia ter submetida a ele uma lista sêxtupla, que me parece muito mais adequada. Defendo uma lista sêxtupla com três nomes escolhidos pela ANPR, desde que ouçam todas as instâncias do Ministério Público; um nome sendo indicado pela OAB; um nome eventualmente escolhido pelo Senado e Câmara; e outro pela sociedade civil. Ao presidente Lula, deve ser oferecida uma lista sêxtupla e creio que ele não precisa ficar condicionado a nomear o primeiro da lista. A lista tríplice é apenas um desejo interna corporis.
A lista não teria uma cara de barganha política ao garantir voz ao Congresso, controlado pelo Centrão?
Não podemos fazer regras de circunstância. Elas trazem mais prejuízos do que benefícios. Ouvir o parlamento, a voz do povo, é legítimo. Os deputados, que receberam mandato conferido pelo voto, que é soberano, têm o direito e dever de se debruçar sobre listas para escolher nomes que lhe parecem adequados e oportunos para tais cargos. A escolha se daria no universo restrito e limitado dos procuradores. Não vamos colocar na PGR um deputado ou uma pessoa que não tenha conhecimento jurídico e reputação ilibada.
Em outra ponta, as polícias foram aparelhadas e algumas alas acabaram capturadas pelo bolsonarismo. Essas instituições serão um desafio?
Lula escolherá diretores-gerais com espírito público, sólida formação jurídica e visão parecida com a dele, os quais compreendam que as instituições são de Estado e não equipes a serviço de um governo. Ele fará uma parceria para retomar a credibilidade que essas instituições perderam quando se deixaram instrumentalizar por interesses político-eleitorais. Veja a PRF. A corporação, evidentemente, não pode sofrer abalo pelo comportamento exagerado, indevido e ilegal de alguns de seus membros. Ainda assim, precisará de um processo de reacreditação, porque, na fase final das eleições, teve um papel muito feio por responsabilidade de alguns de seus membros.
Há outro problema. Lula nutre mágoas por alguns ministros do STF. Ainda assim, crê em uma relação de completa harmonia?
Lula é um homem sem rancores. Ele tem um grande amor pelo Brasil. Vai respeitar as instituições, inclusive o STF. Vai tratar a Corte com independência e autonomia. Vai incentivar os outros Poderes a nutrir uma relação harmônica. Não há espaço para rancores. Lula governará olhando para frente. Sua obsessão será novamente erradicar a fome. A partir de janeiro, será o presidente de todos os brasileiros e não somente daqueles que depositaram nele seus votos.
Lula cogita desmembrar o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O sr. crê que seria um bom caminho?
O Ministério da Justiça, em qualquer circunstância ou desenho, sempre terá importância. É um ministério que pode, inclusive, voltar a assumir a função de articulador político. Não sei se é adequada a separação. Há colegas, como Pedro Serrano, um jurista que respeito, que entendem que talvez seja o melhor caminho. Desde que a gente saiba dialogar com o binômio repressão-prisão, desde que a gente possa trabalhar a Segurança Pública com as imperfeições que ela tem com as demais pastas, não vejo como um problema. Mas não sou um entusiasta da separação.
O senhor já chegou a dizer que Lula não precisaria do Centrão para governar. A opinião mudou desde a eleição?
O Centrão é uma distração, uma criação. O Centrão talvez seja um guarda-chuva comum de interesses de várias lideranças partidárias e agremiações. Mas Lula tem uma capacidade singular de escutar as pessoas. Ele vai formar a base dele ouvindo todos os partidos políticos. O Centrão tem muita importância quando o governo é fraco. Lula fará um governo que vai representar verdadeiramente os anseios da população, que vai dialogar com setores da sociedade e que terá a força necessária para implementar políticas públicas necessárias para tirar o país desse buraco em que mergulhou nos quatro anos de Bolsonaro. Não tenho a menor dúvida que o Centrão não é uma ameaça ao governo Lula. O Centrão só cresce com a fraqueza do governo e a gestão Lula será, seguramente, forte.
Parece otimismo.
Temos uma base que elegeu Lula numa das eleições mais difíceis da história. Embora a eleição tenha sido acirrada, essa vitória foi muito significativa. Nunca houve tamanha utilização da máquina pública a favor de uma candidatura. O rombo é de R$ 200 bilhões segundo alguns, de R$ 250 bilhões segundo outros. Derrotar Bolsonaro com todo esse aparato é algo muito significativo. Essa foi uma eleição atípica. Houve abuso de poder político, econômico, religioso, propagação de fake news. Não podemos olhar para os números de forma fria.
Lula é um homem sem rancores. Vai respeitar as instituições, inclusive o STF
A permanência de Bolsonaro no PL, assumindo o papel de líder da oposição, pode ser uma pedra no sapato de Lula?
Bolsonaro não teria estatura, a rigor, nem para ser presidente da República. Infelizmente, a história o alçou ao cargo, embora ele não tenha condição moral ou técnica. Também não tem estatura para ser líder da oposição. Ele pode tentar se habilitar ao posto, mas, agora, essa legitimidade vai ser colocada em xeque por outras eventuais lideranças. Ele terá problemas na própria base. Bolsonaro é fruto de uma circunstância.
Que tipo de problemas?
Ele vai ter problemas com Tarcísio, que se elegeu ao governo de São Paulo. Tarcísio, inevitavelmente, vai se distanciar do bolsonarismo, porque a população do Estado cobrará resultados, uma postura de respeito à liturgia da função. São Paulo não aceitará ser governada sob bravatas e impropérios. Inclusive, na campanha, ele já começou a se distanciar de Bolsonaro. Ou seja, o capitão terá problemas na base. Como é uma base fracionada, que ele reuniu com base em interesses circunstanciais, essa base vai se desfazer. O momento do país será outro. O Brasil terá o desafio de combater e erradicar a fome, que assola a vida de 35 milhões de pessoas, de resolver a vida de 22 milhões de cidadãos que vivem do Auxílio Emergencial, de melhorar a vida de 30 milhões de brasileiros que vivem com um salário sem ganho real. Bolsonaro não tem agenda. A agenda de Bolsonaro é o obscurantismo. Ele apenas mente de forma diária. Agora, na oposição, a vida será dura. Ele não terá mais o cercadinho e vai para a planície. E gastará tempo se defendendo das acusações que lhe foram imputadas.
Bolsonaro pode ser preso?
Bolsonaro precisa responder de forma efetiva e pedagógica pelos crimes que cometeu à frente do mandato presidencial que lhe foi outorgado pela população. Não se trata de revanche ou vingança, mas de justiça e reparação.
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