sexta-feira, 27 de novembro de 2015

OBSERVADOR - 27 DE NOVEMBRO DE 2015


Macroscópio – Virámos a página. Mas para onde?

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com



Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Portugal tem, desde ontem, um novo governo, o XXI. O de António Costa. O que trouxe muitas novidades e seguramente ainda mais incertezas. Desde a tomada de posse de Santana Lopes, há mais de 10 anos, que não se assistia a uma tomada de posse tão tensa e com tantas trocas de recados – é importante ler, para o perceber em toda a sua extensão, o levantamento feito por David Dinis aqui no Observador em As farpas da posse. 10 de Cavaco, 14 de Costa. Seja lá como for, fechou-se um capítulo, longo e crispado, de formação de um governo de minoria sustentado no Parlamento por três acordos diferentes e nem sempre coincidentes. Por isso veremos o que nos reserva o futuro. Por hoje, vejamos o que se escreveu sobre os últimos desenvolvimentos políticos.

O Macroscópio de hoje será dividido em dois blocos, um centrado no Governo e em António Costa, outro mais virado para as reacções ao discurso do Presidente da República. De uma forma geral, reforça-se a ideia de que o Governo suscita muitas interrogações, quando não críticas abertas; e há uma quase unanimidade na crítica ao tom adoptado por Cavaco Silva, com uma notável excepção, como veremos mais adiante.

António Costa e o governo de todas as dúvidas

Primeiro ponto: Costa pode depender menos dele do que julga. É pelo menos isso que defende Henrique Monteiro, no Expresso, emUm Governo para ir governando (link para assinantes). O seu ponto de vista é que o primeiro-ministro de Portugal vale hoje pouco mais do que um putativo “presidente da Junta de Freguesia de Portugal”. O seu argumento é que, para o novo governo “Tudo vai depender da célebre bazucada de Draghi, das violações do défice de países como a França ou a Bélgica, do afundanço em curso da Finlândia (…) e de variáveis como refugiados, terrorismo e combate ao Daesh”. Será assim “um Governo para ir governando, a ver o que se passa. É uma navegação à vista, não só à vista da costa, como à vista de todos.”

Há nesta argumentação pontos que coincidem com o que eu mesmo escrevi hoje no Observador, em Vai valer tudo. Até arrancar olhos., e outros onde vou por outro caminho. Na verdade também antejo um governo de navegação à vista, mas com um objectivo mais preciso: estar sempre a pensar em eleições que podem ocorrer a qualquer momento, sendo muito importante controlar o timing dessa crise e calcular sobre quem recairá o seu ónus. Considero porém nesse texto de opinião que isso não acontecerá apenas por causa do enquadramento europeu, mas porque o “governo de combate” de António Costa “será, como foi bem visível no discurso de posse de António Costa, um governo que não olhará a meios para atingir os seus fins – um governo com muita gente que tem a mesma falta de escrúpulos que Costa teve em todo este processo.” Isto porque para o seu líder e para os que lhe são mais próximos tudo tem “em vista um e só um objectivo: o poder e o seu exercício.”

Esta visão muito crítica das escolhas políticas do novo primeiro-ministro é partilhada por dois colunistas do Público, João Miguel Tavares e Vasco Pulido Valente. O primeiro, em José Sócrates nunca existiu, sublinha que dois dos três homens do núcleo duro do ex-primeiro-ministro estão de regresso ao governo e que isso tem um significado profundo: que “António Costa não retirou qualquer ilação política nem do desastre de 2011, nem da detenção de 2014.” Já o segundo, em O governo e o novo PS, verificou que “A escolha dos srs. ministros, das senhoras ministras, dos 42 Secretários de Estado (e das Sras. Secretárias, claro) obedece a um luminoso critério: são, sem faltar um ou uma, criaturas de Costa” e que isso tem um significado claro: “É um grupo pequeno, que serviu para a Assembleia da República, que serve neste momento para nos pastorear e servirá pouco a pouco para transformar o partido socialista no partido costista. Ou seja, num partido mais radical, mais disciplinado e com escasso respeito pela liberdade e pelas liberdades.”

Outro analista muito céptico, ou céptica, é Helena Garrido. No Jornal de Negócios, em António Costa e os riscos de ser Cavaco, sublinhou o que considera serem os erros do discursos político que suportou a aliança que suporta o novo executivo: “Reduzir a política que se seguiu até hoje a uma estratégia de austeridade é desconhecer que vivemos num mundo financeiro, ditador para quem deve tanto dinheiro como nós. Um economista como Mário Centeno, o novo ministro das Finanças, tem de saber isso. "Slogans" sobre os malefícios da austeridade podem ser muito populares, mas chocam com a realidade e podem atirar-nos de novo para uma crise que tem tudo para ser pior do que a anterior.”

Enquanto escrevo ouço Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado que ficou com os Assuntos Parlamentares, a repetir o mesmo registo de discurso, isto num dia – e logo o primeiro – em que se notaram as primeiras divisões na “nova maioria”. Elas não passaram despercebidas a Francisco Sarsfield Cabral que, no site da Rádio Renascença, em Negociação permanente, escrevia que “Assim se vê o que vai ser o calvário de permanentes negociações do governo de A. Costa com os partidos à esquerda do PS. O tal acordo de base que Costa garantiu ter alcançado com esses partidos afinal não passava de uma mera declaração de intenções - iremos procurar convergências...”

Já Rui Ramos, e regresso ao Observador, foi por um caminho diferente na sua análise ao discurso de de posso do novo primeiro-ministro. Em Porque é que Costa devia ter agradecido a Passossublinha que “As “posições conjuntas” de Costa com o BE e o PCP são a melhor homenagem a Passos Coelho. Se Passos tivesse falhado, Costa não teria combinado reposições, mas os novos cortes do segundo resgate.” Isto porque “a única base positiva da actual situação política é a herança do anterior executivo, que poupou o país à bancarrota e à saída do euro. Essa é a pedra sobre a qual Costa tentará agora inventar alguma “normalidade”.”

Mas é também verdade que é mais fácil estragar do que consertar, pelo que será interessante ler a coluna de Miguel Angel Belloso no Diário de Notícias, hoje intitulada A esquerda que apenas reparte pobreza. Aí se estabelece uma comparação entre os programas do nosso PS e do PSOE espanhol e se critica a ideia de que se pode induzir o crescimento estimulando o consumo dos que têm baixos rendimentos, uma ideia comum aos dois socialismos ibéricos: “Os socialistas moderados (…) jamais renunciaram ao velho padrão keynesiano segundo o qual a propensão marginal ao consumo diminui com o nível de rendimento, assim, distribuir do maior para o menor rendimento impulsiona a procura e, portanto, o crescimento. Esta teoria sempre me pareceu delirante, com todo o respeito por Keynes, mas os socialistas do meu país estão a levá-la ao extremo, até ao ponto de terem transformado o seu lema clássico de campanha, "crescer para repartir", noutro igualmente cómico: "repartir para crescer".” O resto do seu texto é a sustentar esta sua incredubilidade.

Não se pense contudo que um eventual falhanço das metas de crescimento económico é garantia certa de crise na frágil coligação de Costa. O centro-direita não deve pensar, como defende Bruno Faria Lopes no Diário Económico em Com PS e PSD presos é de prever mais mudanças, que basta ter paciência que o poder acabará por lhe voltar a cair no regaço: “Ficar preso à espera do desgoverno do PS e manter a posição bélica de propagação do medo será um erro que o PSD pode vir a pagar caro. O desafio para o PSD é disputar o centro com o PS, tarefa que não será tão fácil como parece. Porque na última legislatura, que deixou cicatrizes, não teve condições para governar à “social-democrata”.” Ricardo Costa alinha argumentos no mesmo sentido em Três erros que a nova oposição não deve cometer, no Expresso (link para assinantes)

É uma opinião distinta da de João Pereira Coutinho que emCercados, no Correio da Manhã, escreve que “António Costa toma posse como primeiro-ministro e a direita range os dentes. Haverá motivos? Não creio.” E não crê quer pela circunstância, já referida atrás, de estarmos perante uma legislatura de “negociação permanente”, perante uma direita unida e uma União Europeia que não dá cheques em branco. Para além de que, “Se juntarmos a tudo isto a náusea geral que o homem inspira no português médio, o que sobra? Sobra um primeiro-ministro cercado e um governo remetido para o gueto. Alguém, em juízo perfeito, inveja este destino?

As críticas a Cavaco

O Presidente da República está no fim do seu mandato, e nas últimas semanas tem sido o alvo de todas – ou quase todas – as críticas. Dois exemplos de comentários ao seu discurso na tomada de posse:
  • Cavaco e Costa, de André Macedo, no Diário de Notícias: “É evidente que Cavaco quer exibir (não apenas mostrar) até à exaustão que não confia nesta solução, daí o teatro de ontem - converteu o normal (fiscalizar) em excepcional, dramatizando em excesso a ocasião. No entanto, o Presidente não deve transformar-se numa força do bloqueio. Compete-lhe ser exigente, sem demonstrações pueris de força.”
  • O triste fim de Cavaco, de Paulo Baldaia, na TSF: “A imagem do político que mais tempo exerceu o poder a entregá-lo cabisbaixo, arrisca-se a ser a imagem com que os portugueses recordarão o político Cavaco Silva. E não é só porque a memória é curta, é também porque a condução desta crise política revela que o seu mérito pode ter sido apenas o de estar no sítio certo à hora certa. Terá sido assim toda a sua vida política, mas ontem ele só não queria estar onde teve que estar.”

Estes dois comentários são a amostra de muitos outros, sobretudo os mais frequentes noa meios audiovisuais. Por isso sinto necessidade de reequilibrar, socorrendo-me para tal de alguém que já aqui citei, Henrique Monteiro, numa sua crónica mais antiga. Em O activismo anti-Cavaco é irritante, no Expresso Diário (link para assinantes) notou:
O que pretendo dizer, eu que nunca apreciei o estilo Cavaco, é que o ativismo impõe-se no discurso público ao formalismo. As pessoas querem ação, não querem saber de prazos e formalidades. Nomear Passos – como o costume português indica – foi considerado uma perda de tempo. Colocar condições – como tantas vezes aconteceu – uma afronta. Ouvir pessoas e demorar quatro semanas a arranjar uma solução, um crime. Esse ativismo, que não conhece barreiras nem regras, está obviamente a prejudicar qualquer solução, nomeadamente um Governo do PS. A expectativa é tão alta que dificilmente um Governo PS poderá agradar a uma base tão radicalizada. 

E agora julgo que é tempo de irmos para fim-de-semana. Pode ser que a temperatura política baixe nos próximos dias, mas não deixaremos mesmo assim de viver tempos conturbados e de grande imprevisibilidade. Até porque a outra corrida eleitoral que já devia estar no terreno – a das Presidenciais – tarda a arrancar mas em breve ganhará força.

Mas já que nos próximos dois dias deveremos ser beneficiados por um tempo bonançoso, possam os meus leitores descansar, ler e reflectir. Até segunda-feira.

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