quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

OBSERVADOR - 10 DE FEVEREIRO DE 2016


Macroscópio – A revolta dos eleitores zangados

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
Não houve surpresa nos vencedores das primárias de New Hampshire: Donald Trump no campo republicano, Bernie Carson entre os democratas. Onde houve surpresa foi na dimensão das suas vitórias, ambas por larga margem. O que é que isto significa? Será que vamos assistir a uma eleição presidencial disputada por dois políticos anti-sistema, genericamente definidos como populistas pela imprensa norte-americana? Abrirá essa possibilidade espaço para uma terceira candidatura, a de Michael Bloomberg, o ex-presidente da Câmara de Nova Iorque que é também proprietário de um poderoso grupo de informação financeira?
 
Como já veremos – ou como os leitores do Macroscópio poderão ler nalguns dos textos que hoje recomendaremos – os resultados das duas primárias que abrem a corrida à nomeação como candidato presidencial, a do Iowa a semana passada e a de New Hampshire nesta terça-feira, produziram resultados que podem ser invertidos quando outros estados, maiores e com um outro tipo de eleitorado, começarem a votar. Mas o sinal de alarme já se acendeu: quem neste momento vai à frente tanto entre os republicanos como entre os democratas são candidatos que não só vêm de fora das elites políticas tradicionais e exploram o sentido de desconforto dos eleitorados com as elites no poder.
 
Mas antes de irmos às análises sobre o que se está a passar, recordemos antes, com a ajuda de trabalhos do Observador, quem são os principais candidatos. A começar por Trump, sobre o qual fizemos um Explicador - Quem é, afinal, Donald Trump? - e por Bernie Sanders, a quem dedicámos um Especial - E se os EUA tivessem um presidente socialista?. Mark Rubio, que depois do Iowa e antes de um debate que lhe correu muito mal parecia ser o republicano melhor colocado para barrar o caminho a Trump, também teve direito a um Especial, Nascer com pressa de ser Presidente. Já Ted Cruz, que saíra vencedor do Iowa, apresentámo-lo em O conservador que detesta Washington D.C. mas sabe o caminho para lá de memória. Finalmente, para que possa perceber melhor o complicado mecanismo que começa com estas primárias e só termina, com a eleição do Presidente dos Estados Unidos, na primeira terça-feira de Novembro, temos outro Explicador: Isto é complicado: guia para as eleições nos EUA.
 
Passemos agora ao que se passou ontem, no New Hampshire. Aí, escreve a The Economist, The populists are on top. Eis como descreve a gravidade do que se passou do ponto de vista dos candidatos mais ligados às elites políticas de Washington.
Do lado dos democratas: “A former first lady, senator and secretary of state, Mrs Clinton represents continuity—and the electorate wants change.  Exit polls in New Hampshire suggest 41% of Democrats want a more left-wing president than Barack Obama. (…) She has charm, but of a programmatic sort. Having failed, so far, to fire up many women with the promise of America’s first woman president, she is struggling even to make them trust her.”
Do lado dos republicanos: “For the Republican leaders who recoil in horror at Mr Trump’s careless populism, his offensiveness and his frequent trampling over conservative causes such as free trade, Mr Rubio’s poor showing was perhaps the biggest story of primary night. (…) Mr Rubio is suffering from a perception that he is too green to be president (…). Yet he remains clever and attractive; if he is not to be the mainstream Republican champion, it is not at all clear who will be.”
 
Ainda antes da eleição, o principal colunista de assuntos internacionais do Financial Times, Gideon Rachman, já previa o que se iria passar – e fazia-o a partir do terreno, onde foi assistir à campanha. Em Trump, Sanders and American rage avisa que “The yearning for leaders from the fringes will have profound implications for the US and the world” e procura exlicar a dimensão desse risco: “[America’s] system, dominated by the Democrats and Republicans, has always rejected the political extremes. That means that, behind the day-to-day dramas, the nation has benefited from a deep political stability, which has contributed greatly to its economic strength and global power. If America’s immunity to extremism is ending, the whole world will feel the consequences.”
 
De facto, como sabemos, não é só nas primárias norte-americanas que vemos populistas de direita, de esquerda ou inclassificáveis ganharem terreno – esse panorama é já comum na Europa. E corresponde muito àquilo que outro jornalista do Financial Times, Edward Luce, descreve em New Hampshire primary: voters repudiate America’s elites. Isto é, “The victors were an ageing socialist who had almost zero name recognition a year ago and America’s most famous reality television host. The scale of Bernie Sanders’ and Donald Trump’s victories were breathtaking.” Pelo que “Both parties may be on course to endorse candidates who repudiate much of what they stand for.”
 
No Salon esta análise vai um pouco mais longe, mesmo que o título repita a mesma ideia: This is the establishment’s worst nightmare: What Bernie & Donald’s stunning New Hampshire wins really mean. E vai mais longe porque convida a olhar para o retrato de conjunto: “If you look at basically any other Western democracy, you shouldn’t be too surprised that Hillary Clinton and the unappetizing mush that is Kasich/Bush/Rubio are having such a rough ride. The world is reeling from tectonic demographic and technological changes, along with the rot of oligarchical rule and continual warfare, all of which have driven the politics of country after country into great upheaval. America is no different. The people backing the National Front in France would likely find much to discuss with some of Donald Trump’s supporters. The members of the Labour Party who made Jeremy Corbyn their leader over the howling objections of the party’s upper echelons would no doubt have a very jolly time commiserating with Bernie Sanders backers.”
 
 
Quanto às razões da zanga dos eleitores com as elites políticas, o Telegraph procurou fazer uma síntese em Why is America so angry with its politicians? O jornal identifica um conjunto de áreas principais: Barak Obama’s leadershipThe failing economy;Immigration and terrorismBillionaires and inequality e The liberal media. Seja por estas ou por outras razões a verdade é que um terço dos americanos diz que se sente zangado várias vezes por dia, como mostra o gráfico acima.
 
Mesmo assim há quem procure por água na fervura e lembre que não é a primeira vez que candidatos populistas entram de rompante no arranque das primárias para depois irem desaparecendo gradualmente. É nisso que procura acreditar Gerald F. Seib, um analista político do Wall Street Journal emSanders and Trump Win Big But Leave Their Races Unsettled. Eis um dos seus comentários: “History can’t be entirely ignored, especially when it comes to Iowa and New Hampshire. No candidate has lost both states and gone on to win a party’s nomination since Bill Clinton in 1992. That means Sen. Ted Cruz, who won Iowa, and Mr. Trump, after winning New Hampshire, have an advantage, and Mr. Sanders and Mrs. Clinton are both in the game, if history is any guide. But this is an election cycle that already has shown little to no respect for traditions and precedents, and there’s no reason to think traditional order will be restored now.”
 
 
Ora olhar para a frente foi precisamente o que fizemos, aqui no Observador, no último Conversas à Quinta com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto, gravado a semana passada, logo numa altura em que apenas se previa as vitórias de Trump e Sanders em New Hampshire: Houve surpresa nas primárias do Iowa? Nem por isso. Nessa conversa (que recomendo acompanhemsubscrevendo o podcast) reconheceu-se que estamos perante uma eleição muito indefinida, bem longe do “passeio” até à Casa Branca que se previa para Hillary Clinton, mas que tudo deverá começar a mudar quando os eleitores de estados com outra composição social e étnica começarem a votar. Sendo que a próxima eleição primária será na Carolina do Sul, um estado onde o eleitorado negro tem muito peso.
 
Mas para antecipar o que se poderá passar daqui para diante nada como seguir o site fivethirtyeight.com, onde se reúnem todas as sondagens e inúmeras análises, sendo que nas eleições de 2012 as suas previsões revelaram-se especialmente certeiras. Se quiser ir directo às sondagens para a Carolina do Norte, aqui tem as da corrida entre os democratas, e aqui a da corrida entre os republicanos.
 
Antes porém de acabar o Macroscópio de hoje, gostava ainda de partilhar convosco uma outra reflexão, esta centrada na Europa mas que tem pontos de contacto com o tema de hoje. Trata-se deThe Great Populists, um texto de Jacek Rostowski (antigo ministro das Finanças e vice-primeiro-ministro da Polónia) publicado no Project Syndicate. Naturalmente centrado no que se está a passar no seu próprio país sob a liderança de Jarosław Kaczyński e na vizinha Hungria de Viktor Orbán, assim como na Rússia de Vladimir Putin e na Turquia de Recep Tayyep Erdoğan, um conjunto de líderes autoritários que designa por “PEKO’s”,
escreve ele:
The biggest difference between the Great Dictators and the PEKOs is that the latter regularly have to face their electorates. Indeed, their confrontational politics is the central element of their survival strategy. Each one of them has gained (or maintained) power by polarizing their societies and mobilizing their electoral base. The PEKOs’ political style has been enabled by modern news media, which, scrambling for audience share, simplify and sensationalize issues. Starkly antagonistic statements and positions tend to gain the most exposure. This gives confrontational politicians a powerful advantage, and produces the electoral polarization on which the PEKOs have fed.
 
É uma descrição sobre a forma de actuar de todo um novo tipo de políticos populistas. É de resto uma forma de actuar que tem similitudes com a dos populistas americanos, com a dos nacionalistas identitários de algumas regiões europeias, com a dos grupos extremistas e que, nalguns casos, até já foi a de políticos supostamente mainstream. Todos temos exemplos na cabeça, escuso de concretizar.
 
E por hoje é tudo. Tenham bom descanso, continuem sempre actualizados seguindo-nos aqui e… até amanhã.

 
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