Macroscópio – Uma selecção especial. É é tudo português.
Macroscópio – Uma selecção especial. É é tudo português.
Tem o Macroscópio andado muito por águas internacionais, pelo que hoje voltamos a casa pa ra referir uma mão cheia de textos que, mesmo retomando temas que, por regra, já aqui tratámos, merecem uma referência. Vou organizá-los por temas.
O primeiro tema é o das propostas do grupo de economistas mobilizado pelo PS. Tem havido bastante luta política, troca de tiros entre a maioria e o principal partido da oposição, mas ainda vamos no começo da análise mais detalhada de todas as propostas do documento “Uma década para Portugal”. Por isso mesmo os textos ainda são sobretudo sobre as circunstâncias do PS e a forma como a maioria reagiu. Eis alguns deles:
- No Diário Económico, João Cardoso Rosas, um politólogo próximo do PS mas muito distante da direcção de António Costa, defeniu assim A sorte do PS : “A sorte do PS nas próximas eleições está antes de mai s dependente da evolução da situação política na Europa. Se a Grécia entrar em incumprimento já em Maio e os efeitos sociais desse facto se fizerem sentir rapidamente, o eleitorado português tenderá a ser mais cauteloso e a optar pela coligação de direita. Se os efeitos da falência da Grécia não forem tão visíveis para já, então o PS e o programa agora apresentado terão a sua janela de oportunidade nas próximas eleições.”
- No mesmo Diário Económico, Bruno Faria Lopes, em O legado de Soares nas propostas do PS, explicou como estas propostas reaproximam os socialistas da sua matriz mais centrista, realista e europeísta, distanciando-os de r etóricas mais radicais. Para tal recorda a forma como Mário Soares tratou, como primeiro-ministro, as duas outras vezes que o FMI esteve em Portugal: “Soares foi sempre um primeiro-ministro em tempo de aperto e austeridade; Soares teve sempre a ambição de colocar Portugal na União Europeia. Quem se surpreende com as propostas económicas avalizadas pela actual liderança socialista – a ausência da reestruturação da dívida, a flexibilização do despedimento individual, as privatizações, a não afronta ao Tratado Orçamental, a baixa da TSU, etc. etc. – por não serem suficientemente de esquerda e “anti-esta-Europa” está a esquecer-se da identidade do partido.”
- Aqui no Observador André Azevedo Alves considerou, em O cenário do PS: entre Centeno e Varoufakis, que o partido ainda hesita: “A tragédia grega em curso terá ajudado a silenciar as “varoufakisses”, mas é ainda assim cedo para formar uma opinião definitiva. António Costa já veio avisar que o relatório enquadrará mas não determinará o programa do PS e não há razões para acreditar que os entusiasmos syrizistas tenham desaparecido por completo do partido. Em qualquer caso, pelo menos de momento o cenário de radicalização irresponsável do PS parece afastado.”
- Entrando na discussão dos últimos dois dias, André Veríssimo, no Jornal de Negócios, defendeu que era bom fazermos mais Pela credibilidade dos programas eleitorais. Talvez não entregando os documentos já conhecidos à UTAO ou ao CSP, pois estes ainda não são programas eleitorais, mas que seria bom estarmos melhor informados sobre o seu realismo: “A avaliação por uma entidade credível e independente funcionaria como um travão a propostas irrealistas, reforçando o compromisso dos partidos com a sustentabilidade orçamental e económica das medidas, no médio a longo prazo. Algo em que, sentencia o passado recente, o país falhou. O exame seria também um instrumento ao dispor dos cidadãos na reflexão sobre a quem dar o voto. Um maior rigor e responsabilidade na apresentação de propostas podia até, quem sabe, atenuar a má imagem que a maioria dos portugueses tem da política e dos políticos.”
- Finalmente Joaquim Aguiar, no Jornal de Negócios, em A eterna repetição do mesmo, escreveu que, “Avaliadas as propostas apresentadas, elas são - como não podiam deixar de ser - variantes triviais dentro do programa de ajustamento que está em execução. E quando se admite que este "plano para a década" tem como finalidade gerir as clivagens internas neste partido singular, reconhece-se que é no interior do Partido Socialista que está o primeiro problema na resposta à crise.”
As celebrações do 41º aniversário do 25 de Abril e do 40º aniversário das primeiras eleições livres suscitaram duas reflexões importantes a dois colaboradores do Observador. Não são comentários aos discursos ou ao anúncio da coligação PSD/PP, mas um esforço de ir além da espuma dos dias.
- Em Reductio ad salazarum, Alexandre Homem Cristo, que nasceu muitos anos depois do 25 de Abril, defendeu que este “não tem dono” e que é demagógico e cansativo estar sempre a considerar, por exemplo, que “as propostas da direita são censuráveis na medida em que, se Salazar fosse vivo, as defenderia”. É por isso que condena um país “refém de cabeças políticas que se sustentam do seu passado”. E que “Soares, Alegre, Vasco Lourenço e tantos nos partidos à esquerda exigem que o bicho-papão do Estado Novo permaneça vivo e fazem do momento revolucionário currículo ou cadastro (convertido, respectivamente, em legitimidade ou ilegitimidade política). Dito de outro modo, transformam o reductio ad salazarum num pilar de acção política.”
- Já Rui Ramos invoca um grande clássico da historiografia portuguesa, da autoria de José Mattoso, para emIdentificação de um país: as eleições de 1975 recordar como o mapa eleitoral desses anos era, em boa medida, um espelho fiel de dois países que há séculos formavam, e formam, uma mesma nação, Portugal. Como ele escreve, &ld quo;O mapa eleitoral de 1975 parecia o eco inesperado de um livro: Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico, publicado por Orlando Ribeiro em 1945. O Portugal da direita e da esquerda era o Portugal das montanhas e das planícies, do Atlântico e do Mediterrâneo, com tipos distintos de povoamento, de propriedade rural e de cultura agrícola. Mas faltava ainda dar outro passo na compreensão do voto de 1975. Coube, dez anos depois, ao historiador José Mattoso, com Identificação de um País. Ensaio sobre as origens de Portugal, 1096-1325, agora reeditado pela Temas e Debates.” Isto porque porque “O que Mattoso demonstra (…) é que a divisão eleitoral de 1975 não correspondia apenas às ideologias contemporâneas, mas a áreas historicamente diferenciadas, com diverso s níveis de prática religiosa, de sistemas de parentesco, de tecnologias agrícolas, e de características fonéticas e lexicais.”
Salto de tema e regresso a Piketty, que já foi tema do Macroscópio esta semana (na segunda-feira). Apenas para duas notas:
- João César das Neves fez, no Diário de Notícias, em A fama de Piketty , o elogio do académico e a forma simplista como a sua obra de sucesso tem sido lida (um leitura que o próprio, de resto, tem estimulado). Pequeno extracto: “Aquilo que sabem todos os que compraram e não leram o pesado volume é que o capitalismo gera inevitável desigualdade crescente. E isso está lá escrito, mas na parte especula tiva e não científica da monografia, enquanto os dados fornecidos manifestam um panorama bastante mais emaranhado e ambíguo. O autor, como analista respeitável que é, já o admitiu num recente texto, “About Capital in the Twenty-First Century”, publicado na mais famosa revista de economia, American Economic Review: Papers & Proceedings 2015. Aí relativiza muitas das extrapolações e vulgarizações dos seus defensores, repondo a seriedade e equilíbrio numa questão que é demasiado importante para ser tratada com ligeireza.”
- Já Maria João Marques, aqui no Observador, em Os magos, compara os que têm tendência para encontrar explicações mirabolantes para cert os denómenos naturais (até dá um exemplo relacionado com o terramoto no Nepal), para depois criticar a forma como este economista é vista em alguns sectores da opinião pública, algo com origem em velhos hábitos culturais e políticos: “Por cá a crença em magos é fulgurante. Temos as versões domésticas: Cavaco Silva ou o tentado ‘professor de Coimbra, meu Deus’. Temos as versões estrangeiradas: António Borges e, por estes dias, Mário Centeno (...). E temos as versões estrangeiras, as que causam maior euforia. Os melhores exemplos são Paul Krugman e Thomas Piketty.”
Deixei para o fim alguns textos soltos, mas sobre temas importantes.
Apesar de, aparentemente, a lei iníqua sobre a cobertura das campanhas eleitorais já ter sido deixada cair por todos os partidos, não é demais sublinhar a falta de cultura democrática que a simples existência dessa proposta revelou. É esse um dos pontos de João Miguel Tavares em Estranha estupidez , editado ontem no Público. Mas ele chama a atenção para um ponto que passou muito despercebido no debate público: “é uma nódoa que os próprios meios de comunicação não combatem com o músculo necessário. É certo que o coro de indignação foi unânime e que a ameaça de não dar notícias sobre as eleições resultou. Mas essa é a ameaça errada. O que os media deveriam ter feito era anunciar a sua desobediência conjunta e lutar por ela nos tribunais eu ropeus, se preciso fosse. A primeira obrigação de um jornal é informar os leitores e não obedecer a leis iníquas. Para alguma coisa o direito de resistência está inscrito na Constituição.”
Bem, para ser rigoroso, nem toda a comunicação social. Num texto que eu próprio escrevi para o Observador logo na sexta-feira em que foi conhecido o projecto, Explicar devagarinho, para os deputados entenderem, recordei que este órgão de informação se estreou com o único debate da última campanha das europeias, “desafiando o black-out provocado pelas decisões da CNE”, e que não o fizéramos por acaso: “fizemo-lo por fidelidade aos princípios essenciais da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão”. Depois porque acrescenteu não ter dúvidas “que qualquer condenação de algum órgão de informação com base naquelas normas infames não deixaria de terminar numa sucessão de humilhantes condenações do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.”
Arménio Rego e Miguel Pina e Cunha, respectivamente professores na Universidade de Aveiro e na Nova School of Business and Economics, escreveram também no Público sobre Do que necessitamos num candidato presidencial . É um texto em que relembram as qualidades políticas e humanas de Lincoln, o marcante Presidente dos Estados Unidos, ante s de acabarem de uma forma quase desconsolada: “Os tempos são outros, mas há algo de intemporal na boa liderança. Citando novamente Brooks: “Uma pessoa com a cara de Lincoln não sobreviveria à era da TV. Uma pessoa com a sua capacidade de introspeção não sobreviveria ao ambiente de campanha de promoção da marca pessoal, 24/7. Mas precisamos de alguém com uma porção dos seus dons – que seja filosoficamente fundamentado, emocionalmente maduro e táticamente astuto. Bem, pelo menos podemos procurar a maior aproximação possível.”
Termino com duas referência à anunciada greve dos pilotos da TAP. Primeiro, para citar Francisco Ferreira da Silva, do Diário Económico, quando ele escreve que Nunca tantos perderam tanto por tão poucos . Depois para vos recomendar Henrique Monteiro, no Expresso (para assinantes): Um país de loucos (e alguns deviam ser internados). É bem verdade.
Bom descanso, boas leituras, e até amanhã.
(para quem não conhecia, a fotografia que ilustra este Macroscópio foi tirada em Lisboa, em 1948, e mostra uma vista a partir do Castelo de São Jorge. O jovem fotógrafo chamava-se Stanley Kubrick e estava a fazer uma reportagem para a revista Life. Achei que uma imagem de Lisboa vista por um olhar estrangeiro ficava bem numa selecção onde todos os textos são, desta vez, portugueses...)
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ANTÓNIO FONSECA
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