Efeito GIPI: Guerra, Inflação, Pandemia e Inverno
Opinião de Tiago Correia, comentador SIC e professor de Saúde Internacional.
Vive-se um momento de expectativa no hemisfério norte à medida que o inverno se aproxima. O hemisfério sul passou por uma atividade gripal intensa e ainda ninguém consegue antecipar os efeitos das novas variantes do SARS-CoV-2 na saúde das populações.
Por isso, a OMS renovou a classificação da Covid-19 como emergência de saúde pública de preocupação internacional, os países mantêm ativos os planos de vacinação e os cientistas avaliam os riscos e benefícios das vacinas disponíveis, ou seja, quais devem ser usadas, quando e para quem.
A expectativa não é alimentada apenas por isto. A Europa continua em guerra. Milhões de ucranianos ora passam frio ora procuram refúgio nos países vizinhos, entre os quais Polónia, República Checa, Eslováquia ou Roménia. Esses países sentem uma enorme pressão na capacidade de acolhimento. É o caso das escolas, do mercado de trabalho e, sobretudo, dos sistemas de saúde. A qualidade das respostas de saúde pública, de cuidados primários e hospitalares não tem forma de ser mantida perante a conjugação do frio, da pandemia e da guerra.
Noutros países, a situação sendo diferente não é menos difícil. A inflação e as medidas para a combater resultam no aumento dos preços e do crédito bancário. As famílias têm menos dinheiro disponível.
É verdade que ouvimos vezes sem conta falar de cada um destes acontecimentos. Contudo, ainda não ouvimos falar o suficiente sobre o quanto estes acontecimentos têm efeitos cumulativos entre si. Ou seja, que é de esperar um agravamento das condições de saúde e de vida perante a conjugação GIPI: guerra, inflação, pandemia e inverno.
As implicações mais óbvias do efeito GIPI é uma conjugação perigosa: o aumento da pobreza e das doenças. Por isso, é preciso saber o que está ao alcance da política para, no imediato, minimizar este efeito.
Há aspetos em que a ação política tem pouca eficácia ou é incerta. É o caso da guerra e da inflação. Tanto a diplomacia internacional ainda não encontrou soluções para atenuar o conflito, como não é claro se as medidas de controlo da inflação produzirão a curto prazo os resultados pretendidos.
Mas há aspetos em que a ação política tem a obrigação de incluir aprendizagens. É o caso do inverno e da pandemia.
Sobre o inverno, os países têm a responsabilidade de não esperar mais pela definição de planos de contingência e de vacinação das populações. Têm de saber quais os serviços de saúde que irão receber doentes com infeções respiratórias e como é que garantem a não interrupção das outras consultas, cirurgias e rastreios. Têm de saber como mantêm equipas em funcionamento perante a possibilidade do aumento do absentismo dos profissionais de saúde e qual a capacidade dos sistemas de informação online e por telefone para garantir que não há interrupções nestes serviços.
Sobre a pandemia, os últimos 2 anos foram ricos do ponto de vista de aprendizagens. Pode parecer absurdo falar em riqueza dada a dureza do que vivemos. Mas não é. É a consciência de que os países foram sujeitos a pressões únicas e que reagiram de formas nem sempre iguais.
Temos o dever de ter aprendido alguma coisa com o objetivo de antecipar medidas, conhecer efeitos, saber o que funciona e o que não funciona. Falar na riqueza das aprendizagens é uma manifestação de respeito pelo sofrimento que, de uma forma ou de outra, todos sentimos.
A maioria dos estudos aponta que a mortalidade por Covid-19 foi mais alta em locais geográficos onde habitam pessoas em vulnerabilidade socioeconómica (mais pobres, menos escolarizadas, mais isoladas e onde há minorias étnicas). Esta tendência encontra-se nos vários continentes e está em linha com o que se sabe sobre muitas outras doenças.
A dedução lógica deste argumento é que a idade e outras doenças não são indicadores suficientes para definir os grupos de risco para a Covid-19. Sabemos que as condições de habitação incluindo o aquecimento, a alimentação, a disponibilidade de dinheiro para a compra de medicamentos, a literacia e o acesso a cuidados de saúde são determinantes para a saúde e bem-estar das populações. Isto também é verdade para a Covid-19.
Sabendo que as implicações mais óbvias do efeito GIPI é a maior exposição a fatores risco para a saúde e bem-estar, importa perceber duas coisas. Uma é que o combate à pobreza continua a ser a mais fundamental medida de saúde pública; a outra é que é necessário repensar as ações políticas no sentido de incluir as condições socioeconómicas como fator de risco para a Covid-19.
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