quinta-feira, 20 de setembro de 2018

OBSERVADOR

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

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Acabou por ser o tema da rentrée política, mesmo tendo sindo lançado já fora dos habituais espaços que assinalam o regresso dos líderes aos grandes discursos. A proposta do Bloco de Esquerda de criar uma taxa sobre a especulação imobiliária, conhecida poucas semanas depois de um dirigente desse mesmo Bloco se ter visto envolvido num caso descrito como sendo de especulação imobiliária permitiu um pouco de tudo. Primeiro permitiu ao CDS, logo seguido pelo PCP, crismar a nova taxa de “taxa Robles” (o nome do vereador bloquista caído em desgraça), designação logo adoptada pela comunicação social, o que virtualmente matava a proposta de Catarina Martins e Mariana Mortágua à partida.

(Sobre este tema vale a pena ler o texto de João Miguel Tavares no Público, Taxa Robles: o que há num nome?, pois explica o que foi brutalmente eficaz na reacção do CDS: “baptizou a proposta com o nome da pessoa que a proposta queria fazer esquecer”.)

O PS e o Governo, ao perceberem a fragilidade do Bloco, subiram o tom de voz, e tanto Carlos César como António Costa cortaram cerce a ideia de mais uma taxa, fazendo-o num registo que até lhes permitiu marcar distâncias e depois de meses a falarem do assunto com o BE sem nunca fecharem totalmente a porta a uma qualquer medida a incluir no próximo Orçamento. E por fim o PSD tropeçou em si mesmo, com Rui Rio num dia a mostrar abertura à proposta do Bloco para, no dia seguinte, emendar a mão e apresentar uma ideia diferente, mas talvez não tão diferente como isso.

(Para conhecer melhor o que propuserem realmente o Bloco e o PSD recomendo a leitura do trabalho do Observador Taxa Robles vs. Taxa Rio: as diferenças, as semelhanças e os obstáculos a derrubar. Como se nota nesse texto “Os problemas que as duas medidas podem encontrar começam no facto de não fazerem parte de um pacote de medidas mais abrangente, que vise combater a especulação imobiliária aumentando, ao mesmo tempo, a oferta. Este é o entendimento de grande parte dos especialistas, mas também de vários atores políticos: do PCP ao CDS, passando pelo próprio primeiro-ministro.”)

A forma como este tema entrou no debate público não é estranha à forma de actuar do Bloco – que gosta de surfar temas de que fala nos jornais e inquietam sobretudo a classe média das grandes cidades, com Lisboa à cabeça, como é caso da alta dos preços da habitação – mas é menos habitual no PSD. Daí que nenhum dos partidos tenha detalhado as suas propostas e, muito menos, apresentado estudos que justificassem a sua necessidade e a sua bondade. Daí que várias questões se tenham colocado por estes dias, sem que para algumas delas se tenham encontrado respostas. Por exemplo: de que falamos quando falamos de “especulação imobiliária”? Há mesmo uma “bolha imobiliária”? E que efeitos colaterais e indesejados podem ter medidas aparentemente bem-intencionadas?


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No Jornal de Negócios, Bruno Faria Lopes criticou precisamente a facilidade com que se discute sem conhecimento da realidade no seu texto Especulação imobiliária no País do “Achismo”. É um texto onde acrescenta inúmeras perguntas concretas às que elenquei no parágrafo anterior, concluindo que “Há uma gritante falta de informação concreta sobre o que se está a passar nas várias frentes de um mercado que mexe em algo tão fundamental como a habitação.” Contudo, sendo “difícil conceber como se pode decidir sobre parcelas de um sector que na realidade não se conhece”, tal “não impede, claro está, que se produza nova legislação – tal como não impede a multiplicação de "peritos" baseados no que lêem nas redes sociais e ouvem dos seus amigos.

Já Edgar Caetano, no Especial do Observador, foi falar com especialistas para responder a uma questão tão simples como esta: Comprou uma casa? É um especulador ou um investidor? Mesmo sendo a pergunta simples, a resposta não é, mas dela pode derivar a taxa de IRS a pagar de acordo, por exemplo, com o que poderá vir a ser a proposta do PSD de Rui Rio. Sendo que uma das respostas surpreendentes que ouviu veio de um operador imobiliário: “Em entrevista ao Observador, Ricardo Sousa, presidente-executivo da imobiliária Century 21, recusa a ideia de que ainda exista especulação no mercado imobiliário neste momento. “Existiu, mas já não existe, ou existe muito pouco”, afirma o responsável. No auge da crise houve, de facto, pessoas que compraram casas numa expectativa de obter mais-valias puramente por se estar a “comprar baixo e vender alto”, diz Ricardo Sousa: “hoje isso é impossível”.

(Novo aparte, desta vez para vos remeter para uma resposta simples de um site brasileiro de urbanismo, urbe.lab, à questão O que realmente é especulação imobiliária?  É dele a imagem junto que ilustra a ideia que o especulador é, sobretudo, aquele que nada faz e fica à espera que o seu investimento se valoriza por acção de outros para depois fazer as suas mais-valias.)

Prossigo com a exploração da resposta a esta questão, agora para citar Paulo Ferreira que, no jornal online Eco, também titulava a sua mais recente crónica com várias perguntas: Robles é especulador? E Costa? E você? O texto discute ilustra com vários exemplos concretos como é perigoso embarcar na retórica política e tem a vantagem de trazer alguns números concretos para este debate – números que contrariam alguns “achismos” de ocasião: “Entre 2009 e 2013 (ponto mais baixo da década, no segundo trimestre), os preços do imobiliário caíram 12,7%. De então para cá, aumentaram 36,1%. Mas se calcularmos a evolução dos preços entre o início de 2009 e o primeiro trimestre deste ano, a subida nacional foi de 18,8%. É um retorno bruto – sem impostos nem despesas descontados – demasiado elevado para um período de nove anos? Não, antes pelo contrário.”


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Claro que neste período houve quem tivesse ganho muito mais do que esses 18,8%, mas também houve quem se tivesse arruinado. Sendo que este é apenas um indicador, há muitos outros. Num artigo bem anterior a esta polémica (foi publicado em Janeiro deste ano no Observador), André Vaz, consultor de investimento da consultora JLL Portugal, defendia que no imobiliário O futuro é uma oportunidade, não uma bolha. O interessante do artigo, lido a esta distância, é que apesar de usar dados que eram apenas de 2016, ele mostrava como este mercado estava então muito menos activo do que estivera dez anos antes. Por exemplo: “em termos de financiamento, ainda registamos níveis bastante abaixo do período pré-Lehman: cerca de 5,5 mil milhões de euros em crédito hipotecário registado em 2016 em comparação com cerca de 25,2 mil milhões registados em 2006, segundo dados do INE. Do lado da oferta, segundo a mesma entidade, verificamos que o número de fogos concluídos em 2016 foi cerca de 10% do registado em 2006. Estes factos conjugados resultam num número de transacções de imóveis residenciais em 2016 ainda bastante abaixo do registado em 2006: 142 mil em comparação com os 220 mil vendidos no período pré-crise.

São indicadores parcelares que certamente evoluíram em 2017 e 2018, mas que se juntam a muitos outros que apontam por regra num mesmo sentido: as políticas públicas a adoptar devem ir no sentido de aumentar a oferta e não de a tornar mais cara (como sucederia com qualquer taxa ou imposto que se aplicasse, a quem comprasse ou a quem vendesse). Eu próprio defendi isso no Observador em Robles, Catarina, Rio – a mesma luta (“Quando existe uma situação destas a melhor solução é permitir que a oferta equilibre a procura para estabilizar os preços. Os poderes públicos podem ajudar a que isso aconteça de forma directa – colocando eles mesmos habitações no mercado, tarefa em que têm sido sobejamente ineficientes – ou de forma indirecta – facilitando o licenciamento e o investimento privado, no fundo não atrapalhando quem quer apostar no crescimento e no futuro do país.”), tal como fez o antigo ministro das Finanças Luís Campos e Cunha em Taxa Robles (“Quando existem lucros anormais (como os da “especulação imobiliária”) há um afluxo de investimento nessa actividade de tal forma que os 100 da aquisição acima referidos tenderiam a subir e os 300 de valor de venda tenderiam a cair com o incremento do afluxo de casas no mercado. Os tais “lucros especulativos” tenderiam a desaparecer com o tempo.”), ou ainda Pedro Braz Teixeira, que até propôs Cinco soluções para a habitação em Lisboa (“1. Via verde do licenciamento de habitação; 2. Urbanizar os “baldios”; 3. Reabilitar as ruínas e gavetos; 4. Realojar quarteis; 5. Realojar serviços públicos.”).

Houve mais textos na mesma linha, tal como algumas saídas a terreiro dos bloquistas a defenderem as suas posições (caso de Mariana Mortágua na sua coluna no Jornal de Notícias, em Combater a especulação imobiliária), houve políticos do CDS a procurarem chamar a atenção para o quadro geral (como Adolfo Mesquita Nunes no Jornal de Negócios, em Taxa Robles, onde toca num dos pontos sensíveis deste tipo de legislação avulsa: “temos tendência para analisar e avaliar as políticas de acordo com as suas intenções e não de acordo com as suas consequências.”), e houve ainda trocas de argumentos que vale a pena registar. Como a que se registou entre Fernanda Câncio, que no Diário de Notícias, em O estado de sítio na habitação defendeu que “Quando um apartamento em Lisboa é tão caro ou mais que em Londres chegámos ao momento de fazer com a habitação o que se fez com o pão: tabelar”, uma opinião que foi logo contrariada por Vera Gouveia de Barros, no Eco, em Câncio Vs Câncio, onde cita vários artigos mais antigos da mesma autora para defender que antes ela teria razão (por exemplo em de Agosto de 2016Julho de 2017 e Março e Junho deste ano) e agora deixou de ter: “Para que o Estado assuma as suas responsabilidades nesta matéria [da habitação], o que tem de fazer não é limitar preços. É colocar casas no mercado, aumentando a oferta. Basta isso para (se a procura não aumentar mais que proporcionalmente) provocar a descida do preço. Mas até pode oferecê-las a preço abaixo do de equilíbrio, concorrendo “deslealmente” com os privados, apresentar-se como um senhorio alternativo, que pratica rendas acessíveis.”

Antes de terminar referência ainda a um texto mais técnico de Ana Brás Monteiro – Portuguese housing market developments no Boletim Mensal da Economia Portuguesa – já com alguns elementos que podem tornar o debate mais sustentado e a dois textos de enquadramento político, um no Observador, de Miguel Pinheiro, sobre o que aproxima Catarina Martins e Rui Rio, Ganhar dinheiro? Só pouco e devagarinho, e o de Bruno Alves no Jornal Económico, Uma polémica portuguesa, sobre os políticos preocuparem-se mais com a pose do que com a substância.


Entretanto talvez haja coisa realmente importantes a passarem-se, daquelas em que podemos falar mesmo de grandes negócios imobiliários mal explicados e políticas públicas no mínimo pouco compreensíveis. E tudo bem debaixo do nariz de quem vive na antiga capital do Império, mas com outros senhores. Sem ter elementos para julgar, mas com tendo ficado com muito em que pensar, foi publicada por estes dias uma entrevista com histórias que, a serem metade do que foram apresentadas, já seriam bem perturbadores. Refiro-me à de Fernando Nunes da Silva, antigo vereador da câmara de Lisboa, ao semanário Sol. Aqui ficam as referências para a longa (e inquietante) conversa que foi publicada em duas partes: 
E por hoje é tudo. Tenham bom descanso, e ainda melhores leituras.

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