quinta-feira, 28 de junho de 2018

OBSERVADOR

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
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Mundial de 2018. Um longo psicodrama no Sporting. A polícia a fazer buscas na sede do Benfica. Não tem sido fácil encontrar espaço para o mundo – ou mesmo para a política doméstica – fora do universo do futebol. O próprio mundo olha para nós, ou para o nosso futebol (e para Bruno de Carvalho), para nele encontrar sinais do mesmo tipo de populismo que parece ser moeda corrente em cada vez mais países (o artigo saiu na edição europeia do Politico e chamava-se Portuguese football’s parable of populism). Mas adiante, e regressemos aos temas europeus e à cimeira que no final desta semana deverá abordar diferentes crises, com destaque para as das migrações.

Paulo de Almeida Sande introduz-nos no Observador à agenda, complexa, daquela a que chamou  A Mãe de Todas as Cimeirase Maria João Avillez, que esteve recentemente em Itália, traz-nos em Qual das Europas?  o testemunho do viu e sentiu: “os italianos, que já estavam infelizes (...), começam a estar fartos. O cansaço exige um culpado e para eles o embaraço é a escolha: o euro a que mais de metade da população atribui a descida do nível de vida? Os imigrantes que “os outros não querem”? Bruxelas vista como fonte de indecisão e palco de hipocrisias várias? Sim, tudo isto, basta ouvir as pessoas e eu ouvi: se o gesto de Salvini é inadmissível, ele não pode ser separado do solitário calvário que o precedeu.”

Ora Salvini é, na Europa, aquilo a que chamaríamos uma carta fora do baralho, um político que não encaixa na previsibilidade habitual, como se notou no Eurointelligence em Why a fearless Italy is so dangerous for the EU: “What makes Matteo Salvini so dangerous for the EU is his complete lack of fear. That's a category of recalcitrant politician Merkel has not yet encountered within the EU.”

Mais, explica Mark Wallace, da Conservative home, em Immigration is tearing at the foundations of the EU’s old established order: “While Italy was in the past ‘ready to accept legislation that was manifestly against the country’s interest’, in order to stay in with the rest of the EU, now it has a government which explicitly makes a virtue of standing up to them – not merely fighting when it has to, but picking fights where it can. Upsetting Macron, and forcing Merkel to come begging for Italy’s co-operation, aren’t simply by-products of their strategy, they are beneficial outcomes as far as Five Star and the Lega are concerned. It’s not a million miles away from Donald Trump knowing that when he outrages polite society in New York or California, that in itself stands as evidence to his base that he must be doing something right.”

Por isso, enquanto, dizem as mais recentes sondagens, Merkel loses support, far right rises after migration row, a verdade é que a única coisa em que os 16 líderes da União Europeia que se encontraram este domingo em Bruxelas concordaram foi em que estavam em desacordo, como se conta no Politico em On migration, EU leaders unite around plan to forego unity, reconhecendo-se que houve “a general agreement to stop seeking an overall, common solution”. Em concreto, se se manteve o discurso sobre uma “visão europeia” conjunta, o verdadeiro resultado foi “the recognition that it was virtually impossible to achieve unanimity, particularly among Central European nations like Hungary and Poland that adamantly refuse to accept refugees as part of an EU relocation system”.

Nesta mini-cimeira – a que António Costa faltou, o que suscitou uma critica dura de João Marques de Almeida no Observador, em Onde estava Costa quando se discutiu a imigração?(“o nosso PM resolveu não ir. Com esta decisão, abandonou um princípio central da diplomacia portuguesa: nunca faltar a uma iniciativa europeia quando a Espanha está presente”) – os líderes presentes entregaram ao estreante espanhol Pedro Sánchez o papel de porta-voz, e este acabou por dar indicações que a Europa se vai fechar ainda mais, blindar as fronteiras e tentar criar campos de acolhimento no norte de África. Ou seja, depois do gesto politicamente calculado de acolher o barco cheio de imigrantes que a Itália e Malta não aceitaram nos seus portos, acabou por, de alguma forma, render-se, como se escrevia no editorial do El Español ao Realismo migratorio más allá del ‘Aquarius’. Até porque a Espanha também está no olho do furação: “En los cinco primeros meses de este año, han llegado más de 8.200 personas por la ruta entre Marruecos y España, cifra que supone un incremento de casi el 60 por ciento con respecto al pasado año. Y lo más preocupante para España, por lo que pueda suceder este verano en nuestras costas, es que el número de llegadas a Grecia ha caído un 97 por ciento desde la firma de acuerdo con Turquía, mientras que en la ruta entre Libia e Italia la reducción ha sido del 77 por ciento en el último año. Y de ahí, la petición de ayuda a nuestros socios europeos. A Pedro Sánchez le está llegando de golpe el realismo migratorio.

Mas se estes foram alguns dos desenvolvimentos mais recentes, há alguns textos onde se analisa e reflecte sobre o que se está a passar e que gostaria de acrescentar à lista que já vos deixei a semana passada. E começo por Empathy, but also realism, are necessary in facing immigration, do historiador Niall Ferguson no Boston Globe, onde ele começa de forma muito directa e pessoal (“I am an immigrant — a legal one”) e depois recorda a dimensão do problema, uma dimensão que ninguém pode ignorar: “This is not an American problem. It is a global problem. According to a Gallup survey published a year ago, more than 700 million adults around the world would like to move permanently to another country. Of that vast number, more than one-fifth (21 percent) say that their first choice would be to move to the United States. The proportion who name a European Union country as their dream destination is higher: 23 percent.” Por isso, recordando sempre a sua especial sensibilidade como imigrante casado com uma refugiada, chama a atenção para a necessidade de ser realista: “The question is not whether to stop migration but how to manage it. But from those of you who regard any regulation of immigration as somehow unjust — who want illegal immigrants to be treated the same as those who follow the rules — I plead for rationality. Wholly open borders are not a sane option for any country.

Depois de um historiador uma historiadora, neste caso Anne Applebaum que tem uma reflexão muito interessante no Washington Post sobre a retórica que muotas vezes surge associada às campanhas anti-imigração. Em The dark history behind Trump’s inflammatory languageela recorda – e é bom termos sempre memória – que “Communist, fascist and tribal ideologies evolved in places whose cultural histories, economic status and religious traditions had nothing in common. Wealthy Germany and impoverished Rwanda. Buddhist Cambodia and Orthodox Russia. Yet these different regimes did all have one thing in common. It was the obsession that one French scholar , writing of Cambodia, called the “mania for classification and elimination of different elements of society.” In each one of them, the groundwork for violence against a specific group — whether an ethnicity, an economic class or a political faction — was originally laid by a very particular way of using language.” Sem querer colocar no mesmo patamar os dirigentes que hoje recorrem a uma retórica igualmente simplificadora e segregadora, considera que, “In the longer term, there will be another kind of price to pay: Eventually it will be impossible to discuss real immigration issues, or to talk about real immigrants, if a large part of the public has come to believe in quasi-authoritarian fictions.”



E este é precisamente um dos problemas que preocupa Henrique Raposo que, no Expresso Diário, em Podemos falar de emigração como adultos?, defendeu que, “Se queremos desarmar os nacionalismos, não podemos criar tabus sobre o lado negro dos refugiados e migrantes. O medo a jusante (populismos) alimenta-se da negação a montante (politicamente correto).

E mesmo que, como Gideon Rachman, do Financial Times, se tenda sempre a colocar o mais odioso do lado dos líderes populistas, em Donald Trump leads a global revival of nationalismele também chama a atenção para uma certa cegueira que parece existir no campo oposto: “Many liberal internationalists find it hard to accept that the nationalists are making progress partly because they have some genuine political insights. Their emphasis on the enduring importance of the nation-state clearly resonates with voters. Demands for tougher control of illegal migration flow naturally from that idea — since the question of who is entitled to citizenship is central to national identity.” Os seja, mesmo que os populistas não tenham reais soluções a propor antes prefiram o irrealismo – “Abolish all those fussy international laws and you are on the route to anarchy, a trade war — or a real war.” –, a verdade é que não podem ser ignorados.

Sendo que para mais ainda há aqueles que, mesmo fazendo parte de partidos tradicionais, sobem a parada na esperança de barrar o caminho aos mais extremistas. Às vezes isso pode ser perigoso, pelo que importa conhecer uma dessas figuras, o líder da CSU bávara e ministro do Interior alemão, o homem que está a colocar Merkel entre a espada e a parede. O Handelsblatt apresenta-o em Seehofer, the towering Bavarian who could topple Merkel's government, notando que “while Ms. Merkel has the numbers on her side, Mr. Seehofer appears to have the voters’ emotions on his”. Isto porque, entre outros motivos, as percepções da realidade valem por vezes mais do que a realidade, ou o retrato estatístico da realidade: “Germany is the safest it has been in 26 years, say federal statistics on crime. But it doesn’t feel that way to many, especially as they read the details of a 14-year-old local girl who was recently strangled after a presumed date in the woods with a 21-year-old Iraqi refugee went horribly wrong.

E pronto, está aberta uma dinâmica que no limite pode fazer cair o governo alemão, algo a que pouca atenção temos dado em Portugal, como é de resto habitual. Por isso me despeço por hoje recorrendo a Miguel Monjardino e à sua última crónica no Expresso, Crises no Atlântico e África, um texto onde leva um pouco mais longe o lamento com que abri esta newsletter: “Portugal, entretido com o Mundial de Futebol, o Rock in Rio e a saga do Sporting, continua a não ter reflexão prospetiva. Olhamos para o mundo com um misto de negligência e miopia. As únicas matérias de discussão política são de curto prazo. O resto é problema dos outros. Esta opção provocará, inevitavelmente, instabilidade na sociedade e economia nacionais. Tudo indica que terá de acontecer uma crise grave para alertar o país para a necessidade de pensar e preparar o seu futuro.

Tenham bom descanso, boas leituras e não pensem demasiado no Ronaldo até ao próximo sábado e ao encontro com o Uruguai. Não sofram por antecipação.

 
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