quarta-feira, 27 de junho de 2018

EXPRESSO CURTO

VÍTOR MATOS
EDITOR DE POLÍTICA
 
Trivela, a obra de uma vida inteira
26 de Junho de 2018
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Bom dia!
Aquele golo bastava-nos. A tabelinha, tic-tac, a finta, e depois o remate inesperado com a parte de fora do pé, e o efeito fatal ao ângulo. Experimente rematar uma bola assim para ver onde ela vai parar, diz-se uma “trivela", direitinha às redes, não se quer acreditar, se fosse escrever aqui um lugar-comum diria que foi uma obra de arte, mas aquilo foi sobretudo um trabalho profissional, daqueles que se concretizam quando alguém consegue pôr num gesto tudo aquilo que sabe de um ofício que aperfeiçoou ao longo de uma vida inteira. Quaresma bastou-nos ontem à noite, encheu-nos de futebol, para dormimos descansados depois do sofrimento final contra o Irão. Desta vez, Ronaldo falhou-nos. Acontece.

Os melhores profissionais têm destas coisas, tanto acertam que um dia também falham, só que quando se é o melhor do mundo não há desculpa possível, já tinha quatro golos marcados, este seria o quinto, podia ver-se a angústia do avançado perante o guarda-redes enorme dentro da pequena baliza antes do penálti. Como consolo, sirva-nos a estatística, ninguém marca sempre, imaginem um jogador que concretiza 100% de penalidades, nem o Maradona nem o Baggio nem o Platini, esses falharam penaltis inesquecíveis em mundiais, pois os génios também erram, e serve-nos de consolo, humaniza quem olha para o Cristiano como um super-homem. O problema é que um penálti falhado é um golo a favor da equipa adversária e assim foi, parecia impensável que os iranianos marcassem, mas marcaram, a bola é redonda e o VAR é retangular, por mais que veja as imagens não vejo ali nada, nem mão nem coisa nenhuma, mas é que uma pessoa perde o discernimento com os nervos e decerto perdi também algumas faculdades momentâneas de visão acompanhadas de palavreado pouco apropriado. Mas parece que o Alan Shearer é da mesma opinião, ou tem os mesmos defeitos oculares para não ver ali a penalidade, diz que é uma "farsa" valha-nos isso, que o homem é inglês e deve ser mais imparcial do que nós.

Aquele tempo extra foi uma coisa terrível, com os espanhóis a marcarem aos marroquinos no outro estádio, a malta a começar a fazer contas no sofá e os iranianos a pressionarem, um país inteiro nisto - aliás, duas velhíssimas nações inteiras nisto, persas e portugueses -, mas afinal o apito final chegou. Apanhamos o Uruguai nos oitavos, talvez seja melhor do que defrontar os russos todos acesos em casa e em Moscovo, agora venha quem vier temos pelo menos mais 90 minutos de sofrimento garantido. E talvez o público russo saia a nosso favor, a pedir ao altíssimo para golearmos o Uruguai, como vingança divina pela humilhação que infligiram à velha Rússia.

Houve outros sustos. Se o meu coração foi acelerando até aos 96 minutos, parou e congelou o da Lídia Paralta Gomes, enviada ao Mundial e que escreveu a crónica do jogo aqui na Tribuna Expresso. Parou quando viu a bola "lá dentro, a balançar na rede”, isto de quem torce por um país tem que se lhe diga, eu não vi a mão do Cédric, e a Lídia parecia-lhe que Taremi tinha metido a bola para lá de Patrício. Tremi, trememos todos, e depois passámos uns três minutos demasiado longos com o credo na boca, prova de que o tempo é uma coisa demasiado relativa.

Como nem só de golos se faz um jogo, houve um homem que fez mais ainda a diferença: Pepecomo nos conta aqui o Pedro Candeias, editor de Desporto do Expresso e da Tribuna, que o elegeu como o melhor em campo: “Nunca é tarde para agradecer a alguém que decidiu escolher Portugal ao Brasil, um ato de fé que é também uma extraordinária prova de amor a um país”. E se alguma vez viu “um beto substituir um cigano em funções consideradas vitais para um país e correr bem?”, então leia aqui análise jogador a jogador, do Vasco Mendonça (de Um Azar do Kralj). Ou outra análise pelo Diogo Faro, que começa assim: “Quando vierem 476 iranianos a correr com a bola, (...) gritemos: "Ó PEPE ANDA CÁ SALVAR ISTO, POR FAVOR!" Para desempatar, há uma perspectiva feminina, da Catarina Pereira, do Lá em Casa Mando Eu, a lembrar com ironia que “as mulheres iranianas já podem entrar nos estádios(viva!), mas os nossos médios mais ofensivos ainda não”.

Se não passou o serão de ontem a ver programas de comentário sobre as incidências do jogo, pode ler aqui que no fim da partida Quaresma ficou chateado porque “o treinador [do Irão], é português e deve respeitar mais os portugueses” e noutra peça, saber o que disse Carlos Queirós, que se queixou do video-árbitro sobre Ronaldo: “Não vou ser simpático com o que aconteceu”.. Ou perceber o alívio de Fernando Santos, que criticou William por andar “meio perdido, porque queria arrastar o 20 deles”. E ainda as declarações de João Máriosobre o VAR ou de Arien sobre a passagem aos oitavos.

É claro que o quadro não fica completo sem perceber o que aconteceu a Espanha, que apesar de tanta tabelinha, futebol curto, posse de bola e talento, chegou a estar em risco, quase derrotada por Marrocos. Mas não. Empatou quase no fim do jogo e agora defronta a Rússia em casa e em Moscovo. Era onde Portugal devia estar, mas ainda bem que não está. O Diogo Pombo escreveu a crónica do jogo na Tribuna: “A Espanha continua a ser a Espanha que faz 762 passes em hora e meia. Ainda é insuperável no centro do campo, mas também parece ser, cada vez mais e por força do contexto deixado por um treinador despedido, falível na própria área e ineficaz (e pouco esclarecedora) na área adversária.” Sábado há mais.
 
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O jogo foi tão interessante que, logo no final tanto António Costa como Marcelo Rebelo de Sousa fizeram uma espécie de crónica da partida, mas o Presidente da República tem mais com que se preocupar. Amanhã encontra-se com Donald Trump na Casa Branca, mas escapará a uma conferência de imprensa conjunta. A Ângela Silva explica neste artigo publicado no Expresso Diário, como Marcelo escapou a aparecer muito tempo ao lado de Trump como sucedeu com o francês Macron: o facto de ser uma visita de trabalho e não de Estado liberta o protocolo dessa obrigação. Um alívio. Quem sabe se Trump tirava uma selfie com o Presidente português? "Great guy!"

Dois anos depois do Euro e da polémica sobre o caso "viagens da Galp", o Observador noticiou que vão ser constituídos arguidos os deputados do PSD Luís Montenegro, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, por suspeita de recebimento indevido de vantagem - por alegada oferta da Olivedesportos de Joaquim Oliveira para ver jogos da seleção em França. Os três deputados (dois deles ex-líderes parlamentares) disseram que receberam a notícia “com surpresa mas também com absoluta tranquilidade", e confirmaram a constituição como arguidos.

Se não se encontram nas reuniões da direção do PSD para combinarem estratégias, Rui Rio e Fernando Negrão almoçaram ontem no Porto para resolverem o diferendo da aprovação do diploma do CDS para acabar com a sobretaxa dos combustíveis - que o líder fez saber ter sido aprovada pela bancada à sua "revelia". Segundo o Público, o PSD vai tentar que a medida só entre em vigor em 2019 ou que seja assegurada a neutralidade fiscal.

A polémica sobre a transferência do Infarmed para o Porto prossegue. O Jornal de Notíciastinha divulgado ontem um relatório a apontar vantagens na mudança, mas Rui Moreira, presidente da câmara recusa a a ida de apenas 47 trabalhadores e quer a sede do instituto na cidade que gere: "O Porto quer o Infarmed, admitindo que em Lisboa fique uma delegação. Quando falamos da localização, estamos a falar de estarem no Porto as suas principais competências e valências", afirmou Rui Moreira, citado pelo JN.

Em Caxias, um guarda prisional passava informações confidenciais aos reclusos sobre rusgas, para além de ter um papel importante na entrada de droga e de telemóveis na prisão. Uma história do Hugo Franco e do Rui Gustavo, no Expresso.

Na Turquia, Recep Tayyip Erdogan não só ganhou as eleições como conseguiu alterar o regime constitucional para um presidencialismo à sua medida. A comunidade internacional criticou o processo eleitoral turco. A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini,criticou nesta segunda-feira as condições da campanha eleitoral na Turquia e considerou que não foi "imparcial".
A declaração de António Saraiva, da CIP, que numa entreviata ao Negócios admitiu o salário mínimo acima dos 600 euros apanhou os outros patrões de surpresa, admitiram outras confederações patronais ao Expresso.
Se é trabalhador independente, fique a saber que em 2017 só 316 pessoas nessa situação conseguiram ter acesso ao subsídio de desemprego.

Na Europa está em marcha um novo grupo partidário que pode ter algum peso na configuração do próximo Parlamento Europeu, retirando força a socialistas e a conservadores. O Presidente Francês, Emmanuel Macron, assinou um acordo com o líder dos espanhóis Ciudadanos e que poderá estender-se ao Partido Democrático Italiano do ex-primeiro-ministro Matteo Renzi.

Regressando ao desporto, Sousa Cintra quer rescindir com o treinador Mihajlovic.

E o Benfica foi alvo de novas buscas no âmbito do caso Mala Ciao (O Observador fez um explicador sobre o assunto). Desta vez, trata-se do alegado aliciamento de jogadores que envolve o Benfica, o Vitória de Setúbal, o Desportivo das Aves e o Paços de Ferreira. Luís Filipe Vieira fez uma conferência de imprensa a dizer que “nada naquela denúncia faz sentido”.

AS MANCHETES DO DIA

Público: "Ficaram por fazer mais de 233 mil consultas de oftalmologia em 2017"

Diário de Notícias: "Madeira ilegal do Congo entra na Europa por Portugal"

Jornal de Notícias: "PJ suspeita de corrupção na cedência de jogadores do Benfica"

Correio da Manhã: "Lisboa movimenta 22 aviões por hora"

i: "Médico de Marcelo foi impedido de entrar nas urgências do Hospital de Braga"

Negócios: "Rendimentos prediais aumentam 65% em dois anos"

O QUE ANDO A LER

FICÇÃO
No velho Império Austro-Húngaro, tudo tem um cheiro antigo, a humidade e bolor, seja na Viena imperial mesmo em pequenas casas perto do Schonbrunn vienense (o palácio dos imperadores) ou nos palacetes da nobreza rural e militar. As Velas Ardem Até ao Fim (D. Quixote) é um livro do escritor húngaro Sándor Marai, cuja obra eu desconhecia, sobre a amizade de dois rapazes, afinal dois velhos, inseparáveis na juventude, antes e depois do colégio militar, que passam 40 anos sem se ver. Na verdade, é um livro sobre a amizade, mas daquele tipo de amizade que só é possível entre dois homens e seria muito improvável se fosse entre duas mulheres (li isto algures sobre a obra, mas depois percebi exatamente o que isto queria dizer).

Até que um dia Konrád se anuncia no palacete de caça de Henrik, "o general". Já não se viam há duas décadas. Agora têm mais de 70 anos. A ama do menino Henrik já fez 91 e tudo parece velho e decandente como o regime que há-de cair depois da Grande Guerra. A única luz que o autor projeta no ambiente sombrio da Hungria rural vem da música de Chopin tocada num piano que a mãe (francesa) do general levou de Paris para a consolar no frio húngaro. Com a chegada das memórias antigas à sua casa, o fidalgo manda abrir uma sala que estava selada, para um jantar. Henrik, o aristocrata castrense e Kónrad, o melómano pobre e com sensibilidade de artista que nunca teve vocação para soldado e viveu no Extremo Oriente, continuam unidos por uma amizade incompreensível, mas trágica. O livro é rápido de ler, a escrita é simples e direta, mas o efeito poderoso. Se puder, leve para férias que não se vai arrepender.

NÃO-FICÇÃO

Entretanto, comecei a ler a biografia do general Loureiro dos Santos, "O que tem de ser tem muita força", escrito pela minha colega do Expresso, Luísa Meireles, e que é lançado esta tarde na Assembleia da República. Duas histórias lançam o livro. Uma história final abre o primeiro capítulo, quando Loureiro dos Santos se demite do Estado Maior do Exército em 1992, contra a polémica "lei dos coronéis" do ministro Fernando Nogueira e de Cavaco Silva. E a história inicial que se segue dá conta de um rapazito, Zeca, Zé Alberto, em Vila Pouca, Trás-os-Montes, cuja inteligência é descoberta por um professor que insiste para os pais o porem a estudar, nem que tenham de roubar.

Ingressará na Academia Militar, será oficial de Artilharia, passará pela guerra, estará no olho do furacão durante a revolução - em que participou na célebre assembleia selvagem depois do 11 de Março - e no comando operacional do 25 de Novembro. Seria ministro da Defesa nos governos de iniciativa presidencial no final dos anos 70, sairia da vida militar quando o poder político fez uma das últimas grandes reformas no sector (antes do fim do serviço militar obrigatório). Próximo de Ramalho Eanes como um "irmão de escolha", como o próprio ex-Presidente da República admite no prefácio, Loureiro dos Santos tornou-se conhecido do grande público quando, ao longo de anos, foi fazendo comentário sobre conflitos e política internacional na televisão.
Adeus, que este Curto já vai longo, e espero que tenha uma excelente terça-feira!
 
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