Macroscópio – A figura que estamos a fazer com o Banif, mais a história de dois figurões
Quem esperava uma quadra natalícia mais calma e um final de ano “sem notícias” tem este ano muito com que se entreter, sobretudo nesta Península Ibérica em que a Espanha lida com múltiplos cenários pós-eleitorais (tema do Macroscópio de ontem) e Portugal está a braços com mais um caso no sector financeiro, agora implicando a resolução do Banif.
Ora este “caso Banif” ganhou hoje contornos bem mais políticos, e porventura com mais impacto no nosso futuro coletivo (e até possíveis lições para as negociações para a formaação do Giverno de Madrid),do que os decorrentes da simples análise do que correu mal ao longo dos últimos anos (sob a responsabilidade da gestão do banco, do anterior Governo e do Banco de Portugal) e de saber se a solução agora encontrada é a que melhor serve os interesses da economia e dos cidadãos eleitores e contribuintes. Refiro-me, naturalmente, ao anúncio pelo PCP e pelo Bloco que não votariam o Orçamento Rectificativo, pelo menos no formato em que ele se apresentava, o que cria a primeira crise grave no seio da “coligação” que deveria apoiar o Governo de António Costa. Mas este é tema que terá de passar para amanhã, dia em que o Orçamento será analisado e votado na Assembleia. Para já tentemos perceber o que se passou com o Banif e como chegámos aonde chegámos. Para isso socorro-me de alguns textos do Observador:
- Quanto é que custa o Banif aos contribuintes? É a pergunta que todos fazem mas a que ainda ninguém pode dar resposta, apesar de já se terem avançado com muitos números, pois uma parte do dinheiro que o Estado comprometeu pode ser recuperado com a venda dos activos do banco que não passaram para o Santander. Mesmo assim, segundo as nossas contas, “na pior das hipóteses, ou seja, se o Estado tiver de assumir também os 489 milhões de euros [emprestados do Fundo de Resolução], a conta pode subir para os 2.930 milhões de euros.”
- Banif perdeu 900 milhões em depósitos numa semana. Guia para a queda do banco É uma explicação bastante completa já do que se passou com o Banif. Não tendo ainda a forma de um dos nossos Explicadores, procura respostas para interrogações como “Que solução é esta que foi encontrada?”, “Quem assume a responsabilidade da decisão?” ou “O caso Banif fica por aqui, como garantiu António Costa?”. Vai-se porém mais atrás, explicando como foi, nas últimas semanas “a caminhada (a passos largos) para o precipício” e recordando como o Banif podia ter caído logo em 2013, mas que então os depósitos dificilmente sairiam imunes.
- Fatura com o Banif é de 2,6 mil milhões…para já. Este texto é mais centrado no que se passou durante o fim-de-semana, nomeadamente o papel que teve o BCE ao recusar uma solução semelhante à adoptada para o Novo Banco, a preocupação do Governo em salvar dois mil milhões em depósitos superiores a 100 mil euros (um terço dos depósitos do Banif, pois os outros estariam sempre garantidos) e se abordam problemas como o futuro dos trabalhadores, o impacto sobre o défice e como poderá o Estado recuperar uma parte do dinheiro agora comprometido, nomeadamente vendendo activos com bastante valor, como a seguradora Açoreana.
Com base nesta informação disponível – sendo que ainda são grandes as lacunas e os pontos de interrogação – muitos comentadores e analistas já se pronunciaram, pelo que fiz um breve apanhado de alguns dos textos mais relevantes da imprensa de hoje:
- Outra vez os contribuintes, André Veríssimo, Jornal de Negócios: “Se na resolução do BES foram os bancos que ficaram com o ónus – pelo menos por ora –, porque não também desta vez? No caso do Banif, 83,7% do dinheiro e das responsabilidades caem no colo de quem paga impostos. O ministro das Finanças diz que não podia ser de outra maneira e cita o "contexto da legislação actual", que impõe limites à participação do Fundo de Resolução. E eis que voltam a ser os contribuintes a salvar depositantes e detentores de obrigações seniores, quase quatro anos depois da primeira legislação sobre a resolução que o visava evitar. Já se percebeu que será matéria para o passa-culpas político das próximas semanas.”
- Ninguém sai bem na foto do Banif, Camilo Azevedo, Jornal de Negócios: “E antes que acordemos para o próximo problema (Novo Banco, se entretanto não aparecer outro…), convém discutir o óbvio: não é o modelo de economia que andámos a criar há duas décadas (virado para o mercado interno) que está mal?”
- Passos Coelho tem de se explicar, João Miguel Tavares, Público: “Será que Passos Coelho e Maria Luís fizeram o melhor possível na gestão do caso BES para acabarem a fazer o pior possível na gestão do caso Banif? Demasiado triste para ser verdade.”
- Se perdemos tanto, alguém ganhou no Banif, Francisco Louçã, no Público (com argumentos poucas horas depois repetidos por Catarina Martins): “há perguntas imediatas que esperam resposta”: “se entende [o Governo] que é necessário uma nova forma de supervisão e uma nova instituição capaz de proceder à resolução de bancos em risco, que passos vai dar nesse sentido?” ou se “queremos mesmo submeter Portugal a um regime de resolução que, nos termos da União Bancária, imporá forçosamente a desconfiança permanente dos depositantes?”
- Os rostos da vergonha que é o Banif, de João Vieira Pereira, no Expresso: “Fica para a história mais um banco que teve de ser salvo. E desta vez, ao contrário do que se passou com o BES, não será a banca a pagar a maior fatura. Será o contribuinte. Esta foi uma clara escolha política. Supostamente a bem da estabilidade do sistema financeiro português, mas não deixa de ser um caminho diferente do seguido até agora.”
- Donde estás, donde estás Maria Luís?, de Henrique Monteiro, no Expresso (escrito ainda antes da entrevista da ex-ministra das Finanças à TVI): “Maria Luís, a gente vai pagar uma data de dinheiro no Banif, segundo diz o atual primeiro-ministro, porque tu (desculpa o tratamento, é só para dar com a rumba) não estavas, ou não estiveste para isso. Para resolver este problema antes das eleições, sabendo que o tinhas de fazer há mais de um ano. E há uma palavra para isso, mas a época natalícia reprime-me. A menos, claro, que António Costa não esteja a dizer a verdade toda, e nesse caso, já aqui devias estar a repor a tua versão.”
- A urgência obrigou a esta resolução, de João Duque, no Diário de Notícias: “A urgência obrigou a esta resolução, que foi claramente uma decisão política e que não toca nos depositantes, nem sequer nos grandes, por uma questão de dias, por causa das novas regras de resolução comunitárias. Houve uma escolha política, com custos para os contribuintes. Mas também sei que se isto fosse decidido por um governo PSD-CDS-PP caía o Carmo e a Trindade, porque seriam acusados de proteger os grandes depositantes. O que se sabe, no final, é que estamos a pagar pela reputação do sistema financeiro.”
Mas Portugal, e muito menos o mundo, são apenas feitos de crises bancárias, razão porque não quero deixar-vos com uma lista de sugestões algo pesada para a semana que vivemos. Daí que tenha seleccionado dois artigos, ambos um pouco mais longos mas de excelente leitura, sobre duas figuras controversas, uma que todos conhecerão, outra de que só os mais velhos se lembrarão.
O primeiro desses textos é sobre José Mourinho, o inevitável José Mourinho que a imprensa inglesa se esforça por compreender e dissecar. Saiu no Guardian, chama-se The devil and José Mourinho e parte de uma constatação e de uma interrogação: “José Mourinho’s whole career seems to be one long revenge plot. Despite his great success, his various reigns have all ended in spectacular discord. So where does he go from here?”
O segundo texto é já antigo – saiu na Vanity Fair em Agosto do ano passado – mas achei por bem recuperá-lo por ser uma interessante reportagem sobre o destino de “Madame Claude”. Imagino que a maioria dos meus leitores não façam a menor ideia de quem é, ou era, Madame Claude, uma senhora que morreu este fim-de-semana aos 92 anos (como o Observador lhe contou hoje). Mas se lerem Behind Claude’s Doors ficarão com algumas respostas: “In 1960s Paris she became known as the world’s most exclusive madam, whose client list was said to include John Kennedy, de Gaulle, Onassis, and multiple Rothschilds, and whose beautiful and cultivated girls often went on to marry wealth, power, and prestige. But among the many secrets Madame Claude kept, perhaps the greatest were her own. William Stadiem, who knew the elusive Claude in the 1980s, follows her trail to the South of France.”
Com estas duas sugestões finais, mesmo que heterodoxas, espero ajudar a desanuviar um pouco o ar pesado destes dias. Com elas também me despeço, com a promessa de amanhã nos reencontrarmos de novo.
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