Afinal, o míssil foi lançado pela Ucrânia. O que se sabe (e o muito que se disse) desde a explosão na vila polaca
Um míssil atingiu esta terça-feira uma zona agrícola na pequena vila de Przewodów, na Polónia, perto da fronteira com a Ucrânia. As imagens do local, com um trator revirado e um rasto de destruição, logo alarmaram o mundo e suscitaram reações por parte de líderes mundiais. No momento do incidente, a Rússia bombardeava várias cidades ucranianas e as primeiras notícias deram conta de que se trataria de um míssil de origem russa, que teria (acidental ou deliberadamente) ultrapassado a fronteira. A confirmar-se, seria a primeira vez que um míssil de origem russa teria extrapolado as fronteiras da Ucrânia para um país membro da NATO.
O departamento de Segurança do governo polaco confirmou o incidente e a morte de duas pessoas, mas preferiu não prestar declarações adicionais numa fase ainda inicial. Mais: os meios de comunicação social foram alertados para não publicarem "informação não confirmada" enquanto todos os factos se encontravam em processo de apuramento. Volodymyr Zelenksly, porém, não teve quaisquer dúvidas sobre a autoria do ataque: em discurso, anunciou que aquilo para o qual tinha vindo a alertar "há muito tempo" finalmente acontecera, o que representava uma "escalada significativa" na guerra. "O terror não se limita às nossas fronteiras", declarou, salientando que este era o momento certo para ripostar ao "estado terrorista" russo. "Quanto mais a Rússia sentir impunidade, mais ameaças haverá para qualquer um que esteja ao alcance dos mísseis russos. Devemos agir".
Dmytro Kuleba, ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, especificou as medidas de ação a tomar. "Entre as ações imediatas: uma cimeira da NATO com a participação da Ucrânia para trabalhar ações conjuntas futuras que forçarão a Rússia a mudar o caminho de uma escalada, fornecendo a Ucrânia com aeronaves modernas, bem como sistemas de defesa aérea, para que possamos intercetar quaisquer mísseis russos. Hoje, proteger os céus da Ucrânia é proteger a NATO", escreveu, na rede social Twitter.
Os russos, por sua vez, negaram estar na origem do incidente em Przewodów e consideraram a acusação "uma provocação deliberada para agravar a situação". Questionado pela agência Reuters, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou "não [ter] informação sobre isto", referindo-se à explosão.
As reações dos países aliados da Polónia foram inicialmente acusativas para o lado russo - e defensivas, também. A Letónia expressou condolências ao povo polaco e condenou o "criminoso regime russo" que, desta vez, tinha ultrapassado as fronteiras e atingindo território da NATO. A Chéquia foi mais prudente nas acusações, mas ainda assim deixou o aviso: a confirmar-se, "isto será uma escalada para a Rússia", escreveu o primeiro-ministro Petr Fiala no Twitter, que sublinhou ainda "apoiar o seu aliado da União Europeia e da NATO".
Em Portugal, António Costa mostrou-se cauteloso nas suas declarações. "É preciso aguardar pela confirmação da origem" do míssil, precaveu-se, lamentando ainda assim a execução de mais um ato de guerra. "Qualquer arma de guerra é letal, qualquer arma de guerra deve ser evitada, qualquer arma de guerra não deve ser utilizada", independentemente da autoria, frisou o primeiro-ministro. Outros líderes mundiais adotaram uma posição semelhante, como a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock, e o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que condenaram o incidente mas não especificaram a sua origem. O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, reagiu com igual prudência: "é importante que todos os factos estejam confirmados", escreveu no Twitter.
Em declarações publicadas no site do governo polaco, o ministro dos Negócios Estrangeiros Zbigniew Rau confirmou entretanto a origem russa dos projéteis caídos em território da NATO: "Às 15:40, na aldeia de Przewodów, na província de Lubelskie, caiu um míssil de fabrico russo, matando dois cidadãos da República da Polónia".
O primeiro-ministro da Polónia, por sua vez, instou os cidadãos a "manter a calma em relação a esta tragédia" e a não se deixarem "manipular" num momento que, acautela, seria propício a "tentativas de propaganda" e "notícias falsas". Andrzej Duda, o presidente do território, foi citado pelo The Guardian ao dizer que o míssil teria "provável" origem russa - parecendo afastar, portanto, certezas definitivas.
As primeiras dúvidas explícitas da autoria russa vieram, ainda que em tom bastante cauteloso, do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, após uma reunião de emergência com os líderes do G7 e outros aliados.
Questionado pelos jornalistas em Bali, na Indonésia, admitiu haver "informações preliminares que contestam" a versão ucraniana. "Tendo em conta a trajetória, é improvável que tenha sido disparado da Rússia", afirmou, ressalvando logo de seguida não querer "afirmá-lo com certeza" até as investigações estarem concluídas. "Mas vamos ver, vamos ver..."
As declarações de Joe Biden poderiam estar relacionadas com informações recolhidas por um avião da NATO que sobrevoava o espaço aéreo polaco e teria acompanhado o trajeto do projétil. A informação foi revelada por fonte militar da aliança à CNN Internacional, sob a condição de sigilo.
A declaração subsequente à reunião dos líderes do G7 e alguns países da NATO, na Indonésia, à margem da cimeira do G20, veio reforçar o clima de incerteza. Em apenas três parágrafos, os assinantes condenam os "bárbaros ataques" perpetrados nas cidades e infraestruturas civis ucranianas na terça-feira e reafirmam o apoio ao país "face à agressão russa em curso". A menção à explosão na Polónia acontece no segundo parágrafo, e não imputa diretamente a responsabilidade à Rússia.
"Discutimos a explosão que teve lugar na parte oriental da Polónia, perto da fronteira com a Ucrânia. Oferecemos todo o nosso apoio e assistência à investigação em curso na Polónia. Concordamos em permanecer em estreito contacto para determinar os próximos passos apropriados à medida que a investigação prossegue", lê-se, na transcrição integral do parágrafo.
A maior parte das declarações de líderes mundiais que se seguiram - quer em comunicados, quer nas redes sociais - seguiu o mesmo registo. Uma conversa telefónica entre Antony Blinken, o Secretário de Estado norte-americano, e Dmytro Kuleba, o seu homólogo ucraniano, resultou em duas publicações no Twitter que, embora se intersecionassem num ponto em comum - o incidente na Polónia - o abordavam de formas distintas.
Blinken refere que ambos os chefes de diplomacia se comprometeram "a manter uma estreita coordenação nos próximos dias à medida que a investigação prossegue e determinamos os próximos passos adequados", face "à explosão na Polónia". Por seu lado, Kuleba recorre à mesma rede social para anunciar ter mantido um "telefonema detalhado" com o político norte-americano sobre "o terror dos mísseis russos - a sua escala, objetivos, consequências".
Também uma fonte não identificada da presidência francesa, citada pela Agence France-Presse, aconselhou "máxima cautela" na avaliação da origem do míssil. Apesar de o presidente polaco, Andrzej Duda, ter afirmado tratar-se de um "provável" projétil de fabrico russo, a mesma fonte francesa advertiu que "muitos países têm o mesmo tipo de armas, pelo que a identificação do tipo de míssil não identificará necessariamente quem está por detrás dele".
As informações preliminares divulgadas posteriormente pela agência Associated Press, já na manhã desta quarta-feira no fuso horário de Portugal continental, vieram reforçar esta afirmação. O projétil terá sido identificado por responsáveis norte-americanos como um míssil terra-ar S-300 que, apesar de desenvolvido pela Rússia, é também usado no sistema de defesa aérea da Ucrânia. O míssil responsável pela explosão, continua a mesma fonte, terá sido disparado pelas forças ucranianas na tentativa de abater um projétil russo.
Dmitry Polyansky, chefe da missão permanente da Rússia na ONU, reagiu aos desenvolvimentos com uma publicação na sua conta de Telegram, em que denuncia "uma tentativa" ucraniana "de provocar um confronto militar direto entre a NATO e a Rússia, com todas as consequências para o mundo". O vice-presidente do conselho de segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, reforçou esta mensagem no Twitter.
“A história do 'ataque de míssil' ucraniano a uma quinta polaca prova apenas uma coisa: o Ocidente, pela sua guerra híbrida com a Rússia, aumenta a probabilidade de começar uma guerra mundial”, escreveu.
Em Bali, o presidente da Turquia - na posição mais vincada sobre o assunto, até então - afirmou respeitar "as declarações feitas pela Rússia" de que "não é responsável" pelo incidente. Recep Tayyin Erdoğan acrescentou, ainda, que o chanceler alemão Olaf Scholz terá concordado não ser "correto fazer tal julgamento" sem antes se proceder a uma "investigação detalhada".
A agência EFE avançou entretanto que a Polónia vai comunicar à NATO que o míssil era de origem ucraniana. A ministra da Defesa da Bélgica, Ludivine Dedonder, confirmou também no Twitter que as "informações atuais" apontam para que a explosão na vila polaca se deva "ao resultado da defesa aérea ucraniana" - excluindo, portanto, a teoria de um ataque russo.
O presidente polaco, Andrzej Duda, sustenta a decisão da Polónia com a inexistência de "sinais de ataque intencional contra" o território. Citado pela Reuters, o chefe de Estado esclarece que o míssil era, de facto, de fabrico russo, mas que não terá tido origem no país - "é altamente provável que tenha sido utilizado pela defesa aérea ucraniana" em resposta aos bombardeamentos sofridos em cidades como Lviv (a cerca de 80 quilómetros da fronteira). "Foi, provavelmente, um incidente infeliz", lamenta.
O secretário-geral da NATO - que horas antes tinha salientado no Twitter a importância de "confirmar todos os factos" - confirmou não haver qualquer "indicação" de que este tenha sido um ataque deliberado. Discursando esta quarta-feira em Bruxelas, Bélgica, Jens Stoltenberg refere também não existir "indicação de que a Rússia esteja a preparar ações militares contra a NATO".
No entanto, demarca firmemente que o incidente desta terça-feira "não é culpa da Ucrânia" e que a "responsabilidade final" continua a ser da Rússia, por manter "a guerra ilegal contra a Ucrânia". "E, claro, a Ucrânia tem o direito de abater os mísseis que têm como alvo as cidades ucranianas e as infraestruturas", defendeu, no seu discurso.
Os países membros da NATO permanecem, de resto, "unidos" na monitorização da situação e na defesa a "todos os aliados" - enfatizando uma "total solidariedade para com a Polónia".
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