terça-feira, 30 de outubro de 2018

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Joana Pereira Bastos
JOANA PEREIRA BASTOS
EDITORA DE SOCIEDADE
 
A coisa lá está preta
29 de Outubro de 2018
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Bom dia,

É oficial: o maior país de toda a América Latina e a maior nação de língua portuguesa do mundo será governado por um capitão de extrema-direita que apregoou na campanha um discurso de apelo ao ódio, racista, misógino e homofóbicoabertamente saudoso da ditadura militar e declaradamente defensor da tortura. Não é por acaso que a Amnistia Internacional vê "um enorme risco" na eleição de Jair Messias Bolsonaro, de 63 anos, que ontem se tornou o novo presidente do Brasil.

É o primeiro militar a chegar ao poder pelo voto direto desde 1945. Bolsonaro conseguiu uma vitória folgada na segunda volta das Presidenciais, conquistando 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad, que concorreu pelo PT. Entre a comunidade brasileira em Portugal, a diferença foi ainda maior.

Dito de outra forma, quase 57,8 milhões de eleitores brasileiros votaram no capitão na reforma, mais 10,7 milhões do que conseguiu Haddad. Os votos brancos e nulos bateram recordes, atingindo o valor mais alto desde a restauração da democracia no país. No total, cerca de 11 milhões de brasileiros – mais do que a população de Portugal inteiro - foram às urnas mas não escolheram nenhum dos candidatos. O número é superior à diferença de votos que separou Bolsonaro de Haddad.

No discurso de vitória, Bolsonaro deixou de lado a retórica extremista e raivosa e vestiu a pele de cordeiro, prometendo um "Governo constitucional e democrático" que terá como "princípio fundamental" a liberdade - "liberdade de andar na rua, liberdade política e religiosa, de formar e ter opinião". Jurou pacificar o Brasil, que saiu desta campanha eleitoral mais polarizado do que nunca, e garantiu que "não existem brasileiros do sul ou do norte" - "somos todos um só país, uma só nação democrática", proclamou. O presidente eleito assumiu-se como enviado numa missão divina e comprometeu-se a seguir "os ensinamentos de Deus ao lado da Constituição brasileira". "O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", rematou.

A imposição de uma forte agenda moral de inspiração evangélica é, aliás, uma das consequências previsíveis da eleição de Bolsonaro, assim como o reforço dos poderes policiais, a redução dos direitos humanos e sociais e o ataque à proteção ambiental.

Fernando Haddad, que se recusou a cumprimentar Bolsonaro por não considerar o adversário civilizado, apelou aos brasileirospara não terem medo e pediu coragem para o que vai seguir nos próximos quatro anos.

As eleições mais polémicas da história recente do Brasil deixaram o país partido ao meiodividindo famílias inteiras e abrindo feridas que serão difíceis de sarar. Logo a seguir à divulgação dos resultados registaram-se protestos em São Paulo e no Rio de Janeiro, com manifestantes anti-Bolsonaro a envolver-se em confrontos com a polícia.

A vitória de Bolsonaro, ultraconservador nos costumes e ultraliberal na economia, teve repercussão na imprensa de todo o mundo. O The New York Times sublinha tratar-se do presidente mais à direita de toda a América Latina, onde recentemente foram eleitos líderes conservadores na Argentina, Chile, Peru, Paraguai e Colômbia. O militar vem, assim, engrossar as fileiras da extrema-direita que tem estado a crescer um pouco por todo o mundo, incluindo na Europa, juntando-se, por exemplo, a Matteo Salvini, de Itália, ou a Viktor Orbán, da Hungria. Mas nenhum teve um discurso tão abertamente anti-democrático como Bolsonaro – pelo menos até ontem à noite.

Chefes de Estado e de Governo de todo o mundo, de Donald Trump a Nicolas Maduro, cumprimentaram o novo presidente eleito do Brasil. Portugal não foi excepção. Marcelo felicitou ontem Bolsonaro, sublinhando os "laços de fraternidade" que unem os dois países. Também o primeiro-ministro António Costa cumprimentou o novo presidente do Brasil, salientando a relação bilateral "intemporal", assente numa língua comum e em "fortes laços históricos, económicos e culturais".

Resta saber que Bolsonaro governará o Brasil a partir de 2 de janeiro, quando tomar posse. Se o que ontem jurou respeitar a Constituição e a democracia ou o que na campanha ameaçou a liberdade de imprensa e prometeu "fuzilar a petralhada" e "banir da pátria" os adversários políticos.

Certo é que estamos perante a mais radical viragem política no Brasil desde a redemocratização do país. É um “salto no escuro”, escreve o Estadão: “Se há um ano alguém dissesse que Jair Bolsonaro tinha alguma chance de se eleger presidente da República, provavelmente seria ridicularizado. Até pouco tempo atrás, o ex-capitão do Exército era apenas um candidato folclórico, desses que de tempos em tempos aparecem para causar constrangimentos nas campanhas – papel cumprido mais recentemente pelo palhaço Tiririca, aquele que se elegeu dizendo que “pior do que está não fica”.

ânsia de repudiar o PT e Lula da Silvafalou mais alto do que qualquer consideração de caráter político. Infelizmente para o Brasil, adianta o jornal de São Paulo, quem se “apresentou para essa missão com sucesso não foi a oposição tradicional, organizada e responsável”, mas um “obscuro parlamentar portador de um discurso raivoso e vazio”, que apelou aos sentimentos mais primáriosde uma parte significativa da sociedade.

“O problema é que ninguém sabe quais são as ideias do presidente eleito, admitindo-se que ele as tem”, remata o Estadão.

Pode ser que lá na terra continue a haver “muito samba, muito choro e rock'n'roll”, mas, como cantava Chico Buarque (durante a ditadura militar), “meu caro amigo”, a coisa lá está preta.
 
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OUTRAS NOTÍCIAS

Na Indonésia, um avião despenhou-se com 189 pessoas a bordo, 13 minutos depois de ter descolado do aeroporto de Jacarta.

Por cá, a proposta de Orçamento de Estado para 2019 começa hoje a ser debatida na generalidade. Ontem, no encerramento do congresso do PSD nos Açores, Rui Rioclassificou a proposta como um "engano" que "não tem nada a ver com o que o país precisa", mas com o que o "PS precisa para tentar chegar a uma posição confortável" nas legislativas do próximo ano. Mas ao mesmo tempo que considerou a proposta eleitoralista, o líder social-democrata criticou a criação de uma nova taxa de proteção civil e considerou que "é tempo de dizer: Basta de impostos!".

Na resposta, o primeiro-ministro afirmou que os sociais-democratas não podem começar o debate de hoje no Parlamento sem decidirem afinal o que acham da proposta. "Uns dias ouvimos o PSD a dizer que este orçamento é despesista e eleitoralista e nos outros a dizer que é preciso satisfazer todas as reivindicações que nos são apresentadas aumentando a despesa, baixando os impostos, como se fosse possível reduzir o défice desta forma", defendeu Costa.

À margem de uma cerimónia militar ocorrida ontem em Guimarães a propósito do Dia do Exército, o novo ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, garantiu que "foram aprendidas lições" com o polémico caso Tancos, que levou à demissão do seu antecessor Azeredo Lopes, e prometeu que no "próximo par de semanas" serão divulgados os resultados da auditoria à atuação da Polícia Judiciária Militar.

No futebol, depois da derrota do Benfica no sábado à noite frente ao Belenenses, o FC Portorespondeu ontem com uma vitória por 2-0 sobre o Feirense e igualou o Sp. Braga na liderança do campeonato. Em Alvalade, o Sporting venceu o Boavista por 3-0 e está agora a dois pontos do primeiro lugar.

Em Espanha, mudou a hora e o treinador do Real Madrid. Lopetegui perdeu cinco dos últimos sete jogos - estacionou a equipa no nono lugar do campeonato - e não resistiu à goleada sofrida num El Clássico atípico sem Messi (que está lesionado) nem Ronaldo (que está na Juventus). O jogo mais importante do futebol espanhol foi ganho pelo Barcelona: com três golos de Suárez, o Barça trucidou o rival com uma "manita"Florentino Pérez perdeu a paciência e hoje deverá apresentar Antonio Conte.

Fora dessa casa turbulenta que é o Real está Cristiano Ronaldo, que sábado conseguiu a sua melhor exibição em Itália, marcando os dois golos da vitória por 2-1 sobre o Empoli. Desde que o português chegou, a Juventus, que lidera o campeonato, soma 12 vitórias e um empate, ao contrário dos madridistas, que apresentam um saldo negativo de 6 vitórias, 3 empates e 5 derrotas.

Na Fórmula 1Lewis Hamilton nem precisou de ir ao pódio no GP do México para fazer a festa. O britânico conquistou o quinto título de campeão do mundo e igualou o argentino Juan Manuel Fangio.

MANCHETES DE HOJE:

Público: “Bolsonaro chega à Presidência num Brasil dividido”

Jornal de Notícias: “Governo decidiu sozinho ocultar pensões de políticos”

Correio da Manhã: “Fisco trava correcção do IMI”

I: “O capitão que chega a Presidente”

Diário de Notícias (versão digital): “Brasil. Bolsonaro Presidente”

FRASES:

"O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos"
Jair Bolsonaro

"Não tenham medo. Nós estaremos aqui. Nós estamos juntos. Coragem, a vida é feita de coragem. Viva o Brasil"
Fernando Haddad


O QUE ANDO A LER

A Espécie Humana de Robert Antelme

Durante a segunda Guerra Mundial, o poeta e escritor Robert Antelme, uma das grandes paixões de Marguerite Duras, integrou a Resistência Francesa contra a ocupação alemã, acabando por ser preso pela Gestapo em junho de 1944. A Espécie Humana relata o "inimaginável" que viveu ao longo de oito meses de detenção e tortura em campos de concentração alemães - primeiro em Buchenwald, depois em Gandersheim e finalmente em Dachau.

O relato é cru, direto, quase despojado de adjetivos: "A chaminé do crematório deitava fumo ao lado da chaminé da cozinha. Antes de nós chegarmos tinha havido ossos de mortos na sopa dos vivos e o ouro da boca dos mortos há muito que era trocado pelo pão dos vivos. A morte era arrastada, terrivelmente, no circuito da vida quotidiana".

A organização imposta pelos nazis em alguns campos de concentração ditava que os presos políticos fossem comandados por prisioneiros alemães de delito comum - "assassinos, ladrões, burlões, sádicos ou traficantes" - que, para impressionar as SS e com isso ganhar regalias, só tinham de agravar a crueldade do tratamento dado aos resistentes, elevando ao limite "a obscuridade, a falta absoluta de referências, a solidão, a opressão constante, o aniquilamento lento".

"A força da nossa luta não foi mais do que a reivindicação furiosa, e quase sempre solitária, de permanecermos, até ao fim, homens. Não acreditamos que os heróis que conhecemos da História ou da literatura, quer eles tenham apregoado o amor, a solidão, a angústia de ser ou não ser, a vingança, quer eles se tenham insurgido contra a injustiça e a humilhação, tenham sido levados alguma vez a exprimir, como única e derradeira reivindicação, um sentimento último de pertença à espécie".

A 29 de abril de 1945, as tropas norte-americanas libertaram Dachau. Antelme foi descoberto quase sem vida no meio de uma pilha de cadáveres. O processo de libertação arrastou-se durante semanas. Nesse período, François Miterrand visitou o campo em representação do Governo francês e conseguiu identificar o amigo Antelme, moribundo e praticamente irreconhecível.Pesava 38 quilosDeram-lhe algumas horas, no máximo três dias de vida. Miterrand acompanhou-o na viagem de regresso a Paris, onde o esperava Marguerite Duras, a mulher com quem Antelme casara seis anos antes. Em A Dor, uma das mais pungentes obras da literatura do século XX, Duras relata a angústia insuportável dessa espera.

Ninguém consegue explicar como Antelme se agarrou à vida. Morreu quase meio século depois, em 1990. Publicou A Espécie Humanaem 1957 para que nunca a História esqueça o horror que pode ser causado pelo Homem.

Por hoje é tudo. Desejo-lhe uma ótima semana.
 

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