sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

observador - 12 de fevereiro de 2016


Macroscópio – Até que ponto arriscamos (nós e os outros) uma nova crise?

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
Quinta-feira foi o dia em que todas as luzes vermelhas se acenderam: “Há muito que não se via os juros de Portugal subirem mais de 70 pontos base (0,7 pontos percentuais) em apenas um dia”, como se escrevia no Observador. Mas não só: influente o Financial Times também notava que estávamos perante “the worst day since 2012”. O gráfico que ilustrava a pequena notícia, e que mostra as variações semanais das yelds portuguesas desde o início de 2014, não podia ser mais revelador:
 

 
Eis o curto comentário do FT, meia dúzia de linhas que justificavam a conclusão final de “Hold on tight”, ou seja, “segurem-se”:
Investors have been nervous about Portuguese bonds ever since a left wing alliance toppled the centre right government in November. The worries intensified when the Portuguese central bank surprised markets by imposing losses on bank bonds held by international investors, including Pimco and BlackRock. Now attention is focused on the possibility of a downgrade. Portugal only has one investment grade rating, from DBRS, and if it loses that its bonds will no longer be eligible for the European Central Bank’s QE programme which has provided a huge boost over the last year.
 
A Bloomberg, uma das principais agências de informação financeira do mundo, também escreveu sobre o que se passou no dia de ontem - Portugal Bears Brunt of Bond Selloff With Yield at 2014 High -, recordando nesse texto que “Financial markets have become more volatile, making financing the high levels of sovereign debt more of a challenge for the government,” the European Commission and the European Central Bank said in a joint statement about Portugal on Feb. 4.”
 
Esta subida dos juros é ainda mais importante por chamar a atenção da DBRS, a única agência de rating que mantém a dívida portuguesa acima de “lixo” e que hoje veio dizer que estápreocupada com subida dos juros de Portugal. Foi uma declaração que, mesmo assim, parece ter contribuído para alguma acalmia nos mercados e os juros, que tinham começado o dia a subir de novo, acabaram por cair já da parte da tarde, regressando ao ponto de partida da véspera.
 
Como seria de esperar a subida da percepção de risco da dívida portuguesa ocupou boa parte do debate quinzenal desta manhã no Parlamento, em especial na troca de palavras entre António Costa e Pedro Passos Coelho. Um dos argumentos esgrimidos é que estaríamos a ser vítimas de uma instabilidade mais geral dos mercados, o que é ao mesmo tempo meia verdade e meia mentira. Como Edgar Caetano explicava ainda ontem no Observador, emPortugal (de novo) no olho do furacão. O que se passa?, por um lado “Os mercados internacionais estão nervosos. Os investidores estão, neste momento, mais atentos aos riscos do que às oportunidades, o que cria um contexto pouco favorável para Portugal”; mas, por outro lado, “Outros emitentes soberanos como Espanha e Itália também estão a registar um aumento dos juros, mas nada que se compare à subida brusca das taxas de Portugal, pelo que os analistas estão a detetar razões particulares que explicam a pressão específica sobre a dívida portuguesa.” O gráfico seguinte, que compara a evolução das yelds portuguesas com a das espanholas e italianas evidencia bem a diferença:
 

 
A análise de ontem do Wall Street Journal também reforçava esta ideia. Em Eurozone Bond Markets Show Familiar Fault Linessublinhava-se que “Southern and northern European government bonds are divided again, despite ECB buying. Portugal is a particular source of concern.” A mesma leitura feita agora pela Reuters: Portugal singled out by bond investors in throwback to crisis. Aí notava-se que “Lisbon's isolation also meant it might lose the protection of European Central Bank quantitative easing. The country is just one ratings downgrade away from losing the minimum credit rating required by the ECB programme and keeping its finances in order will be crucial to avoiding such a cut.”
 
Mas hoje, neste Macroscópio, não vamos centrar-nos nessas tais “razões particulares” do nosso susto doméstico, antes procurar olhar para o que se está a passar nos mercados, tanto na Europa como nos Estados Unidos. A pergunta que muitos fazem é a mesma que João César das Neves formulava esta semana na sua coluna no Diário de Notícias, isto é, sobre se estaremos deRegresso a 2008?, um cenário que, como recorda, foi introduzido no início do ano por George Soros. O economista sublinha a radical diferença do que preocupava o mundo então e agora – “Nessa altura preocupavam os choques do petróleo, pressões inflacionistas e a ameaça chinesa. Agora assusta a derrocada do mercado petrolífero, o risco da deflação e o abrandamento da China.” – mas acha que há também uma grande diferença entre a situação a nível global e a situação portuguesa: “Quando os analistas internacionais dizem que vamos repetir 2008, estão a formular uma ameaça, algo que não querem que aconteça mas que tomam como provável. Por cá, porém, esse regresso é assumido, constituindo mesmo o ponto central da estratégia política (…), chamando-lhe "fim da austeridade". O que ainda não é explícito, mas em breve ficará claro, é que não se pode regressar numas coisas e não noutras. Não se podem ter os benefícios, sem a respectiva falência.”
 
Talvez por isso já comecem a aparecer textos que falam abertamente de um regresso da crise das dívidas soberanas. Um deles foi publicado ontem, ao fim do dia, pelo Telegraph: Is the sovereign debt crisis coming back to haunt Europe? O ponto de partida dessa análise era precisamente o comportamento da dívida portuguesa -, sendo que aí se sublinhava, citando analistas, que a situação é muito frágil: "It is only the ECB that is holding Europe together. If the ECB was to step back you would have a massive sovereign debt crisis".
 

 
E claro que já há muita gente a pensar que a política que está a ser seguida pelo Banco Central Europeu não só não pode manter-se por um tempo indefinido, como até pode estar a fazer muito mal às economias. É sabido que essa é a posição tradicional dos alemães, mas agora também vemos britânicos a subscrevê-la. Cito dois exemplos dos últimos dias, ambos do Telegraph. O primeiro é da autoria do sempre aguerrido Ambrose Evans-Pritchard e chama-se Europe's 'doom-loop' returns as credit markets seize up. A sua leitura é que “Europe's doomloop is a vicious cycle where distressed banks and sovereign states each drag each other down into the vortex” e que 'We all know that QE2 is not really going to work but the market says "I’m a smoker, I know it kills me, but so long as I can get cigarettes, I’m happy"'
 
O segundo saiu hoje e chama-se This crisis has been caused by arrogant central banks e foi escrito por Allister Heath. Nele argumenta-se que a acção dos bancos centrais tem feito com que “The market has become distorted and corrupted, sending out misleading price signals”. Para além disso o BCE, na opinião de um analista citado neste artigo, está a ficar sem munições: “It cannot usefully cut interest rates any deeper into negative territory since the current level of -0.3pc is already burning up the “net interest margin’ of lenders and eroding bank profits. “How much further can the ECB go before it becomes outright harmful?” he asked.”
 
Tudo isto se passa numa altura em que todos sabem que há importantes problemas que continuam por resolver, nomeadamente no sector bancário, em especial em Itália. O tema é mesmo objecto de um dos editoriais da The Economist desta semana, European banks: Borrowed time. Deixo-vos apenas o parágrafo de abertura dessa análise: “For those who worry that a repeat of the crisis of 2007-08 is imminent, this week brought fresh omens. Shares of big banks tumbled; despite a mid-week rally, American lenders are down by 19% this year, European ones by 24% (see article). The cost of insuring banks’ debts against default rose sharply, especially in Europe. The boss of Deutsche Bank felt obliged to declare that the institution he runs is “absolutely rock solid”; Germany’s finance minister professed to have no concerns (thereby adding to the concerns). This is not 2008: big banks are not about to topple. But there are reasons to worry, and many of them converge on one country [Italy].”
 
Mas uma vez que este Macroscópio já vai longo e hoje é sexta-feira, faço questão de o terminar mantendo a tradição de referir uma leitura de outro tipo, mais longa e repousada, sendo que hoje optei por uma sugestão recolhida no Financial Times e que, podendo não parecer, tem tudo a ver com estes problemas que nos atormentam. Trata-se de um trabalho sobre Why millennials go on holiday instead of saving for a pension. Eis uma passagem deste texto bem interessante e revelador:
Although their financial prognosis is poor, the millennials are a very powerful consumer group. The concept of saving seems so futile, they spend freely, insisting on a #yolo lifestyle (translation for oldies — you only live once) despite their restricted means. “Millennials want to live life in an acceptable and fun way,” says Mr Saunders, adding that their “denial mechanism” often leads to them splurging instead of saving up for a deposit on a house. As one reasonably-paid millennial put it: “It’s almost impossible to save for a house in London so I might as well just spend my money travelling the world.”
 
Parece lógico, mas tem consequências económicas difíceis de medir ou prever. Os mercados – os famosos mercados, com os seus fundos de pensões, por exemplo – são em última análise, tal como a economia que configuram, o resultado de milhões de decisões individuais tomadas de acordo com o que cada pessoa considera racional. Sendo que o que é racional para quem tem 30 anos pode surgir como totalmente disparatado para quem tem 50 ou 60 anos.
 
Mas por aqui me fico. Tenham um bom fim-de-semana, descansem, resguardem-se do mau tempo e aproveitem para ler. Eu estarei de volta na segunda-feira.

 
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