O estranho caso do gestor da Bolsa que mais dinheiro recebeu em 2014
13h00
Não é português, não recebe salário, é de uma empresa que colapsou e nem deveria ser administrador – mas foi o gestor da Bolsa portuguesa que mais dinheiro recebeu em 2014. Intrigado? Nós também. Eis porquê.
Recebeu quatro milhões de euros em 2014, dos quais 2,7 milhões de indemnização por ter saído da PT… embora ainda esteja na PT. Zeinal Bava ou Henrique Granadeiro? Nenhum deles. O gestor mais bem pago da Bolsa nacional não é sequer português.
Chama-se Shakaf Wine, tem 46 anos, provavelmente poucos portugueses terão ouvido falar dele e, apesar fazer anos a 13 de junho, dia de devoção ao Santo António, mais “carioca” não podia ser.
Em 2014, foi o gestor que mais dinheiro recebeu entre as empresas cotadas na Bolsa portuguesa: quatro milhões de euros. A maquia resulta do somatório de €489 mil de remuneração fixa de 2014, €215 mil de remuneração variável de 2013, €421 mil de remuneração variável de 2010 e €288 mil de prémio pela venda da Vivo, a que acrescem 2,7 milhões de euros de indemnização.
É de longe a fatia mais gorda e apetecível do pacote de remunerações que a PT SGPS pagou no ano passado aos seus administradores, num total de 14,3 milhões de euros.
O gestor que saiu mas ficouComo se justifica então que um administrador tenha sido indemnizado por cessar funções em 29 de janeiro de 2014 em empresas da PT SGPS mas em maio de 2015 ainda seja administrador da PT SGPS? E como ser indemnizado depois do escândalo do papel comercial? Foi ele quem pediu para sair? Porque recebeu indemnização e outros administradores não a receberam?
Contactada pelo Expresso, a PT SGPS (que está em mudança de nome para PHarol) confirmou que Shakhaf Wine ainda é mesmo administrador da empresa. E explicou que a indemnização foi paga por Shakhaf ter “cessado funções numa empresa do universo Oi, sendo que o dinheiro foi pago pela PT Brasil, não por PT em Portugal”. E que tudo resultou de um acordo feito entre Wine e Granadeiro, para quem empurra assim o ónus da decisão.
Esta explicação, dada esta manhã, não bate completamente certo com o que está no relatório de governo da sociedade, que foi divulgado no final da semana passada, e que diz o seguinte:
“Em 2014 não foram pagas quaisquer indemnizações a ex-administradores, com exceção da indemnização paga no Brasil ao Administrador Shakhaf Wine, através de uma subsidiária da PT SGPS no Brasil, na sequência da celebração de acordo relativo à sua cessação de funções celebrado em 29 de janeiro de 2014, no montante global de 2.678.974 euros, que inclui o valor pago pela cessação de funções na PT Brasil, os restantes 50% da remuneração variável de 2013 e 50% das remunerações variáveis de anos anteriores a 2013 cujo pagamento havia sido diferido.”
A fonte oficial da PT SGPS responde que tudo resulta “de um acordo então celebrado com Henrique Granadeiro”, à época presidente da Portugal Telecom. O pagamento da indemnização “corresponde ao pagamento de prémios diferidos relativos ao Brasil e ao acerto de contas”, sendo que Shakhaf Wine fez o acordo “em abril”, ainda antes da revelação do escândalo. Depois, o próprio Shakhaf propôs ficar como administrador da PT mas sem remuneração, o que foi aceite “no mesmo acordo com Henrique Granadeiro”, reitera a fonte oficial. Por isso, Shakhaf Wine é administrador da PT SGPS mas “não recebe remuneração desde junho de 2014, nem na PT SGPS nem na Bratel” (“holding” da PT no Brasil).
Recorde-se que João de Mello Franco, hoje presidente da PT SGPS, era então também administrador da PT.
Gestor mãos na massaWine ganhou mais do que Henrique Granadeiro (1,85 milhões de euros) e do que Zeinal Bava (1,61 milhões), de quem foi nos últimos anos o braço-direito. Pouca coisa se conhece sobre o gestor brasileiro e não lhe são conhecidas grandes intervenções públicas. Licenciado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Shakhaf teve um início de carreira parecido com o de Zeinal Bava, já que ambos passaram pelo mundo das consultoras financeiras internacionais e dos bancos de investimento, como o Deutsche Morgan Grenfell ou a Merrill Lynch, além de terem vivido em Londres.
Antes de entrar para os quadros da PT Brasil, em 2003, Shakaf passou pelos conselhos de administração da operadora Brasilcel e das empresas de participações Telesp Celular, Centro Oeste, Tele Sudeste e Celular CRT. Em maio de 2005, assume a presidência da PT Brasil, substituindo Eduardo Correia de Matos, acabando também por ser nomeado para a comissão executiva da PT SGPS. Acumula ainda a vice-presidente da brasileira Vivo, que o grupo português detinha, em parceria com a espanhola Telefónica.
Em 2008, quando a Zeinal assume a presidência executiva da PT SGPS, a relação profissional entre os dois gestores estreita-se. Um texto publicado na brasileira revista Exame, em janeiro de 2010, descortina esta “dupla de sucesso”. O artigo, intitulado “Os acionistas mãos na massa”, mostra, na fotografia, um Bava e um Shakaf muito sorridentes, em pose para a fotografia. “Juntos, eles fazem parte de um tipo raro de representantes de acionistas, os que colocam a mão na massa – e não demonstram nenhum constrangimento ao se imiscuir no dia-a-dia da operação”, dá conta o artigo. Ao ponto de, num ano, os dois gestores terem visitado seis operações regionais da Vivo espalhadas pelo Brasil, “gastando sola do sapato”.
Era ainda a época dourada da PT, quando a compra de papel comercial do Grupo Espírito Santo, no valor de quase 900 milhões de euros ou o imbróglio da fusão com a Oi ainda não ensombravam a operadora portuguesa: o negócio crescia e, à boleia da Vivo, a PT SGPS mantinha em alta as suas ambições globais. Seis meses depois da publicação deste artigo, a PT vende por 7,5 mil milhões de euros a sua fatia da Vivo à Telefónica e anuncia a compra de 23% da Oi por 3,75 mil milhões.
Segundo o relatório de governo da sociedade da PT, as atuais funções de Shakhaf Wine são as de presidente executivo da Bratel Brasil, presidente Executivo da Istres Holdings / PTB2, presidente executivo da Marnaz Holding, membro do Conselho de Administração da Oi e membro do Conselho de Administração da Telemar Participações.
Chama-se Shakaf Wine, tem 46 anos, provavelmente poucos portugueses terão ouvido falar dele e, apesar fazer anos a 13 de junho, dia de devoção ao Santo António, mais “carioca” não podia ser.
Em 2014, foi o gestor que mais dinheiro recebeu entre as empresas cotadas na Bolsa portuguesa: quatro milhões de euros. A maquia resulta do somatório de €489 mil de remuneração fixa de 2014, €215 mil de remuneração variável de 2013, €421 mil de remuneração variável de 2010 e €288 mil de prémio pela venda da Vivo, a que acrescem 2,7 milhões de euros de indemnização.
É de longe a fatia mais gorda e apetecível do pacote de remunerações que a PT SGPS pagou no ano passado aos seus administradores, num total de 14,3 milhões de euros.
O gestor que saiu mas ficouComo se justifica então que um administrador tenha sido indemnizado por cessar funções em 29 de janeiro de 2014 em empresas da PT SGPS mas em maio de 2015 ainda seja administrador da PT SGPS? E como ser indemnizado depois do escândalo do papel comercial? Foi ele quem pediu para sair? Porque recebeu indemnização e outros administradores não a receberam?
Contactada pelo Expresso, a PT SGPS (que está em mudança de nome para PHarol) confirmou que Shakhaf Wine ainda é mesmo administrador da empresa. E explicou que a indemnização foi paga por Shakhaf ter “cessado funções numa empresa do universo Oi, sendo que o dinheiro foi pago pela PT Brasil, não por PT em Portugal”. E que tudo resultou de um acordo feito entre Wine e Granadeiro, para quem empurra assim o ónus da decisão.
Esta explicação, dada esta manhã, não bate completamente certo com o que está no relatório de governo da sociedade, que foi divulgado no final da semana passada, e que diz o seguinte:
“Em 2014 não foram pagas quaisquer indemnizações a ex-administradores, com exceção da indemnização paga no Brasil ao Administrador Shakhaf Wine, através de uma subsidiária da PT SGPS no Brasil, na sequência da celebração de acordo relativo à sua cessação de funções celebrado em 29 de janeiro de 2014, no montante global de 2.678.974 euros, que inclui o valor pago pela cessação de funções na PT Brasil, os restantes 50% da remuneração variável de 2013 e 50% das remunerações variáveis de anos anteriores a 2013 cujo pagamento havia sido diferido.”
A fonte oficial da PT SGPS responde que tudo resulta “de um acordo então celebrado com Henrique Granadeiro”, à época presidente da Portugal Telecom. O pagamento da indemnização “corresponde ao pagamento de prémios diferidos relativos ao Brasil e ao acerto de contas”, sendo que Shakhaf Wine fez o acordo “em abril”, ainda antes da revelação do escândalo. Depois, o próprio Shakhaf propôs ficar como administrador da PT mas sem remuneração, o que foi aceite “no mesmo acordo com Henrique Granadeiro”, reitera a fonte oficial. Por isso, Shakhaf Wine é administrador da PT SGPS mas “não recebe remuneração desde junho de 2014, nem na PT SGPS nem na Bratel” (“holding” da PT no Brasil).
Recorde-se que João de Mello Franco, hoje presidente da PT SGPS, era então também administrador da PT.
Gestor mãos na massaWine ganhou mais do que Henrique Granadeiro (1,85 milhões de euros) e do que Zeinal Bava (1,61 milhões), de quem foi nos últimos anos o braço-direito. Pouca coisa se conhece sobre o gestor brasileiro e não lhe são conhecidas grandes intervenções públicas. Licenciado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Shakhaf teve um início de carreira parecido com o de Zeinal Bava, já que ambos passaram pelo mundo das consultoras financeiras internacionais e dos bancos de investimento, como o Deutsche Morgan Grenfell ou a Merrill Lynch, além de terem vivido em Londres.
Antes de entrar para os quadros da PT Brasil, em 2003, Shakaf passou pelos conselhos de administração da operadora Brasilcel e das empresas de participações Telesp Celular, Centro Oeste, Tele Sudeste e Celular CRT. Em maio de 2005, assume a presidência da PT Brasil, substituindo Eduardo Correia de Matos, acabando também por ser nomeado para a comissão executiva da PT SGPS. Acumula ainda a vice-presidente da brasileira Vivo, que o grupo português detinha, em parceria com a espanhola Telefónica.
Em 2008, quando a Zeinal assume a presidência executiva da PT SGPS, a relação profissional entre os dois gestores estreita-se. Um texto publicado na brasileira revista Exame, em janeiro de 2010, descortina esta “dupla de sucesso”. O artigo, intitulado “Os acionistas mãos na massa”, mostra, na fotografia, um Bava e um Shakaf muito sorridentes, em pose para a fotografia. “Juntos, eles fazem parte de um tipo raro de representantes de acionistas, os que colocam a mão na massa – e não demonstram nenhum constrangimento ao se imiscuir no dia-a-dia da operação”, dá conta o artigo. Ao ponto de, num ano, os dois gestores terem visitado seis operações regionais da Vivo espalhadas pelo Brasil, “gastando sola do sapato”.
Era ainda a época dourada da PT, quando a compra de papel comercial do Grupo Espírito Santo, no valor de quase 900 milhões de euros ou o imbróglio da fusão com a Oi ainda não ensombravam a operadora portuguesa: o negócio crescia e, à boleia da Vivo, a PT SGPS mantinha em alta as suas ambições globais. Seis meses depois da publicação deste artigo, a PT vende por 7,5 mil milhões de euros a sua fatia da Vivo à Telefónica e anuncia a compra de 23% da Oi por 3,75 mil milhões.
Segundo o relatório de governo da sociedade da PT, as atuais funções de Shakhaf Wine são as de presidente executivo da Bratel Brasil, presidente Executivo da Istres Holdings / PTB2, presidente executivo da Marnaz Holding, membro do Conselho de Administração da Oi e membro do Conselho de Administração da Telemar Participações.
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ANTÓNIO FONSECA
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