Macroscópio – Leituras de fim-de-semana (e algumas esquecidas)
Macroscópio – Leituras de fim-de-semana (e algumas esquecidas)
Como tem acontecido várias vezes antes de um fim-de-semana, a escolha de hoje não terá um tema único, antes reunirá um conjunto de textos diversificado e alguns que lhe podem ter passado despercebidos e cuja leitura recomendo.
O primeiro é um dos mais recentes Especiais do Observador, um texto delicioso sobre uma história deliciosa: Amor na Operação Vagô – nos panfletos que Palma Inácio lançou podia estar esta história. Título estranho, não é? Pois é. Afinal, o que foi a operação Vagô? Foi, apenas, o primeiro desvio de um avião de toda a história da aviação comercial. E logo de um avião da TAP. E logo arquitectada por portugueses, comandados por Henrique Galvão. O mais curioso é que, por uma fantástica sequência de coincidências, nesse voo estavam também um piloto e uma hospedeira que então iniciavam uma história de amor. Ricardo Oliveira Duarte, com fotografias de Miguel Soares, reconstituiu essa história, bem como a fantástica mestria do piloto da TAP que, aos comandos do avião desviado, conseguiu obedecer aos desejos dos assaltantes – lan& ccedil;ar panfletos políticos sobre várias cidades portugueses – e levar o aparelho de volta, com todos os passageiros a são e salvo, de regresso a um aeroporto marroquino.
Referida esta história “de fim-de-semana”, passemos a alguns textos de opinião publicados nos últimos dias que merecem breves referências:
- João Taborda da Gama reflectiu, no Diário de Notícias, sobre a bela história de Alex e de como ele, mesmo tendo nascido numa família sem meios, conseguiu chegar à universidade, onde é excelente aluno. Conseguiu-o, entre outras coisas, porque existe um decreto-lei de 2007 que permite pedir empréstimos para estudar, um processo que João Gama elogia abertamente: &ldqu o;Os bancos emprestam, o Estado garante, e nos vinte mil contratos o incumprimento é baixíssimo, ronda um e meio por cento. É um exemplo perfeito do que o Estado deve fazer, até onde deve ir. Mais do que as bolsas, os empréstimos para estudantes reforçam o sentido de responsabilidade e a satisfação do cumprimento.”
- Paulo Ferreira, no Observador, em Euribor, os créditos e o guarda-chuva do banqueiro, critica a Associação Portuguesa de Bancos por esta defender que “o mínimo que a banca deve cobrar pelos créditos é o “spread”, ignorando as Euribor negativas”. Como ele sublinha, “Faz sentido? Não. É justo? Também não.” É um texto que regressa, com palavras fortes, a um tema que o Observador já tinha tratado num outro Especial, este de David Almas: Euribor negativa. O banco vai pagar o seu crédito à habitação?
- Passando a um registo mais político, salto para o Público e para Francisco Assis, que ontem polemizava com um outro colaborador do jornal, defendendo as virtudes da moderação em política: A difícil moderação. Eis como conclui a sua reflexão: “Estou cada vez mais convencido de que a Europa e Portugal precisam de um entendimento sério entre o centro-esquerda e o centro-direita. Outros pens am legitimamente de outra forma. Não podem ter é a pretensão de se arrogarem uma superioridade moral ou intelectual sobre quem discorda deles. Até nisso o mundo democrático-liberal tem uma enorme vantagem: a vantagem da tolerância. Pudessem outros mundos e outros sistemas reclamar tal virtude. Não podem.”
- Continuando num registo mais político, quatro textos de opinião do Observador. O primeiro é meu e trata do tema da semana: Duas ou três coisas (na verdade sete) sobre o caso Passos Coelho. Aí defendo que “O problema de Passos não é moral: cometeu erros, corrigiu-os, falta-lhe pedir desculpa. O problema é político: perdeu autoridade. Mas não se confunda a gravidade do caso com os outros esc& acirc;ndalos que nos rodeiam.” O segundo é de Gonçalo Almeida Ribeiro, O testamento político de Cavaco, e é uma crítica ao prefácio que escreveu para o mais recente Roteiros: “Cavaco Silva não se apercebeu do absurdo constitucional que é o Presidente em funções esboçar um testamento político no quadro de um regime republicano e democrático.” Por fim dois textos sobre António Costa. O primeiro de Rui Ramos, Costa: o candidato da instabilidade, artigo onde argumenta que “O problema de Costa é que, cada vez mais, parece o candidato da instabilidade e da incerteza. Quem quer arriscar o emprego, a pensão e as poupanças para assistir à aventura de um governo de Costa?” O segundo, de António Carrapatoso, Para onde vai António Costa?, é sobretudo um desafio a que o líder socialista se defina. Mais do que certezas, coloca interrogações: “Será Costa capaz de mudar o rumo às coisas, saberá reconhecer e assumir os erros do passado - de Sócrates, seus, do partido -, terá uma visão para o país e a persistência e a coragem para a defender?”
- Regresso ao Diário de Notícias para referir o texto de um colunista espanhol, Miguel Angel Belloso, diretor da revista espanhola Actualidad Económica: Oxigénio para a esquerda conservadora. Partindo das reformas que a Espanha conseguiu fazer nos últimos anos, e de por isso estar a retomar uma via de crescimento já notável em termos europeus, o colunista chama a atenção para alguns absurdos de outros países: “Sabia o leitor que, por exemplo, para proteger o caminho-de-ferro, os autocarros que operam percursos de longa distância em França não podem apanhar passageiros em cidades situadas dentro do itinerário, a não ser que os passageiros se desloquem para o destino final?” Ou que, “em Itália: a rigidez do mercado de trabalho é ainda mais intensa do que era em Espanha antes da reforma, o poder dos sindicatos parece inexpugnável até à data e as limita&cc edil;ões à concorrência são a norma em vez da exceção”?
Mas descansemos agora de opiniões sobre os nossos temas nacionais para referir alguns notáveis trabalhos que encontrei em vários jornais internacionais. O primeiro é uma fotogaleria do El Pais dedicada a mulheres que mereciam vir nos livros de História mas são quase desconhecidas: Mujeres fascinantes que olvidaron tus libros de Historia. São 17 figuras realmente notáveis de que muitos poucos ouviram falar. Uma bela homenagem às mulheres na semana em que se comemorou o Dia da Mulher.
(por falar de fotogalerias: se ainda não viu, não perca por motivo algum esta do Observador - Ciganos do Alentejo numa exposição em Nova Iorque. Como se fossem pinturas barrocas. Verá que é inesquecível.)
Outro trabalho notável é a insvestigação que a Spiegel começou em Moçambique sobre o tráfico de chifres de rinoceronte – um reportagem que ia acabando muito mal: Kidnapped in Mozambique: In the Clutches of Rhino Poachers. Tudo porque a crença – errada, totalmente errada – de muitos vietnamitas de que o pó de chifre de rinoceronte tem poderes curativos quase milagrosos está a colocar a espécie em risco devido à caça clandestina e às redes de traficantes. A revista alemã, apesar do susto de sequestro, reconstituiu esses circuitos.
A The Atlantic publicou uma extensa e muito informada análise sobre What ISIS Really Wants. É um texto onde se defende a ideia de que “The Islamic State is no mere collection of psychopaths. It is a religious group with carefully considered beliefs, among them that it is a key agent of the coming apocalypse. Here’s what that means for its strategy—and for how to stop it.”
Caminhando para o fim, passo a duas leituras de tipo diferente: uma sobre temas históricos, outra sobre temas de ciência. A de ciência encontrei-a no Guardian: The Human Epoch: when did it start? O ar tigo reflete sobre um estudo que procura definir melhor aquilo que defenimos como a “Idade dos Humanos”. O problema é colocado da seguinte forma: “So if we are to have an Anthropocene then geologists must find a clear place in time where they can draw a line between the Anthropocene and those times when the Earth was relatively free of human influence. But where should it be? This is the question that Simon Lewis, of University College, London and the University of Leeds, and Mark Maslin of University College, London, seek to answer. In their paper, they consider several alternatives, and ask whether there is a signature of global change in each period and if a golden spike can be seen there.” Essas alternativas vão desde o momento em que o homem descobriu o fogo até – vejam lá – ao que chamam a “grande aceleração”, ou seja, o período p ós-II Guerra Mundial. Tema interessante e controverso, como verão.
Termino com uma visita ao espanhol ABC e a um texto onde se recorda “Ordem 227”, isto é, La cruel orden de Stalin de disparar sobre sus propias tropas si se retiraban. É uma faceta menos conhecida da forma como Stalin conseguiu virar a favor da URSS a sorte da guerra, mas, escrita pelo seu punho, a ordem era clara: «Se ordena a los soviets militares del ejército y a los comandantes de ejército formar de tres a cinco unidades de guardias bien armados,desplegarlas en la retaguardia de las divisiones poco fiables y darles orden de ejecutar a derrotistas y cobardes en caso de retirada desordenada, para que así nuestros fieles tengan la oportunidad de cumplir con su deber ante la patria». Neste artigo explica-se a origem desta decisão e as suas consequências. Ler este trabalho é recordar, de novo, como o horror foi a regra nos campos de batalha do Leste da Europa.
Por hoje, e por esta semana, é tudo. Bom descanso, boas leituras.
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ANTÓNIO FONSECA
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