A história do génio que vive numa pensão e limpou o “Quem quer ser milionário”
Sérgio Silva vive num
apartamento partilhado com 12 pessoas e divide o quarto com um primo
autista que tem 25 anos e de quem cuida
josé fernandes
Rosa Ramos 19/09/2015 17:47:58
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Tem 36 anos, recebe 178 euros
por mês e ninguém lhe dá emprego. Sérgio não acabou o 12º ano, mas
arrasou cinco concorrentes na TV.
No dia em que foi despejado da casa de Arroios, onde
vivia com a mãe, a irmã e o primo, Sérgio fez as malas a correr e acabou
a dormir numa pensão na zona das Avenidas Novas, num quarto demasiado
pequeno para quatro pessoas e pago pela Santa Casa da Misericórdia. A
ordem de despejo apanhou a família de surpresa em 2007: a casa onde
viveram toda a vida foi vendida e o novo senhorio decidiu pô-los na rua,
nem quinze dias depois de Sérgio ter feito o funeral à avó.
Passaram oito anos e a vida do concorrente que anteontem à noite
“limpou” quase todas as perguntas do concurso “Quem quer ser
milionário”, na RTP1, nunca mais se voltou a endireitar. Sérgio Silva –
um autodidacta “apaixonado por Ciência, História e Astronomia” – já
viveu em três pensões diferentes. Há três anos, a mãe, diabética e com
osteoporose, ficou numa cadeira de rodas e acabou internada num lar.
Agora, o génio que respondeu a 12 perguntas sem qualquer ajuda e que
arrasou com uma médica neurologista e um doutorado em Ecologia, vive num
apartamento partilhado com outras 12 pessoas e continua a tomar conta
do primo, que é autista e com quem divide o quarto.
Os 10 mil euros do concurso vieram a calhar: está desempregado há
anos, recebe 178 euros do Rendimento Social de Inserção, paga 150 pelo
lar da mãe e garante que não consegue arranjar trabalho, apesar de
enviar currículos “às centenas” e de acumular formações do Centro de
Emprego. A mais recente foi um curso de espanhol – que durou três meses,
mas não serviu para nada. Quase todas as semanas, é recusado numa
entrevista de emprego. A última foi para a Starbucks, que não o chamou.
Há uns tempos, a McDonald’s também não o quis recrutar. “Nem para um
part-time”. A culpa, diz, é da idade – já tem 36 anos – e da falta de
estudos. É que Sérgio Silva pode até ter uma cultura geral fora do
normal e protagonizado um momento “Slumdog Millionaire” na televisão
portuguesa, mas nunca chegou a acabar o secundário.
Na manhã em que se ia matricular no 12º ano, foi atropelado por uma
Suzuki 1100 que seguia a grande velocidade pelas ruas de Lisboa. Ficou
mais de um mês sem andar e quase meio ano a movimentar-se com
dificuldade e apoiado numa bengala. Mesmo assim, continuou a ir à escola
– e era bom aluno –, mas a medicação para as dores era tão forte que
adormecia nas aulas. Chumbou e nunca mais voltou a estudar. Decidiu
tornar-se num autodidacta. Aprendeu a traduzir artigos técnicos de
Ciência e Astronomia, fala e lê em quatro línguas e anteontem respondeu
sem precisar de pensar muito a perguntas sobre Geografia, História,
Literatura, Música Clássica, Mecânica ou Ciência. Monopolizou o
concurso, deixou para trás os outros cinco concorrentes – que mal
participaram – e só não levou 100 mil euros para casa porque hesitou
numa pergunta: “De que país é originário o queijo Herve de Denominação
de Origem Protegida?”.
Não ter respondido “Bélgica” foi suficiente para baixar o prémio a concurso.
E os 100 mil euros já tinham destino: iam servir para comprar “um T0,
daqueles desvalorizados” para viver com o primo e trazer a mãe de volta
para casa.
O programa foi gravado há dois meses e Sérgio confessa que já gastou
parte dos 10 mil euros. O dinheiro serviu para um roupeiro, um
computador, pagar dívidas da irmã e comprar “um stock razoável de
comida” para ter no quarto. “Às vezes vou comer àquelas carrinhas que
distribuem refeições na rua, mas já me aconteceu ficar doente.
Cozinhando, sei o que estou a comer”, explica. Mas há meses em que a
única forma de ter acesso a uma refeição é mesmo recorrer à ajuda de
rua. Depois de pagar o lar da mãe, Sérgio fica com apenas 28 euros para
gerir até ao fim do mês, a que se juntam “uns trocos” que sobram de um
subsídio que recebe para comprar fraldas para a mãe. Pelo meio vai
fazendo “uns biscates” nas traduções e na área da Informática.
“Mas é muito difícil arranjar coisas para fazer”. Os 300 euros do
quarto são pagos pela Santa Casa, com um vale que levanta todos os meses
e depois entrega ao senhorio.
Mesmo sem dinheiro, não deixa de ler e de aprender. Conta que lê
revistas “científicas e internacionais” velhas que conhecidos já não
querem, lê livros emprestados e e-books à borla e passa horas frente à
televisão. O apartamento partilhado tem TV cabo e, por isso, não perde
os “melhores documentários” do National Geographic, do Odisseia ou do
Canal História. Os discos dos Queen, dos Pink Floyd, dos Beatles, do
“metal nórdico gótico” e de música clássica de que gosta ouve-os na
internet, enquanto actualiza os blogues em que escreve – um é sobre
Astronomia.
Também diz que se interessa pelo universo e pelo “funcionamento do
mundo”, apesar de só ter saído de Lisboa duas vezes na vida. A mãe
conta-lhe que quando tinha um ano o levou ao Porto e, noutra ocasião,
visitou uma prima no Algarve. Tirando isso, só foi a Cascais e a Sintra.
Se pudesse viajar, ia ao Porto, “pela gastronomia”, e ao Minho, porque a
avó fez uma excursão por terras minhotas, há muitos anos, e contou
“maravilhas”. Há outra viagem, mas essa é “a utopia total”. O maior
sonho do “Slumdog Millionaire” português é um dia visitar o Museu da
Ciência em Paris.
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ANTÓNIO FONSECA