A prisão e o poder
Para começar a desmanchar esta meada de presunções, a acusação, aparentemente, começou por baixo e não por cima: pelo motorista e as tais viagens a Paris. Há quinze dias, escrevi aqui que havia qualquer coisa de curioso nas notícias que davam conta da vontade de João Perna de proceder a novas declarações e na eventualidade de vir a beneficiar do estatuto de arrependido. Ora, sucedeu que, de facto: a) prestou novas declarações; b) o seu advogado apareceu a falar de uma “mudança de estratégia” e a insinuar viagens dele ao estrangeiro, como pretendia a investigação; e c) após isto, foi mandado para casa, passar o Natal. Concluam o que quiserem, mas uma conclusão impõe-se por si só: nunca houve razão válida para lhe determinar a prisão preventiva. Talvez tenha havido razão, mas não foi válida.
A esta luz, compreende-se bem a decisão do procurador e do juiz de recusarem a Sócrates e a este jornal a possibilidade de uma entrevista presencial. Sócrates não estará, manifestamente, disposto a “colaborar” com a investigação: ele quer, sim, ter hipótese de a contraditar — o que é diferente de a perturbar. As explicações contidas no despacho de recusa são absolutamente pífias, pressupondo que alguém tenha de ficar preso preventivamente até que a investigação apure tudo o que pretende. O que incomoda o tribunal não é que Sócrates pudesse perturbar a investigação (não precisam dele preso para obter informações de agências de viagem, por exemplo). O que os incomoda é que, falando, Sócrates pudesse perturbar a verdade estabelecida e divulgada publicamente pela acusação. Assim, é, sem dúvida, mais fácil acusar, formar a opinião pública e condicionar a própria convicção do tribunal de julgamento.
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ANTÓNIO FONSECA