O que é uma “bomba suja” e porque está a Rússia a falar disso?
A Rússia está a acusar a Ucrânia de planear usar uma bomba radioativa, também conhecida como “bomba suja”, uma alegação que Kiev e os aliados ocidentais descartam como operação de bandeira falsa, que Moscovo pode usar como pretexto para agravar a guerra do Kremlin contra o país vizinho.
Uma bomba suja é uma arma que combina explosivos convencionais, como dinamite, com material radioativo, como urânio. É frequentemente referida como uma arma de terroristas, não de países, uma vez que o seu objetivo é espalhar o medo e o pânico mais do que eliminar qualquer alvo militar.
As autoridades ucranianas têm repetidamente negado as acusações de Moscovo e o ministro dos Negócios Estrangeiros de Kiev convidou inspetores da ONU a visitarem a Ucrânia para mostrar que “não têm nada a esconder”.
Eis o que é preciso saber.
O que está a Rússia a afirmar?
Sem fornecer qualquer prova, Moscovo afirma que há instituições científicas na Ucrânia que possuem a tecnologia necessária para criar uma bomba suja – e acusa Kiev de planear usá-las.
O ministro da Defesa russo disse numa reunião a 24 de outubro que tem informação que confirma que Kiev está a planear uma provocação relacionada com a detonação de uma bomba suja.
“O objetivo desta provocação é acusar a Rússia de usar armas de destruição massiva no teatro de operações na Ucrânia e assim lançar uma poderosa campanha anti-Rússia no mundo inteiro com o intuito de retirar confiança a Moscovo”, afirmou Igor Kirillov, comandante das forças russas de Proteção Radioativa, Química e Biológica.
A 23 de outubro, o ministro russo da Defesa, Sergei Shoigu, fez essa afirmação num telefonema com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, segundo um representante americano conhecedor da conversa.
Shoigu fez também comentários semelhantes aos seus homólogos em França e no Reino Unido.
Segundo a Reuters, a Rússia pretende oficializar as suas acusações contra a Ucrânia no Conselho de Segurança das Nações Unidas a 25 de outubro.
Como é que o mundo reagiu?
As alegações da Rússia foram veementemente refutadas pela Ucrânia, pelos Estados Unidos, pelo Reino Unido, pela União Europeia e pela NATO, que por sua vez acusaram Moscovo de tentar lançar uma operação de bandeira falsa.
“Toda a gente compreende tudo bem, compreende quem é a fonte de tudo o que é sujo que se possa imaginar nesta guerra”, disse o Presidente Volodymyr Zelensky da Ucrânia no seu discurso noturno a 23 de outubro.
A 24 de outubro, a Casa Branca disse que estava “a monitorizar o melhor que pode” quaisquer potenciais preparativos para usar uma bomba suja na Ucrânia, mas não vê nada que indique a utilização iminente de uma arma desse tipo.
O órgão de vigilância nuclear da ONU disse a 24 de outubro que vai enviar inspetores para inspecionar duas instalações nucleares na Ucrânia após ter recebido um pedido para isso por parte das autoridades de Kiev.
A Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA) disse que estava “a par das declarações feitas pela Federação Russa no domingo quanto a supostas atividades em duas instalações nucleares na Ucrânia”, como consta de um comunicado de imprensa no website da agência.
A AIEA não revelou a localização das duas instalações.
Numa publicação no Twitter a 24 de outubro, Dmytro Kuleba, ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros, disse: “Ao contrário da Rússia, a Ucrânia sempre foi e continua a ser transparente. Não temos nada a esconder.”
Uma bomba suja é uma arma nuclear?
Não.
A explosão de uma bomba suja é produzida por explosivos convencionais. A explosão de uma arma nuclear é produzida por uma reação nuclear, tal como nas bombas atómicas que os EUA lançaram sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial.
“Uma bomba nuclear cria uma explosão que é milhares a milhões de vezes mais potente que qualquer explosivo convencional que possa ser usado numa bomba suja”, tal como mostrado numa folha de dados do Departamento de Segurança Interna (DHS) dos EUA.
A explosão de uma arma nuclear pode arrasar cidades inteiras. Por exemplo, a bomba atómica lançada sobre Nagasaki em 1945 pulverizou 6,2 quilómetros quadrados da cidade, segundo a ICAN, a Campanha Internacional Pela Abolição das Armas Nucleares. Os explosivos convencionais de uma bomba suja conseguem apenas arrasar ou danificar uns quantos edifícios.
Entretanto, a nuvem em cogumelo de uma explosão nuclear pode cobrir entre dezenas a centenas de quilómetros quadrados, e espalhar partículas finas de material nuclear – precipitação radioativa – sobre essa área, diz o DHS.
A maioria do material radioativo de uma bomba suja seria espalhada sobre uns poucos quarteirões ou poucos quilómetros quadrados, segundo o DHS.
Alguma vez foi usada uma bomba suja?
Não.
Em 1995, rebeldes chechenos colocaram uma destas bombas num parque em Moscovo, mas não a conseguiram detonar, segundo diz o Concelho de Relações Externas.
Há relatos de que organizações terroristas como a al-Qaeda ou o Daesh construíram ou tentaram construir uma bomba suja, mas nunca foi detonada qualquer uma.
O material nuclear de uma bomba suja é mortífero?
O DHS diz que seria improvável que uma bomba suja pudesse emitir doses de radioatividade elevadas o suficiente “para provocar imediatamente efeitos de saúde ou fatalidades a um grande número de pessoas”.
O Departamento de Serviços de Saúde do Texas explica porquê.
Para fazer uma bomba suja capaz de emitir avultadas doses de radiação, seriam necessárias grandes proteções em chumbo ou aço para impedir o material de matar os fabricantes da bomba durante a construção, diz o departamento.
Mas usar tanto material de proteção tornaria a bomba volumosa e difícil de transportar ou lançar, o que provavelmente exigiria maquinaria pesada e ferramentas para manuseamento remoto, e limitaria também o alcance que a radiação teria, segundo a agência estadual do Texas.
E quanto à exposição à radiação?
A radiação gerada por uma bomba suja poderia causar níveis de exposição semelhantes aos recebidos durante radiografias dentárias, segundo os serviços de saúde do Texas.
“É como partir uma pedra. Se alguém atirasse uma pedra grande contra nós, provavelmente iria magoar e provocar danos físicos”, explica o departamento. “Se pegarem na mesma rocha, a partirem em grãos de areia e depois atirarem a areia contra nós, as probabilidades de provocar danos reais são significativamente menores.”
A gravidade da doença por radiação é afetada pela exposição ao longo do tempo, segundo indica o DHS. As medidas preventivas podem ser tão simples como afastar-se do local.
“Caminhar até uma pequena distância do local (da explosão) pode constituir uma proteção significativa, pois o grau da dose reduz drasticamente com a distância da fonte”, informa o DHS.
As pessoas devem também cobrir o nariz e a boca para evitar ingerir qualquer radiação, entrar em casa para escapar a nuvens de poeira, eliminar a roupa num saco de plástico e lavar suavemente a pele para retirar os contaminantes, diz o DHS.
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