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Do Tempo da Outra Senhora |
Ana Catarina Grilo, uma barrista que veio para ficar Posted: 19 Jun 2020 04:38 PM PDT Fig. 1 - Ana Catarina Grilo (1974- ), pintando no seu atelier. À laia de introdução O gosto pelos Bonecos de Estremoz está-me na massa do sangue. Daí que para além de coleccionador e investigador da História dos mesmos, seja um contador de estórias que procura modelar com palavras o que lhe vai na alma. Tal é fruto de observar e reflectir sobre criações, às quais a magia das mãos dos barristas, conferiram forma, cor, movimento e significado. E porque não vida? Vida que para mim passa também a ter mais sentido, já que os Bonecos me refrescam e revitalizam o ser. Ana Catarina Grilo (1974- ) (Fig. 1) é uma barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte. “Senhora de pezinhos” (Fig. 2) e “Primavera de arco” (Fig. 3) são duas figuras tradicionais da barrística popular estremocense, que a nova barrista recriou e a meu ver muito bem. Vou falar de cada uma delas em particular. Fig. 2 - Senhora de pezinhos (2020). Ana Catarina Grilo. Senhora de pézinhos Se eu fosse repórter da moda diria: Vestido comprido sem mangas, de aspecto sóbrio, em padrão xadrês, branco e negro. Decote generoso, ornamentado por folhos negros, tal como o cinto que apresenta atrás uma atadura em forma de laço. A ausência de mangas e a generosidade do decote reforçam a sensualidade patente no rosto da figura. Os folhos encobrem os ombros, criando um clima de mistério associado à feminilidade que a figura transmite. O cinto sublinha a cintura fina e reforça a elegância que ressalta do modelo. As mãos dispostas frontalmente nas pernas e abaixo da anca, conferem um aspecto descontraído e emancipado à figura. O leque em posição de descanso, diz-nos que não está calor, mas que já esteve ou pode vir a estar. O lindo cabelo castanho, só está parcialmente coberto por um discreto chapéu negro, condizente com os folhos e o cinto do vestido. O chapéu, de aba pequena, apresenta uma chanfradura posterior que deixa o cabelo a descoberto. Está ornamentado com um laçarote azul petróleo do lado direito, o qual transmite à figura, tranquilidade, serenidade e harmonia. Do lado esquerdo ostenta um feixe de quatro plumas matizadas de verde e amarelo. No seu conjunto, os ornamentos conferem vivacidade ao chapéu e este reforça a elegância de toda a figura. O rosto, suave e delicado, tem forma oval, apresentando simetria entre a parte superior e inferior da face. Daí que todo o tipo de brincos lhe assente bem. Todavia, os brincos usados, de duplo pendente, aumentam a volumetria do maxilar. O serem de ouro, reforça a perfeição e a nobreza associadas à figura. Os sapatos negros, de bico, rematam inferiormente toda a elegância do modelo. PARABÉNS À ESTILISTA! Primavera de arco Dos ombros do vestido amarelo brota um arco no qual se vê pintada uma dupla hélice verde-amarela, configurando os pés verdes das papoilas entrelaçadas num arame pintado de amarelo, como se fossem caules de papoilas emaranhados numa cana arqueada. O amarelo do vestido evoca uma seara de trigo donde brotam as papoilas que anunciam a Primavera e que são emolduradas superiormente pelo azul do céu, evocado pelo chapéu dessa cor. As papoilas contribuem para contextualizar no Alentejo, a figura universal da Primavera. Papoilas que integram o molho de espigas que se vão colher aos campos na Quinta-Feira da Ascensão. Lá diz o cancioneiro popular alentejano: Tudo vai colher ao campo Quinta-feira d'Ascensão, trigo, papoila, oliveira. p'ra que Deus dê paz e pão.(2) O ramo tem um valor simbólico, pois ainda perdura a crença popular de que funciona como um poderoso amuleto que traz diversos benefícios ao lar de quem o colheu e manteve pendurado durante um ano numa das paredes de casa. Nesse ramo, a papoila simboliza a vida e o amor. Amor que é tema do soneto “Mocidade” do livro “Charneca em Flor” de Florbela Espanca, onde esta confessa num terceto: No meu sangue rubis correm dispersos: - Chamas subindo ao alto nos meus versos, Papoilas nos meus lábios a florir! (1) A figura emblemática da Primavera é potenciada pela Ana Catarina Grilo, através das cores sabiamente escolhidas e que reforçam o simbolismo da alegoria. PARABÉNS, ANA CATARINA GRILO! Epílogo O trabalho de Ana Catarina Grilo já não me surpreende (Ah! Ah! Ah! – grandessíssima mentira). Como barrista creio que veio para ficar, para deleite de espírito de todos nós. BIBLIOGRAFIA (1) - ESPANCA, Florbela. Charneca em flor. Livraria Gonçalves. Coimbra, 1931. (2) - SANTOS, Vítor. Cancioneiro Alentejano - Poesia Popular. Livraria Portugal. Lisboa, 1959. |
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