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Do Tempo da Outra Senhora |
Posted: 26 Apr 2020 11:47 AM PDT
FIg. 1 - Mestre Mário Lagartinho (1935-2016), decano da olaria e o último oleiro de
Estremoz. Fotografia do Arquivo Fotográfico Municipal de Estremoz / BMETZ –
Colecção Joaquim Vermelho.
Nasceu a 22 de Junho de 1935 na Rua Magalhães de Lima, nº 15, freguesia de Santo André, concelho de Estremoz. Filho legítimo de Marcolino Augusto Lagartinho, de 26 anos, natural da mesma freguesia, e de Leonilde da Conceição Raleiro, de 30 anos, natural da freguesia de Alcáçova, concelho de Elvas (2). Começou a modelar o barro aos 12 anos de idade, na Olaria Regional, situada na Rua do Afã, em Estremoz e que era propriedade de Mestre José António Ourelo – Zé Russo (1916-1980), formado na Olaria Alfacinha e que adquirira a oficina a Mestre Cassiano, fundador da Regional, já avançado na idade. A 2 de Maio de 1958, com 23 anos de idade, casou catolicamente na Igreja Paroquial de Santa Maria com Ana Pascoal Ourelo, de 22 anos, doméstica, natural da freguesia de Santo André, concelho de Estremoz, onde nasceu a 11 de Janeiro de 1936, filha de César Augusto Pascoal e de Albertina de Jesus Carrapiço, moradores na Rua dos Carvoeiros nº 6, da mesma freguesia. Pelo casamento, a noiva adoptou o apelido Lagartinho de seu marido (1). A Olaria Regional viria a passar das mãos de José Ourelo para Mário Lagartinho, que nunca deixou os seus créditos em mãos alheias e foi um oleiro de nomeada.
A necessidade de aumentar os seus rendimentos levou Mestre Lagartinho (Figs. 1 e 2), nos anos 70-90 do século passado, a confeccionar Bonecos de Estremoz, o que fez por auto-aprendizagem a partir de exemplares que lhe foram emprestados por José Marcelino Moreira. Tenho, na minha colecção, alguns desses exemplares que me foram cedidos pela sua esposa, Ana Pascoal Ourelo Lagartinho. Mestre Lagartinho reproduziu então os exemplares do conjunto dos “Bonecos da Tradição”. Foi bonequeiro, mas era sobretudo oleiro e era ele que cavava o barro dos barreiros e o preparava, até este estar capaz de ser afeiçoado pela suas mãos. Os Bonecos eram também cozidos em forno de lenha, prática que foi abandonada. Sua mulher (Fig. 2), além de pintar a produção do marido, também confeccionava os seus próprios Bonecos. Uns e outros eram comercializados no stand da Olaria Regional, no Rossio Marquês de Pombal, em Estremoz. Para além da mulher, Ana Pascoal Ourelo Lagartinho (1936- ), Mestre Lagartinho transmitiu os seus saberes a Arlindo Ginja (1938-2018), que viria a ser seu discípulo. Em termos pessoais, Mário Lagartinho nunca conseguiu recuperar do abalo causado em 2011 pela morte do filho, também ele Mário Lagartinho, ex-jogador de hóquei do Clube de Futebol de Estremoz, do qual foi treinador, assim como do Hóquei Clube Vasco da Gama, de Sines, cidade onde foi o grande impulsionador daquela modalidade. Foi assim que, a 4 de Setembro de 2016, na sua casa da Rua João de Sousa Carvalho, lote 25, 1º esqdº, em Estremoz, se regista o falecimento com a idade de 81 anos, de Mestre Mário Lagartinho, decano da olaria e o último oleiro de Estremoz, o que constituiu uma tragédia cultural, numa cidade que já foi um dos maiores centros oleiros do Alto Alentejo. Estremoz ficou luto e, com a cidade, a Cultura Popular Alentejana, da qual o Mestre foi um ícone (3), (5). Mestre Mário Lagartinho partiu, mas deixou connosco as suas criações: bilhas, moringues, garrafas de água, barris e púcaros que, entre outros, saíram das suas mãos mágicas de oleiro. Os seus Bonecos estão dispersos por colecções particulares, como é o caso da minha. Também o Museu Municipal de Estremoz conta no seu acervo com exemplares, tanto de olaria como de Bonecos de Estremoz, afeiçoados pelas suas mãos. Por iniciativa daquele Museu, a sua obra foi objecto de destaque recente nas exposições: “Mário Lagartinho - Olaria de Estremoz” (2004) e “Motivos decorativos na olaria de Estremoz do século XX” (2013), às quais há que acrescentar “O vasilhame de barro de Estremoz” (2012), graças à iniciativa da Associação Filatélica Alentejana. Pessoalmente, Mário Lagartinho, a quem conhecia desde os anos 70 do século passado, concedeu-me o privilégio da sua amizade, o que permitiu organizar, em 1999, uma jornada de divulgação da olaria de Estremoz na Escola Secundária, quando era director do seu Centro de Recursos. Foi um evento que nos marcou a todos, Mestre Mário, professores e alunos, já que as raízes da Escola entroncam na antiga Escola Industrial de António Augusto Gonçalves, por onde paira a memória do Curso de Olaria e de Mestre Mariano da Conceição (o Alfacinha) que, conjuntamente com ti Ana das Peles e sob a acção do Director Sá Lemos, fizeram com que os Bonecos de Estremoz, em processo de extinção, se tornassem numa Fénix renascida das cinzas. Morreu Mário Lagartinho, o último oleiro de Estremoz. Pessoalmente, como não tenho espírito sebastianista, não estou à espera de um novo Sá Lemos, que venha a reactivar a extinta olaria de Estremoz. Apenas me resta o registo da sua Memória, que me leva a proclamar, alto e bom som:
- MÁRIO LAGARTINHO, PRESENTE!
BIBLIOGRAFIA
(1) - Mário Augusto Raleira Lagartinho - Assento de Casamento Informatizado nº 633 de 2015, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(2) - Mário Augusto Raleira Lagartinho - Assento de Nascimento Informatizado nº 351 de 2014, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(3) - Mário Augusto Raleira Lagartinho - Assento de Óbito nº 487 de 2016, da Conservatória do Registo Civil de Estremoz.
(4) - MATOS, Hernâni. Mário Lagartinho, bonequeiro de Estremoz in Brados do Alentejo nº 890, 29/09/2016. Estremoz, 2016 (pág. 15).
(5) - MATOS, Hernâni. Mário Lagartinho, o último oleiro de Estremoz in Brados do Alentejo nº 889, 15/09/2016. Estremoz, 2016 (pág. 1 e 6).
Fig. 2 - Mestre Mário Lagartinho (1935-2016) e sua mulher Ana Lagartinho (1936- ),
bonequeiros. Fotografia do Arquivo Fotográfico Municipal de Estremoz /
BMETZ – Colecção Joaquim Vermelho.
Pastor com tarro.
Pastor das migas.
Mulher a vender chouriços.
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