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RICARDO MARQUES
JORNALISTA
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Ó muro que vais tão alto...
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...só um momento, por favor...estou a tentar segurar-me... Muito bem.
Bom dia, este é o seu Expresso Curto.
Escrevo-lhe do estreito muro onde todos os dias se tenta equilibrar quem faz esta newsletter matinal, obrigado a olhar para ontem, à procura do que não pode deixar de ser dito, e para hoje, em busca do que ainda será importante amanhã. A fórmula é a de sempre: um assunto principal, as outras notícias e, por fim, uma ou duas sugestões de índole mais cultural.
Vejamos alguns exemplos. Alguém mais ligado à economia começaria talvez por falar-lhe do acordo conseguido ontem relativamente à dívida da Grécia. Ou da guerra comercial entre os Estados Unidos da América e a Europa. Um especialista em política não perderia a oportunidade de mergulhar bem fundo causas e possíveis consequências do debate no Parlamento sobre o preço dos combustíveis.
Se o tema fosse desporto, não faltariam escolhas, do Sporting ao Mundial de futebol. Política internacional? Trump, claro, e o problema crescente dos migrantes que está a desorientar a Europa. Em Portugal? Greve na educação, greve na saúde... O tempo também é sempre uma escolha segura, mais segura do que o próprio tempo que faz, com chuva e trovoadaem vários pontos do país.
Eu vou falar de muros.
A 22 de junho de 1990, uma pequena multidão juntou-se na Friedrichstrasse para ver uma grua arrancar do chão, e arrumar numa rua ali perto, o pequeno posto militar que o mundo inteiro conhecia como Checkpoint Charlie. A pequena estrutura de metal, testemunha de tantas tragédias e tão graves confrontos, já não servia qualquer propósito. O curso da história tinha mudado irremediavelmente sete meses antes, com a queda do Muro de Berlim. Mas havia um lado simbólico, talvez o mais importante.
"Nesta hora de alegria e expetativa, não podemos esquecer todos os que desesperaram com este muro e todos os que perderam as suas vidas por causa dele. Foi aqui, no Checkpoint Charlie, que aconteceram tantas tragédias humanas. Claro que o tempo cura muitas feridas, mas as feridas da alma não cicatrizam tão depressa", disse, nesse dia, Ingrid Stahmer, uma política do SPD.
Há sempre um lado simbólico quando se fala de muros. |
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OUTRAS NOTÍCIAS
Arranquemos, então, para uma cuidada seleção dos assuntos que, de uma forma ou de outra, vão preencher o seu dia noticioso.
O Eurogrupo chegou a um acordo já na madrugada de hoje sobre o 'alívio' da dívida grega ao fim de mais de nove horas de discussões. Os três principais pilares assentam numa extensão do prazo de um dos empréstimos, no prolongamento do seu período de carência, e num montante mais elevado do que se previa inicialmente para a última tranche a desembolsar pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade antes do fim do resgate em agosto.
Já reparou que há sempre gente a construir muros nos exercícios de matemática? E nunca a demoli-los. Atente no seguinte caso: Se dois homens constroem juntos 1 muro em apenas 3 dias, quantos dias serão necessários para que 10 homens, a trabalharem juntos, construam 5 muros?
Enquanto faz as contas, fique a saber que apesar de parecer ausente dos noticiários, e de se viver uma espécie de calma antes da tempestade, a greve na Educação vai de vento em popa. Um pouco por todo o país há conselhos de turma adiados (oito mil diz o DN em manchete),notas que não saem e alunos que não sabem bem o que lhes vai acontecer.
Ou melhor, têm uma ideia: os do ensino básico acabam hoje as aulas, os do 9.º ano têm prova de Português, os do 11.º de História B e os do 12.º de Desenho A e História A. Tudo Às 09h30. O Público revela hoje que mais de 35 mil alunos já foram a exame sem nota atribuída.
Às cinco e meia da tarde, a Fenprof tem marcada uma conferência de imprensa para analisar os protestos.
Já agora, a resposta é 3 dias. Uma vez, na China, vi crescer um muro do tamanho de um quarteirão num único dia.
Uma geringonça contra a geringonça que deixou sozinho o criador da geringonça. Eis o resumo da discussão e votação de ontem sobre o 'imposto' que foi imposto ao imposto sobre os combustíveis - o tal que seria revisto de vez em quando, mas nunca foi. O PS ficou sozinho e o resto das bancadas, da direita à esquerda, levaram a gasolina ao seu moinho num curioso jogo de votos a favor e abstenções.
Quando subimos tão alto no muro da política, a vista que temos é fascinante.
Um dia depois de José Silva Peneda, coordenador do PSD para a área da Solidariedade e ex-presidente do Conselho Económico e Social, ter deixadono ar a possibilidade de o partido viabilizar o Orçamento de Estado de 2019, eis que Ascenso Simões, deputado do PSD, ainda com o cheiro a gasóleo no ar,vem acusar o Bloco de Esquerda e o PCP, camaradas de geringonça, de "traição".
Do debate fica também a certeza de que o bicharoco fiscal, o-sempre-esfomeado, já percebeu que estão a pensar tirar-lhe comida da mesa. E gritou lá do fundo da caverna onde guarda o dinheiro dos impostos que não está com menos apetite - se não houver num prato, vai buscar a outro.
"A perda de receita fiscal associada às iniciativas em questão coloca um problema de sustentabilidade das nossas contas públicas", avisou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Nunes, que não acredita nem em grandes nem em rápidas mudanças no preço em bomba. Já Assunção Cristas esperaexatamente o contrário. O Público assegura, na primeira página, que só em 2019.
À hora a que tudo acontecia, perdi uns minutos a ver a quantas anda o litro. O mais barato, ontem à tarde, era num hipermercado de Vila Real de Santo António: gasolina a 1.469 euros/litro e gasóleo a 1.249 euros/ litro. Se atravessasse o rio até Aiamonte era mais barato, mas, neste caso, não era muito mais barato (conseguia a 1.434 euros e 1.224 euros, respetivamente).
Num dia com diversas iniciativas relacionadas com o sector da Saúde, um pouco por todo o país, e até uma greve, é provável que um dos temas fortes nos noticiários seja a inauguração da remodelação da Consulta Externa de Pediatria e do novo espaço de tratamento oncológico pediátrico no Hospital São João. Muito por causa disto.
Acaba hoje o período de discussão pública sobre os terrenos da antiga Feira Popular. E Lisboa venceu ontem o prémio Capital Europeia Verde de 2020.
Desfile de ministros, esta manhã, em Lisboa, para a discussão do Programa Nacional de Investimentos 2030.
O Jornal de Notícias escreve em manchete, por cima de uma foto de sardinhas, que o "Líder do Turismo do Norte investigado por férias sem pagar".
Claro que o verdadeiro combustível que nos alimenta, aquele em que vale a pena investir, é o futebol. Não, não torça o nariz. Isto é mesmo verdade. É música para os nossos ouvidos.
Em plena época de festivais, - convém lembrar que o Rock in Rio, versão Marcelo a cantar Xutos, começa amanhã- a Altice Arena (espaço anteriormente conhecido como Meo Arena e, ainda mais anteriormente, como Pavilhão Atlântico, nome com o qual foi rebatizado o Pavilhão da Utopia na Expo'98, que faz este ano trinta anos...) promete esgotar amanhã à tarde para um dos espetáculos mais aguardados do ano: a Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal.
As portas abrem às 12h00 e o festival deve arrancar duas horas depois. A organização ainda não confirmou a presença do cabeça de cartaz, Bruno de Carvalho, mas o suspense não parece fazer diminuir o interesse do evento. Antes pelo contrário. O sound chek foi ontem. Jaime Marta Soares, uma espécie de manager em exercício da banda, esteve na arena e deixou no ar a possibilidade de nem aparecer. Bruno, o vocalista que querem afastar mas que não larga o microfone, ensaiou mais um tudo ou nada na Sporting TV. Uma barulheira.
E amanhã, na edição do Expresso que chega às bancas logo pela fresquinha, será publicada uma sondagem sobre o que pensam os adeptos do futuro do clube.
Entretanto, os chineses compraram mais um pouco de Portugal. Como se lê no Expresso, desta vez levaram parte da Lusoponte, a concessionária das duas pontes que ligam Lisboa à Margem Sul do Tejo. Com, digamos, uns pilares da 25 de Abril e da Vasco da Gama já controlados por Pequim, é com alguma preocupação que se aguardam notícias sobre a velhinha Marechal Carmona, ali para os lados de Vila Franca.
Há qualquer coisa no ar. No mar. E não é coisa boa. Ontem, o ministro da Administração Interna italiano voltou a proibirdois navios que transportam migrantes de aportar no país. Matteo Salvini, que é também o lider da Liga (de extrema-direita) acusa a ONG alemã Lifeline de apoiar os migrantes e de, ignorando os avisos das autoridades, ter "embarcado 224 migrantes ilegais, à força, em águas líbias".
Esta manhã, Roma parece ter reconsiderado e já admite abrir os portos e resgatar os 226 migrantes que estão a bordo do Lifeline - ainda que considere confiscar o navio.
Na véspera tinham sido os húngaros a aprovarum pacote de medidas legislativas que criminalizam a ajuda a migrantes sem documentos.
Eis o muro que não existe e que cada dia está mais alto. Este fim de semana há uma espécie de minicimeira de emergência da União Europeia, em Bruxelas, para discutir a questão da imigração.
É. Andamos tão preocupados com o muro que, quando chegou o murro, direto ao estômago, nem o vimos partir. A propósito do que se está a passar nos Estados Unidos da América - e enquanto ainda não é claro o que vai mudar, se é que vai mudar, na política fronteiriça de tolerância zero responsável por mandar crianças para a cadeia – deixo-lhe três artigos, de órgãos de comunicação de referência, onde pode encontrar uma chave para ler a realidade.
Comece no Washington Post , passe para a BBC e termine com um texto de opinião no The New York Times. Pelo caminho, leia sobre uma mãe e o seu filho.
Melania Trump foi ao Texas visitar uma dessas instalações onde se encontram crianças cujos pais foram detidos pelas autoridades norte-americanas - são prisões, não vale a pena dizer que não. Depois do aparente passo atrás de Trump, a visita da primeira-dama podia ser encarada como um sinal positivo. Mas não. Claro que não. A primeira-dama decidiu usar um casaco onde se lia "I really don't care do u?". Ao que conta a BBC, a porta-voz de Melania ficou zangada porque os media americanos só falaram da roupa.
E nós ficamos a pensar se isto tudo é a sério ou se as pessoas mais poderosas do mundo andam mesmo a brincar com o mundo.
A propósito de gente doida, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos rejeitou o recurso de Anders Breivik, o neonazi que matou 77 pessoas na Noruega, em 2011.
Nas coreias, representantes da Cruz Vermelha do norte e do sul participam hoje numa reunião com o objetivo de prepararem um encontro de famílias separadas pela guerra.
Em Espanha, um tribunal decidiu libertar sob caução os cinco homens condenados por abuso sexual de uma rapariga de 19 anos.
E a União Europeia respondeu à guerra comercial declarada pelos EUA com um pacote de medidas avaliado em 3,2 mil milhões de dólares. O alvo? As motos, uísque e sumos de laranja made in USA.
É cada vez mais fundo o fosso que os divide, como um muro enorme que vai crescendo para baixo.
Na categoria "A sério? Não fazia ideia", fique a saber que o nível de vida dos portugueses está a regredir há 15 anos.
Operação Fizz. O curioso caso que fez tremer as relações entre Portugal e Angola, a propósito do alegado envolvimento de Manuel Vicente, aproxima-se do fim com o Ministério Público a pedir pena suspensapara o procurador Orlando Figueira.
No domingo há eleições na Turquia. A revista E aborda o assunto na edição de amanhã, mas até lá pode ver aqui o que está em causa.
A gorila Koko morreu ontem, aos 46 anos. Em 1983, recorrendo a alguns dos mais de mil sinais que aprendeu ao longo da vida, pediu um gato como prenda de Natal.
E há também uma história triste que envolve um gato em Ponte de Lima e que, graças a um vídeo, se tornou notícia nacional.
Na Venezuela, o presidente Nicolas Maduro, que culpa a oposição e os empresários pela crise em que se encontra o país, anunciou mais uma subida do salário mínimo, desta vez de 103,7 %. Na prática, os venezuelanos passam a receber por mês um pouco mais de 5 milhões de bolívares. Na prática, são 56,7 euros.
Sente o cheiro a dinheiro no ar? A Chanel revelou pela primeira vez os seus resultados anuais e o mundo ficou a saber que a empresa de perfumes e produtos de luxo vale 10 mil milhões de dólares.
Breve noticiário sobre o Irão, próximo adversário de Portugal no mundial. Ao que parece, a decisão norte-americana de abandonar o acordo nuclear está a ter consequências estranhas. Uma das mais recentes, como conta o Financial Times, envolve um programa de TV que prometeu sortear um carro para os espetadores que conseguissem acertar mais resultados do Campeonato do Mundo. O problema é que, devido às sanções americanas, o preço dos carros – como os de quase tudo - estão a subir. E agora ninguém sabe como resolver o problema.
Sem mudar de tema, as sanções, nem de país, veja como a proibição de uma app pelas autoridades iranianas está a afetar a economia.
Resumo do dia na Rússia: A Argentinaperdeu. Mais um treino da seleção. A Françaganhou. Faltam três dias para o jogo com o Irão. A Dinamarca e a Austráliaempataram.
Também sobre o Mundial, e para aqueles (poucos) que ainda têm dúvidas de que o futebol é um dos maiores negócios à escala global, nada como ler acerca da vida difícil no mundial da Rússia de um jogador mexicano a contas com a justiça norte-americana.
Para o fim fica o muro mental do PCP, que, através de um artigo de opinião no jornal "Avante", assinado por Angelo Alves – membro do Comité Central e identificado pelo partido como "intelectual, 45 anos de idade" - vem em defesa da União Soviética do tempo do Checkpoint Charlie, hoje Rússia dos oligarcas milionários, ao mesmo tempo que ataca a imprensa portuguesa.
Há muros que ficam de pé muito depois de terem caído.
O QUE ANDO A LER
"Aqui mesmo", de Jean-Claude Forest. A editora Levoir apresenta-o como um dos mais conhecidos autores de BD francesa, pioneiro da BD adulta e criador de Barbarella. Comprei o livro há uma semana e, de propósito, conta a história de Arthur Même, um homem que vive em cima de muros e numa luta constante para recuperar as terras que lhe foram usurpadas pelos primos.
Arthur passa os dias a correr de um lado para o outro, com um molho de chaves numa mão e a outra mão estendida à espera do pagamento, sem o qual se recusa a abrir os portões que permitem passar de uma propriedade para a outra. É um homem que vive acima dos restantes, mas sempre com medo de cair e de ser mordido pelos cães. Incapaz de se libertar do labirinto a que se condenou, Arthur não percebe quehá um mundo lá fora, e que esse mundo é maior do que o seu.
É maior do que o de qualquer um de nós.
O fim de semana está mesmo aí e nada como perder umas horas à mesa a ler a edição do Expresso em papel. A partir de amanhã estará à venda o novo guia Boa Cama Boa Mesa, que inclui uma listagem de mais de 500 marisqueiras, cervejarias, esplanadas e terraços. Até lá tem o Expresso Diário às seis da tarde e informação durante todo o dia no site do Expresso.
Bom dia e bom fim de semana.
Salte o muro. |
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